• Nenhum resultado encontrado

As Ordenações Manuelinas

No documento Posturas do Recife Imperial (páginas 50-60)

AS POSTURAS MUNICIPAIS PORTUGUESAS INSTITUINDO AS BASES DO DIREITO LOCAL

1.2 AS POSTURAS MUNICIPAIS PORTUGUESAS REGIDAS PELAS ORDENAÇÕES DO REINO

1.2.2 As Ordenações Manuelinas

Algumas circunstâncias levaram D. Manoel I, logo em 1505, a determinar a reforma das Ordenações Afonsinas, cuja aplicação havia-se estendido a todo o território a pouco mais de 50

§ 15: “Cada mez farom alimpar a Cidade, cada hûa ante a sua porta da rua, dos estercos, e maaos cheiros; e farm em cada freiguezia tirar cada mez hûa esterqueira, e lançar fora o esterco nos lugares, honde se há de lançar.” (F.CALOUSTE

GULBENKIAN, 1998a, Livro 1, p. 184-185)

57 Ord. Afonsinas L. I, T. XXVIII § 16: “Nom consetirom que lancem bestas, nem caães, nem outras cousas çujas, e

fedegosas na Cidade, ou Villa; e os que as lançarem, façam-lhas tirar, poendo-lhes penas se as nom tirarem; e aos negrigentes Dallas logo aa eixecuçom”. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998a, Livro 1, p. 185)

58Ord. Afonsinas L. I, T. XXVIII § 17: “Mandarom apregoar em cada huû mez, que alimpem cada huû suas testadas

de suas vinhas, e herdades sob certa pena, e os que as nom alimparem, se as os Rendeiros nom tirarem, facão-nas recadar, e poer sobre o Procurador”; e

§ 18: “Farom Audiência nos dias, que he de costume de se fazerem, e na Audiência postumeira de seu mez farom ante dar pregam, que todollos que tem feitas coimas, ou som penhorados, que vaaõ livrar seus penhores, e feitos em aquelle dia, e os que allá nom forem, aa sua reveria julguem as cooimas, e dem livramento a todo”. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998a,

Livro 1, p. 185)

59 Ord. Afonsinas L. I, T. XXVIII § 22: “O Escripvaõ da Almotaçaria escrepverá todallas cooimas achadas, assi, de

gaados, e destas, como de Mesteiraaes, e carniceiros, e paateiras, e regateiras, e enxerqueiras, que pelos Jurados forem acooimados, e os que elle poder saber, que vaaõ contra as posturas, e cada mez as mostre aos Almotacees; e se os Almotacees nom tornarem a esto, mostre-as aos Juizes, e aos homeês boõs da Câmara, para saberem quaes som os dapninhos, e fazer em elles cumprir as posturas, e Hordenaçooês”; e

§ 23: “Se trabalhe quanto poder de saber se os rendeiros, ou Jurados nom costrangem os Cooimeiros, e se teem com elles aveença feita, ou se fazem despois das Sentenças, ou porque rezaõ nom levam as cooimas, e assy o digua na Câmara; e

anos. Segundo Mário Costa60, a introdução da imprensa, pelos fins do século XV,

designadamente a partir de 1487, em diversas vilas e cidades, foi o primeiro fator condicionante. A este, outros fatores se somaram: a plena fase dos descobrimentos ultramarinos e, ainda, a importância atribuída pelo rei ao direito e à realização da justiça, traduzidas na importante reforma dos Forais, que se concretizou em 1520, após tentativas frustradas dos monarcas antecessores.

As Ordenações Manuelinas, postas em vigor no ano de 1521, incorporaram não apenas as normas já estabelecidas nas Ordenações Afonsinas, mas também a legislação extravagante decretada no período em que estas estavam em vigor e, ainda, os resultados da revisão geral e da conseqüente reforma dos forais, realizadas pelo rei D. Manuel I, entre 1497 e 151761, bem

como de outras reformas, tanto da administração pública, naquilo que se refere ao poder central, bem como à organização do poder dos concelhos, quanto reformas urbanísticas, que foram empreendidas nesse período e foram introduzidas na modernização das legislações. Essas reformas visavam dotar o poder real e o aparelho de Estado de uma capacidade de gestão capaz de fazer em face do domínio português, que se ampliava com as conquistas do além mar62, consolidando o direito português que, a partir das Ordenações Afonsinas, se modificara

em vários pontos substanciais.

