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A Redução da Autonomia Municipal

No documento Posturas do Recife Imperial (páginas 129-134)

A CÂMARA MUNICIPAL DO RECIFE CONSAGRANDO A MEMÓRIA PORTUGESA

2.4 A CÂMARA MUNICIPAL NA CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO BRASILEIRO

2.4.2 A Redução da Autonomia Municipal

No exercício de suas funções administrativas, as Câmaras Municipais tiveram sua liberdade reconhecida pela Lei de 1828, especialmente no que se refere à divisão do seu termo em distritos (arts. 55 e 84) e à nomeação de seus empregados – Secretário, Procurador, Porteiro e ajudantes, Fiscais e suplentes (arts. 79, 80, 82 e 83). Entretanto, os termos da Lei estabeleciam, de modo claro, a submissão das Câmaras ao rígido controle dos Conselhos Gerais de Província, dos Presidentes de Província e dos Governos Gerais, na maioria de suas funções, como já havia sido anunciado, em termos breves, pelo artigo 82 da Carta de Lei de 1824. Ao mesmo tempo em que o artigo 53 atribuía à Câmara da Capital a função de dar posse e juramento ao Presidente da Província, o artigo 78 da mesma Lei tornava clara a subordinação de todas as Câmaras Municipais aos respectivos Presidentes de Província, por serem estes os primeiros

administradores delas. Este artigo referia-se, inclusive, à proibição às Câmaras de depor autoridades,

como era fato comum nos tempos da Colônia.

Leão propunha a criação de colônias agrícolas penitenciárias. Em 1854, já se advoga o regime penitenciário da Pensilvânia (P.T. BARRETO, 1947 p. 33).

Em 1848, José Mamede Alves Ferreira apresenta o projeto da Casa de Detenção do Recife, cuja pedra fundamental foi lançada em 1850, ficando disponibilizada para funcionamento em 1856 (C. X. A. COSTA & V.

L. C. ACIOLI, 1985 p. 36).

247 Na opinião de Victor Nunes LEAL (1975 p. 74), as Câmaras tinham sido, no período colonial, instrumento da

aristocracia rural em suas manifestações de rebeldia contra a Coroa portuguesa e tiveram papel ativo no próprio movimento de independência do país. Na nova estrutura de poder que se instalava no Brasil Império, o papel político, até então desempenhado pelas Câmaras, possivelmente não deveria ser ressaltado, mas, pelo contrário, deveria ser entendido como demonstração de grave indisciplina, a qual cumpria reprimir. É nesse contexto que o autor analisa a restrição de poder político imposto às Câmaras Municipais pela Constituição Imperial e pelas Leis que a regulamentaram e complementaram.

Em matéria de aplicação das rendas municipais, a Lei de 1º de Outubro proibia despesas da Câmara com objetos que não correspondessem àqueles próprios de suas atribuições, bem como pagamento a Juízes e empregados senão àqueles estabelecidos por lei (art 74); proibia, também, despesas realizadas por Procuradores que não estivessem autorizadas por posturas ou determinadas por deliberação da Câmara (art. 75); e determinava, por outro lado, a priorização de despesas no provimento de questões mais urgentes, dentre aqueles objetos das atribuições das Câmaras, atentando principalmente na criação dos expostos, sua educação e dos mais órfãos pobres e

desamparados, nas cidades e vilas onde não houvesse Casas de Misericórdia (art. 76).

A submissão das Câmaras Municipais aos Conselhos Gerais de Província se expressava, de modo mais evidente, na obrigatoriedade que a Lei lhes impunha: de prestar contas anualmente a estes Conselhos da prevaricação ou negligências de todos os seus empregados (art. 58); de tornar dependentes da licença dos Conselhos os atos de alienação do domínio direto ou do domínio útil dos imóveis municipais (art. 42); de submeter ao Conselho Geral da Província as propostas da Câmara Municipal para aumentar suas rendas ou para fazer delas uma aplicação extraordinária (art. 77); e, em especial, de tornar as posturas municipais dependentes de confirmação dos Conselhos de Província (art. 72).