Com a descoberta e a implementação da imprensa, as reformas empreendidas adquiriram dinâmica e capacidade de efetivação, uma vez que puderam ser divulgadas por todo o território em forma de textos impressos. Nesse período, mais que no anterior, quando vigoravam as Ordenações Afonsinas, a administração apoiada nos concelhos e baseada, sobretudo, nos costumes locais e no direito consuetudinário, com assimetrias de região para região, cedeu lugar progressivamente a uma administração radicada num direito erudito e numa legislação emanada do Desembargo do Paço e da Câmara Real.

fazendo o contrario, seja logo privado desse Officio, e dem-no a outro, que faça verdade, e ame a prol cûmunal”.

(F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998a, Livro 1, p. 186-187)

60 Texto introdutório das Ordenações Manuelinas (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1)

61 A revisão e a reforma dos Forais foi executada sob a direção de Dr. Fernão de Pina, conforme cita

F.P.ANDRADE, 1966, p. 24.

62Os descobrimentos, que se estenderam desde o século XIV, com a conquista de Ceuta, e se expandiu até o

século XIX, caracterizaram a expansão do capitalismo que procurava ampliar o mercado dos seus produtos e absorver os minerais e os produtos vegetais e animais tropicais, visando maximizar os lucros e a acumulação das riquezas. Foram utilizados, para isso, entre outros: o capital já acumulado no período medieval, sobretudo pelos mercadores italianos, o espírito de aventura, a crença em lendas, a organização militar que já dominavam e a tentativa de legitimar as conquistas, em nome da propagação da fé cristã. (M.ANDRADE, E.FERNANDES e

A preocupação de estabelecer as bases de uma gestão racionalizada deu seqüência a uma série de medidas reformadoras. Em 1496, D, Manuel I publicou uma carta para diligenciar a uniformização de todos os pesos e medidas de uso corrente no reino, os quais seguiam as mais variadas tradições de raiz romana ou árabe. Dois anos mais tarde, o Rei convocou uma comissão63 para proceder à “... justificação da moeda ...” 64, convertendo o valor das moedas

antigas para um novo padrão moderno de moeda corrente.

A reforma dos forais65, iniciada em 1497, se inseriu nessa preocupação de uniformização

e racionalização de processos de gestão. Não alterou a vida dos municípios, no aspecto restrito da administração, consolidando, apenas, uma situação de fato já existente. Contudo, houve um aumento tributário, especialmente sobre as transações de compra e venda, como conseqüência do acréscimo das despesas públicas e o estabelecimento de um novo sistema de cobrança, que foi incorporado nas Ordenações Manuelinas.

A organização tributária, que passou a ser o capítulo mais importante da administração pública, teve reflexos consideráveis sobre as posturas, correspondendo às medidas preventivas que se constituíam, em geral, pena pecuniária ou multa (coima), de onde o Estado extraía receita através das terças. As leis complementares das Ordenações, versando sobre matérias de posturas, tinham como único objeto aperfeiçoar a forma de dar execução às multas ou coimas. O primeiro imposto - “dos carros que carreiam na cidade66” - estabelecido para a cidade de Lisboa, ainda antes

de serem decretadas as Ordenações Manuelinas, incidiu sobre os veículos de transporte de carga que circulavam na cidade e sua arrecadação foi revertida para as obras de pavimentação de ruas.