No cumprimento dessas disposições, ocorreram, por parte das municipalidades, manifestações de inconformismo, em face dos limites impostos por lei, enquanto por parte do Governo Provincial persistiram as ações no sentido de anular as municipalidades. Alguns autores248 analisam essa concepção administrativa no âmbito da doutrina de “tutela”, que

consiste em comparar o município, na ordem administrativa, ao menor, na ordem civil. Isto significa que a incapacidade municipal para o exercício das funções que lhe eram próprias impunha a criação de um apertado sistema de assistência e fiscalização, a cargo de poderes maiores.

Na opinião de J.B.Cortines LAXE (1885 p. 35), a necessidade de subordinação entre as

municipalidades e o poder central, visando a harmonia necessária entre todos os poderes do Estado, foi reconhecida e consagrada na Lei de 1º de Outubro de 1828:

248 Entre os autores que tratam a doutrina da “tutela”, V.N. LEAL (1975, p. 75) cita: João Azevedo Carneiro

MAIA. O município. Estudos sobre Administração Local. Rio de Janeiro, 1931. L. III, seção V e IX; João Castro NUNES. Do Estado Federado e sua Organização Municipal. Rio de janeiro, 1920. Parte III, cap.

“Liberdade nos atos de pura e simples administração, dependência tanto quanto era necessária para prender as municipalidades ao corpo social como órgão dêle, sem tirar-lhe, todavia o prestígio e a força moral de que tanto carecem os poderes sociais em seu todo e em suas decomposições: tais foram os princípios culminantes que presidiram à confecção da Lei de 1º de Outubro de 1828”.

O Ato Adicional de 12 de Agosto de 1834 dotou o poder legislativo provincial de largas faculdades, submetendo a este e, de certa forma, anulando o elemento municipal. Erguendo os Conselhos Gerais de Província à categoria de Assembléias Legislativas Provinciais249, esta Lei

atribuiu às Assembléias Provinciais uma série de competências que reduziram as Câmaras Municipais a meras executoras das suas deliberações, bem como das ordens dos Presidentes de Província, agentes diretos do poder central.

No âmbito de suas competências, as Assembléias Legislativas Provinciais só dependiam da iniciativa das Câmaras Municipais no assunto relativo à polícia e economia municipal. .(art. 10, I 4º), uma vez que a Lei de 1828 reservara às Câmaras a faculdade de propor as posturas policiais. No entanto, a dependência das Assembléias em relação às Câmaras, quanto à proposição das posturas, tornou-se, na prática, irrelevante, na medida em que as Assembléias Provinciais, por muitas vezes, entenderam como lícito criar e revogar posturas sem a dependência da iniciativa da Câmara Municipal. Era uma prática herdada do próprio Conselho de Estado que, a respeito das posturas, opinava, ora pela sua afirmativa, ora pela sua negativa.

Uma Ata do Conselho do Governo de Pernambuco, em 14.08.1832, expressa bem esse conflito, ao registrar um Ofício da Câmara Municipal do Recife que reclamava a não aprovação por parte daquele Conselho de algumas posturas por ela propostas, porém negadas pelo Conselho em sessão do dia 23.06.1832, sob diversas alegações. O Conselho inclusive rejeitava, em uma das posturas, o caráter de urgência argumentado pela Câmara à qual, de fato, competia o cumprimento da postura proposta 250.

249 Dois anos antes da promulgação do Ato Adicional, o Decreto de 12.10.1832, através de seu artigo único,

converte os Conselhos Gerais de Província em Assembléias Legislativas Provinciais. (Senado Federal.

Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.47)

250 “Acta da Sessão extraordinária do Conselho do Governo em 14 de Agosto de 1832, convocada pelo Excelentíssimo

Senhor Presidente Francisco de Carvalho Paes de Andrade. ... Foi ultimamente presente no Conselho um Officio da Câmara Municipal desta Cidade reclamando a approvação de algumas Posturas que não foram approvadas, ...o Conselho resolveo que quanto ao Título 3º, as dos §§ 1º e 2º não approva por não serem urgentes, e a do § 5ºpor conter a obrigação de repararem os particulares as calçadas; a do Título 5º, § 2º por se não conformar com a disposição da sua primeira parte; a do Título 8º, § 2º por conter as imposições de 1.600 réis por licença e 600 réis ao Armador; a do Título 11...”[APEJE.