Regimentos de naturezas e objetivos diversos foram sequenciadamente publicados, até a edição definitiva das Ordenações Manuelinas:

x o “Regimento dos Pesos”, de 1502;

x o “Regimento de Vereadores e Officiais da Câmara de Lisboa”, de 1502, que se instituiu como

modelo oficial de funcionamento municipal para todo o País;

63Essa comissão foi chefiada pelo chanceler-mor Rui Boto e integrada pelos mestres e oficiais das casas das

moedas de Lisboa e Porto e pelo procurador dos Feitos da Coroa. (H.CARITA, 1999 p.110). 64 Carta Régia de 25.06.1498, citada por H.CARITA (1999 p. 110).

65A reforma dos forais foi, também, chefiada por Rui Boto (H.CARITA, 1999 p.110).

66Este imposto foi lançado pela Carta Régia de 20.08.1498 e permanece em vigor até finais do século XIX: “...

aveemos por beem que todavia a obra das ditas calçadas sse faça e as achegas (materiais) dellas deem os ereos (os donos dos veículos) e os ofeciaes pague a cidade ...” (H. CARITA, 1999 p. 81).

x o “Regimento que El rei fez novamente sobre o passar do gado e outras cousas defesas para o reino”,

de 1503; e outros regimentos que se agregaram a esses de caráter administrativo e legislativo, tais como,

x O “Regimento dos Oficiais das Cidades e Vilas destes Reinos”, posto em vigor por D. Manuel I,

desde 150467, que repetiu uma parte significativa das Ordenações Afonsinas, mas que trazia,

por outro lado, uma nova mentalidade na orientação da gestão do País, além de uma linguagem que expressa um discurso mais imperativo, em contraponto com a linguagem medieval de caráter muitas vezes narrativa.

x o “Regimento das Capelas, hospitais, albergarias, e confrarias, da cidade de Lisboa”, em 1504; x o “Regimento do Hospital de Todos os Santos”, em 1504;

x o “Regimento das casas de Guiné e Índia”, em 1509; x os “Artigos das sisas”, em 1512;

x o “Regimento de como os Contadores das comarcas hão de prover sobre as capelas, hospitais,

albergarias, confrarias, gafarias, obras, terças e resíduos”, em 151468;

x o “Regimento da Fazenda Real”, em 1516; x as “Ordenações das Índias”, em 1520; e, por fim, x as “Ordenações Manuelinas”, em 1521.

Em termos legislativos as Ordenações Manuelinas atualizaram as Ordenações Afonsinas. Entretanto, as reformas manuelinas se definiram, sobretudo, pela introdução de um pensamento racionalista e pragmático que, ao reestruturar as instituições de caráter administrativo, lançou as estruturas para a formação do Estado moderno.

A tendência centralizadora da época impôs reformas no âmbito da administração. Foi, então, criado o cargo de almotacé-mor69, para ordenar e fiscalizar a magistratura dos almotacés, uma

vez que este era um cargo muito generalizado em todo o país e suas funções eram essenciais à vida coletiva. Além das funções próprias que desempenhava na Corte, cuidando de seu abastecimento, o almotacé-mor funcionava como oficial da administração pública, competindo-

67Este Regimento foi impresso por Valentim Fernandes, segundo H. CARITA(1999 p. 110).

68 Este regimento, elaborado por André Pires, regulava a gestão das obras terças, que a partir do imposto do

mesmo nome, revertiam para obras sociais e militares, caso de muralhas, torres, fortalezas, cavas, armazéns e aquartelamentos.(CARITA, H, 1999 p. 110).

69 O ofício do almotacé-mor se encontra regulado nas Ord. Manuelinas L. I, T.XV. (F.CALOUSTE GULBENKIAN,

lhe, também, elaborar posturas junto com os Oficiais da Câmara, bem como fazê-las cumprir70,

exercendo sua jurisdição num raio de cinco léguas ao redor do local onde se encontrasse71.

Competia-lhe fiscalizar os almotacés dos concelhos, corrigindo as suas atividades, castigando o desleixo no serviço por meio de pena pecuniária, fazendo posturas em conjunto com as câmaras quando, em inspeção, encontrasse casos não regulamentados por negligência das autoridades competentes. Competia-lhe, também, regular os pesos e medidas, com o objetivo de uniformizar o sistema72. Para garantir tal uniformização, a aferição era feita duas vezes por ano

e aqueles que não cumprissem seriam penalizados com multas ou prisão, revertendo a favor do

almotacé-mor as multas provenientes das penas por ele aplicadas73. Só em 1535 esta disposição foi

revogada pelo rei D. João III, através da “Lei 21 das Cortes”, estabelecendo-se que o produto das multas fosse aplicado às despesas da almotaçaria ou em obras públicas do lugar em que o rei se encontrasse.

As Ordenações Manuelinas regulavam vários assuntos que constituem matérias de

posturas, com o objetivo de uniformizar certas medidas, especialmente aquelas cujas infrações

são prejudiciais ao bem comum, prevendo penas para ocorrências e reincidências. Dentre essas medidas destacam-se aquelas que versam74 sobre danos causados a animais e a plantações de

terceiros nas cidades e vilas, mas especialmente no campo; sobre falsificação de mercadorias no âmbito comercial; sobre os critérios de matança de animais para a venda, visando a saúde da população, entre outros.

As posturas nas Ordenações Manuelinas eram consideradas, tal como nas Afonsinas, em conformidade com os usos, os costumes e os foros das cidades e vilas, impondo ao corregedor

70Ord. Manuelinas L. I, T. XV § 65: “Ao Almotace Moor pertence mandar comprir as Posturas feitas

sobre as esterqueiras, canos, fontes, chafarizes, e poços, e mandar penhorar os Almotaces que achar negrigentes, cada huû por trezentos reaes por cada vez, a qual pena será ametade pera si, e a outra metade pera o Meirinho. E nom sobre ello feitas Posturas, Mandamos que elle com os Officiaes desse Luguar em Câmara façam Postura, e ponham aquellas penas que razoadamente lhes parecer, as quaes loguo fará apregoar, e comprir, como dito he.” (F.CALOUSTE

GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 132). (Grifo nosso)

71Ord. Manuelinas L. I, T. XV § 67: “Outro si ao Almotacé Moor pertence mandar alimpar, e refazer os caminhos, e

calçadas, e pontes nos Luguares onde Estevermos, e derredor atee cinco leguoas, constrangendo pêra ello os Officiaes dos Concelhos”. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 132).

72Ord. Manuelinas L. I, T. XV § 24: “E Mandamos que todas as medidas, e pesos, e varas, e couados sejam tamanhas

como as da Nossa Cidade de Lixboa, e nom sejam maiores nem menores. E o Almotacé Moor trazerá comsiguo os padrões de todos os pesos, e medidas ...” (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 119).

73Ord. Manuelinas L. I, T. XV § 69: “Mandamos que todas outras penas de dinheiro que elle poser cousas que a seu

Officio pertence, ametade seja para o Meirinho de Nossa Corte, e a outra metade pera se, ou quem elle quiser. E pêra esto que dito he, lhe Damos Jurisdiçam, e Alçada atee a dita contia. E quanto ao julguar das ditas penas ter-se-há a maneira sobredita”. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 133).

74Ord. Manuelinas L.V, fornece uma série de exemplos de esforço realizado pela lei geral às regras particulares

da comarca, aos desembargadores e aos demais oficiais o dever de zelar pelo seu cumprimento, não podendo ser revogadas pelos agentes do poder central. As entidades com competência para fazer posturas, bem como os processos de sua elaboração, são os mesmos nas duas Ordenações, como também o são os assuntos abrangidos pela competência dos oficiais do concelho em matéria de polícia. As Ordenações Manuelinas apresentam, contudo, maior clareza na expressão e uma técnica mais perfeita, destacando-se como novo o que se refere:

x ao recurso interposto para os desembargadores pelos vereadores vencidos nas deliberações

das câmaras, se estes persistissem em considerar o seu ponto de vista como verdadeiro. Depois de conhecido o agravo, o que a Relação determinasse seria guardado e cumprido75;

x a um preceito novo sobre a execução das coimas, atribuindo aos proprietários o direito de