Atas do Conselho do Governo de Pernambuco (1821-1834). Pernambuco: CEPE,1997, 2 vol. p. 182-183

Outros fatos podem, ainda, ser mencionados, como, por exemplo, a dificuldade de interação entre as duas gestões – municipais e provinciais, com sérios prejuízos para a efetivação de obras necessárias para a cidade. Em correspondência enviada pela Câmara Municipal do Recife ao Presidente da Província de Pernambuco, em novembro de 1830, fica expresso que a Câmara havia pedido anteriormente ao referido Presidente para intervir com urgência na Ponte da Boa Vista, em face do iminente perigo de seu desabamento. A correspondência mencionava, também, que o Presidente havia respondido, por ofício, entre outras coisas, que esta obra não pertencia à Fazenda Pública e que caberia à Câmara tratar do indispensável conserto. Diante desta resposta, a Câmara comunicava, por via da correspondência em pauta, que não tinha recursos para fazê-lo, até por ter feito pagamentos a acionistas, como era conveniente para poder aumentar suas rendas, pois tinha sido assim resolvido pelo próprio Conselho da Província. Comunicava, também, que, por não poder prover todos os objetos de suas atribuições, conforme o disposto no artigo 76 da Lei de 1º de Outubro de 1828251, ela se desobrigava das obras para as quais não tinha fundos próprios252.

Em outra ocasião, no mesmo ano de 1830, a Câmara Municipal do Recife, em correspondência dirigida ao Presidente da Província de Pernambuco, comunicava a pretensão de construir um cemitério para atender ao disposto no inciso 2 do artigo 66 da Lei de 1º de Outubro de 1828, que expressava a necessidade de estabelecer cemitérios fora dos recintos das igrejas. Apresentava uma série de alternativas de terrenos, submetendo-as à aprovação do referido Presidente, mesmo em se tratando de atribuição sua, claramente expressa na lei de 1828253. Cerca de nove anos depois, em Outubro de 1839, a Câmara Municipal do Recife

251 O artigo 76 da Lei de 1º de Outubro de 1828 dispõe que: “Não podendo prover a todos os objetos de suas

atribuições, preferirão aqueles que forem mais urgentes; e nas cidades ou vilas, onde não houver Casas de Misericórdia, atentarão pricipalmente na criaçào de expostos, sua educação e dos mais órfãos pobres e desamparados”. (Senado Federal.

Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.44)

252 “Foi na urgência imperiosa de se acudir logo com hua linha que falta á Ponte do Recife ... á evitar o iminente perigo, que

a Câmara, que não tem o poder de apessar officiaes, pedio a V. Excia para pela Intendência ser mandado fazer esse concerto indennisando-o ella, e aproveitando-se hua linha da Ponte da Boavista; como porem V.Excia no officio de 20 do corrente participou, que não tem lugar a pretensão por aquella Repartição, não só por não houverem ali officiaes de Carpina, como principalmente por não ser essa obra do mesmo daquelas, que pertencem á Fazenda Publica; pelo que deveria a Câmara quanto antes tractar desse indispensável concerto, tomando por empréstimo, ou compra a linha, que menssionara ter sobrado da Ponte do Recife; foram expedidas as convenientes ordens para o reparo, que evite e contenha o perigo, que ameaça. ...

A Câmara se julga fora de obrigação de fazer obra, e nella entender por qualquer maneira, huã vez, que não tem fundos seus para isso, ... A lei de 1º de 8bro de 1828 dis no Art. 76 não podendo prover a todos os objetos – De suas attribuições, preferirão aquelles que fossem mais urgentes. Logo desobrigada esta Câmara de fazer aquellas obras para as quais não tem fundos seus próprios.” [APEJE. Manuscritos. Série Câmaras MUnicipais. LIVRO 8 - Página 60 (...11.1830)]