“encoimar” aqueles que devassassem o seu prédio produzindo danos diretamente pelas suas próprias pessoas ou por animais, por culpa ou negligência. A coima deveria ser imposta na presença de uma testemunha, sendo posteriormente entregue ao concelho.

x às medidas de polícia que se fizeram mais minuciosas quanto à construção, conservação

e higiene dos edifícios, ampliando as atribuições conferidas aos almotacés sobre o assunto. Tais medidas:

- estabelecem uma série de preceitos que regulamentam a construção de edifícios;

- proíbem que se façam na rua escadas, ramadas, alpendres e tudo o mais que pudesse embaraçar o trânsito76;

- autorizam que se façam esgotos das casas para as ruas por meio de calhas onde a água corresse, dispondo que essas calhas não fossem demasiadamente compridas, para evitar que as sujeiras prejudicassem os vizinhos e, além disso, que sobre elas nunca pudesse ser invocada a prescrição quando algum transeunte ou vizinho se queixasse de imundícies77;

75Ord. Manuelinas L. I, T. XLVI, § 9. “... Porem se ao fazer da Postura os que mais poucos forem em vozes quiserem

agravar, por lhes parecer que a sua tençam é milhor que os das mais vozes, poderam agravar pera os Dezembarguadores do Agravo da Nossa Rolaçam; o qual agravo tiraram aa sua custa, e nom do Concelho, e o que for determinado em Nossa Rolaçom se guardará e cumprirá.“ (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p.326)

76Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 33: “E bem assi nom se poderá fazer na rua escada, nem ramada, nem alpendere,

nem outra cousa algûa, que faça embarguo aa serventia da dita rua, e se o fezerem nom lhe será consentido, e os Almotacees lho mandaram derrubar.” (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p.352).

77 Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 42: “E se alguû quiser verter todolas aguoas de sua casa a huû luguar da rua,

pode-o fazer por cal, por onde as aguoas venham por sua parede; porem nom poderá fazer a cal tam longua, que seja fora em a rua, por que faça nojo, nem mal a seu vezinho, ou aos que passarem póla rua; e se alguém tever já feita cal longua, nom a poderá mudar pêra poer hi outra maior, nem dóutra feitura da que era Dante em aquelle mesmo luguar; porem a tal cal assi longua nom poderá prescrever por tempo alguû, se nojo fezer ao vezinho, ou aos que passarem póla rua, como dito he.”.

- estabelecem que os almotacés devam conhecer de todas as demandas de edificações78

paredes de casas, portas, janelas, frestas – e, ainda, sobre lançamento de águas, sobre calçadas, ruas, etc. Conferem, também, poderes aos almotacés para embargar qualquer obra e lhes autorizam a demolirem a obra que não observar as disposições79.

É importante destacar que a questão das edificações nas cidades assume maior destaque nas Ordenações Manuelinas, em relação às Ordenações anteriores. Nos vários títulos das Ordenações Manuelinas, incluem-se disposições sobre o abastecimento público, os ofícios públicos e artesanais, a limpeza e a saúde pública, as obras públicas, bem como várias disposições sobre as construções, expressando uma atitude nova para com a cidade e um novo conceito de espaço urbano, em que os interesses públicos deveriam se sobrepor aos interesses privados. Entre essas disposições destacam-se aquelas sobre:

x ofícios públicos e artesanais80, com normas a respeito das funções dos almotacés, das

atividades dos artífices e oficiais – tecelões, tecedeiras, tintureiros, caldeireiros, armadores, etc; e das atividades dos mercadores;

x cumprimento de posturas81, com atribuições expressas aos Almotacés para fazerem

cumprir as posturas e Ordenações do Reino;

x bens do Concelho82, envolvendo regras de administração, com recomendações sobre

economia dos gastos públicos; sobre aforamento dos bens do Concelho e fiscalização de suas rendas; guarda, conservação e arquivamento dos documentos e papéis públicos.

x abastecimento público83, abrangendo normas sobre gêneros em geral, carnes verdes e

pescado, trigo e pão, frutas e mantimentos; água (canos, fontes, chafarizes, poços);

78Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 24: “... os ditos almotacés conhecerem de todas as demandas, que se fezerem sobre o

fazer, e o nom fazer de paredes de casas, ou quintaes, e assi de portaes, janelas, frestas, ou eirados, ou tomar, ou nom tomar d’aguoas de casas, ou sobre meter traves, ou qualquer outra madeira nas paredes, ou sobre estercos e çujidades, ou aguoas, que se lançam como nom devem, e sobre canos, e enxurros, e sobre fazer de calçadas, e ruas.” (F.CALOUSTE

GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p.349).

79 Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 25: “... aos Almotacees pertence embargauar qualquer obra de edifício, que se

dentro na Villa, ou seus arrabaldes fezer, a requerimento de qualquer parte, poendo-lhe aquella pena que lhe bem parecer, atee seer determinado por Dereito sobre ello; e se depois de fazer a obra, sem mandado da justiça, que pera ello tenha poder, aalem de encorrer na dita pena, difar-se-ha toda a obra que hi despois fezer, posto que queira mostrar, ou mostre, que de Dereito o podia fazer.” (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p.349).

80Ord. Manuelinas L. I, T. XV e XLVI. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 113-134 e 322-334). 81 Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 22: “...o Escrivam d’Almotaçaria escreverá todas as achadas, assi de guados, e

bestas, como dos Mesteiraes,Carniceiros, Paadeiras, Reguateiras, e Enxerqueiras, e outros que nas coimas cahirem, que pólo Rendeiro, e Jurado forem acoimados, e os outros que elle poder saber, que vam contra as Posturas, e cada mez as amostrará aos Almotacees; e se os Almotacees nom tornarem a esto, mostrem-nas aos Juizes, e aos homes bons da Câmara, pêra se verem quaes sam os daninhos, e fazerem em elles comprir as Posturas, e Ordenações do Reyno, sobre os daninhos feitas.” (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p.348). (Grifo nosso)

82Ord. Manuelinas L. I, T. XLVI, XLVII e LXX. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 322-336 e

fornecimento de candeias e velas para iluminação; comércio a varejo e armarinhos: merceeiros e especieiros, mercadores de panos;

x segurança pública84, com recomendações a respeito de prisões, polícias e quadrilheiros,

bem como de comportamentos individuais;

x festas públicas85, com menção especial e detalhada a respeito de realizações de procissões; x limpeza e saúde pública86, envolvendo normas sobre limpeza pública das povoações (ruas,

caminhos, calçadas e pontes, fontes d’água) e sobre socorros e atendimento de saúde (boticários);

x obras públicas87, especificando poderes para se baixarem posturas de âmbito municipal a

propósito de matéria específica; com recomendações a respeito de contratações de obras públicas e de conservação e abertura de servidões, caminhos, rocios e fontes d’água de uso público;

x construções88, com regras a respeito da construção de paredes, portas, janelas, frestas,

eirados, escadas, e outros elementos, bem como sobre abóbadas e passadiços sobre as ruas,

83Ord. Manuelinas L. I, T. XV, XLVI, XLIX (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p. 113-134, 322-

334 e 339-356).

84Ord. Manuelinas L. I, T. XLVIII, LIV, LV e LVI. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, 337-339 e

364--394).

85Ord. Manuelinas L. I, T. XLVI. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p 322-334).

86Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 13 – 16. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, p 345-346). 87Ord. Manuelinas L. I, T. XV e XLVI. (F.CALOUSTE GULBENKIAN, 1998b, Livro 1, 113-134 e 322-334). 88Ord. Manuelinas L. I, T. XLIX § 24 - 44. Além das já citadas acima (§ 24, 25, 33 e 42), seguem trechos das

demais posturas sobre edificações: (26) “... qualquer que tever casas, ou casa, pode nellas fazer eirado com peitoril, e

No documento Posturas do Recife Imperial (páginas 50-60)

Documentos relacionados