253 “A Câmara Municipal desta Cidade, depois de cogitar deligentemente sobre locais próprios para cemitérios, tem

apresentado, que hum dos mais aptos e vantajosos he o lugar denominado Cabanga, assim por sua posição topográfica, e sempre fora da Cidade, ainda quando esta se estende, como por contar mui poucos edificios e ser por isto a sua acquisição

remetia nova comunicação ao Presidente da Província, comunicando que, para evitar dano à saúde pública, havia determinado um local para fazer o enterramento de cadáveres encontrados nas ruas. Solicitava, então, esclarecimentos sobre os recursos que poderia utilizar para realizar o empreendimento, uma vez que a Câmara se achava vacilante a tal respeito254. Apesar das

investidas da Câmara do Recife na seleção de locais para instalar o cemitério público, só em 1841, a Lei Provincial n.º 91, autoriza a Câmara Municipal para proceder imediatamente à edificação do cemitério público (art. 1), cuja construção foi iniciada em 1842, começando o cemitério a funcionar plenamente em 1854, quando a Câmara Municipal cria uma administração específica para o equipamento.

Constatam-se, no conteúdo das Atas do Câmara do Recife, não apenas as dificuldades de gestão que ela enfrentava para desempenhar as funções que legalmente lhe cabiam, como, também, ficam expressas as dúvidas que ela enfrentava, especialmente quanto à utilização dos recursos necessários ao cumprimento de suas funções. Na realidade, tais dificuldades decorriam da condição de submissão da Câmara em relação ao Governo Provincial. É nesse sentido que J.B. Cortines LAXE(1885) considera que a falta de recursos observada na maioria das Câmaras

do país pode ser atribuída ao desprestígio das municipalidades, que levou, muitas vezes, e especialmente aquelas Câmaras representantes de vilas e cidades de menor expressão, a se tornarem instituições estéreis. E ao interpretar todo o processo jurídico estabelecido desde a Constituição de 1824 até o Ato Adicional de 1834, este J.C.LAXE(1885 p.37) comenta:

“A idéia era a inauguração do sistema de descentralização administrativa; a obra realizada foi uma centralização opressora, entregando-se os municípios de mãos atadas às assembléias provinciais e aos presidentes de província.”

mais fácil, e cômoda. Tão bem se lembra do Lugar de S, Amaro, e tlvez para hum Cemitério da freguesia da Boa Vista; e ultimamente do Local vago, que existe no fim da Rua das Cocopontas, em principio do Aterro dos Affogados, entre o meso Atterro, Açougue e Maré grandes pertencente a José Francisco Gimenes, o qual o oferecera para o dito fim, ao Secretario desta Câmara”.

Dirige-se, portanto, a V. Excia para não havendo por bem de mandar examinar pela Junta Médica, e hum ou mais Engenheiros, de comum acordo, ou pelas pessoas que V. Excia julgar convenientes, á respeito das vantagens ou desvantagens, físicas, e topographicas, sobre aquelle que preferido for, e julgado idôneo, possa então esta Câmara conferir com a principal Authoridade Ecclesiastica, á fim de se não perder tempo e levar o negocio a melhor deireção.” [APEJE.

Manuscritos. Série Câmaras MUnicipais. LIVRO 8 - Página 11 (04.05.1830) ]

254“Não tendo o Cap. 1º do Artigo/Titulo da Lei Provincial n.º 74 de 4 de Maio do corrente anno, marcado a casa precisa

pra o enterramento dos cadáveres, q. aparecem quase sempre, tanto nas Ruas desta Cidade, como nas Praias, e não devendo eles ficarem insepultos em dano da saúde Pública, e mesmo pr não ser conforme com a nossa Religião Catholica. A Câmara Municipal leva ao conhecimento de V.Exa q. tenha determinado mandar fazer os enterramentos de tais cadáveres, pr a casa destinada pra a limpeza das Ruas conjuntamente, ou se essa despesa poderá ser tirada da casa do Art. 1º § 14 das despesas eventuais da citada Lei, mais achando-se a mesma Câmara vacilante a tal respeito, pede a V.Exa esclarecimentos.”

CAPÍTULO

3

AS POSTURAS MUNICIPAIS DO RECIFE

No documento Posturas do Recife Imperial (páginas 129-134)

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