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Socialização e cultura organizacional

1.1 A socialização organizacional

Ao ingressar numa organização cada indivíduo precisa conhecer e aprender as normas, os valores, os modos de posicionar-se e executar suas atividades de acor- do com as expectativas e a postura da organização. Esse processo inicia-se com a entrada do indivíduo no universo organizacional e estende-se por toda sua traje- tória profissional na empresa. Embora alguns elementos profissionais (processo de trabalho, normas, sistemas, entre outros) possam ser similares, cada organização irá combiná-los de modo particular. Assim, em cada nova instituição em que o indivíduo atua precisará compreender o que dele esperam, como deve agir e como se posicionar nas relações que estabelecerá com grupos internos (demais setores da organização, chefias etc.) e externos (fornecedores, clientes, usuários, acionistas e comunidade em geral) da organização.

Este processo tende a se intensificar em momentos em que haja mudança no status1 e papéis2 do indivíduo junto à organização. Seja no seu ingresso, quan-

do o novato tem um mundo de ações e valores organizacionais para assimilar, levando em conta o posto em que atuará; ou em momentos de transferências ou promoções, quando, apesar de permanecer na mesma organização, precisa

1 Status é a posição social que o indivíduo desfruta na sociedade, e se baseia fatores como nascimento, a profissão que possui, os conhecimentos que adquire, o casamento, a situação econômica etc.

2 Papel social é o comportamento esperado de um indivíduo que detém certo status. Cada pessoa poderá ter vários status aos quais correspondem papéis (DIAS, 2004).

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aprender as atividades e posicionamento que o novo papel exige. Um exemplo comum ocorre quando o funcionário de determinada empresa é promovido, a chegada a esta nova colocação, embora não traga um aprendizado tão complexo quanto o de seu ingresso, requer que aprenda como deve agir com relação aos demais grupos organizacionais e sociais a partir da posição que passa a ocupar. Nesses momentos de transição podem ocorrer conflitos de papéis (MAANEM, 1984). Ao assumir um posto de chefia, um funcionário pode ficar dividido entre seguir o caminho que a direção lhe aponta e sua identificação com os demais funcionários na posição que ocupava antes. Tal dificuldade pode também es- tar relacionada com as diferentes culturas que caracterizam a organização. Por exemplo, quando um trabalhador muda de setor ou função e continua orientado pelos valores e regras que compartilhava com o grupo anterior, os quais podem não ser os mesmos do atual.

Mudar de posição ou atividade pode gerar ansiedade, o que tende a diminuir no momento em que o indivíduo aprende o que se espera dele e seu novo papel. Porém, o aprendizado da nova função é influenciado também pela interação com pares, superiores, subordinados, clientes e outros, os quais podem ora apoiar e orientar o novato, ora impedir sua atuação, confundi-lo ou pressioná-lo, gerando para o indivíduo sentimentos de realização e confiança ou de fracasso e incompe- tência (MAANEM, 1984).

Para reduzir esta ansiedade, evitar possíveis conflitos e preparar os funcioná- rios, tanto entrantes quanto aqueles que são promovidos, as empresas precisam criar mecanismos que auxiliem o processo. Para Maanem (1984), numa apre- sentação objetiva e prática das atividades das organizações, essas estratégias de socialização podem ser escolhidas tanto consciente quanto inconscientemente: no primeiro caso, por considerar o modelo anterior o mais adequado, ensina-se ao novato como deve agir, isto é, busca-se adaptá-lo ao formato organizacional; no segundo, considera-se que a pessoa deve aprender por ensaio e erro, isto é, apren- der à própria maneira, sem orientação direta.

Um exemplo de estratégia de socialização estruturada para reduzir os anseios do novo empregado é a integração organizacional. Antes de o funcionário ingres- sar em sua atividade de fato, recomenda-se que lhe seja apresentado o histórico da organização, seu(s) ramo(s) de atividade(s), como está estruturada, que tipo de políticas orientam o funcionamento da organização etc. Parte-se da ideia de que, ao ingressar numa organização, cada indivíduo precisa construir um conjunto de normas e interpretações para explicar e tornar significante o mosaico de atividades

que caracterizam aquela organização. Conhecer uma situação organizacional e agir de acordo com ela implica que a pessoa tenha desenvolvido algumas crenças, alguns princípios e conhecimentos, o que vai fornecer as regras básicas para viver o seu dia a dia na organização.

Segundo Maanem (1984), muitas vezes o objetivo dessas estratégias de so- cialização é domesticar o funcionário despindo-o de sua identidade particular e incorporando a da organização. Cada estratégia aplicada pode ter uma oposta e/ ou também ser cumulativa, mas não necessariamente compatível em termos de resultados. Assim, as principais estratégias seriam:

1. Estratégias formais e informais de socialização. O processo formal serve para preparar uma pessoa a ocupar um status específico na organização, como ser padre, soldado, executivo ou operário. Nesse processo, participam de treinamentos específicos, realizam estudos teóricos e práticos voltados para a aplicação prática na futura atividade. Os programas de trainee represen- tam uma estratégia formal de socialização empregada atualmente por gran- des empresas para preparar jovens recém-formados para assumir posições ligadas à estratégia da empresa. Para tanto, passam por um longo período de treinamento (de um a três anos) em que recebem aulas teóricas gerais sobre conhecimentos técnicos e de gestão e específicas sobre setor, negócio e es- tratégia da empresa. Paralelamente desenvolvem projetos ou circulam por diferentes áreas, para ter um conhecimento mais amplo e detalhado sobre as atividades da organização.

O processo informal ocorre no cotidiano do trabalho. Após ser contrata- do ou alocado na função, o funcionário aprende como as atividades são rea- lizadas em seu departamento. Neste caso, poderá escolher um colega como agente de socialização (padrinho ou tutor). Como não há uma orientação clara da organização e um controle sobre o processo, o agente escolhido pode ser tanto um exemplo do que a organização espera quanto alguém que passe suas impressões equivocadas sobre as atividades e a empresa. Voltan- do ao caso dos trainees, segundo o estudo de Rübenich, Piccinini e Cavedon (2005), mesmo dentro de um processo formal estruturado as propostas e os objetivos estabelecidos para sua formação ao longo do programa podem não ser incorporados de acordo com o plano da empresa. As relações esta- belecidas entre os participantes do programa trainee e destes com os demais trabalhadores da organização fazem os processos e informações recebidas

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nas aulas serem reintrepretados, passando a ser desenvolvidos de acordo com o entendimento do grupo.

2. Estratégias individuais e coletivas de socialização. Nas estratégias coletivas, as mudanças individuais são construídas sobre o conhecimento dos problemas enfrentados por todos os membros do grupo, que buscam o consenso e uma definição coletiva da situação. Estas estratégias são menos onerosas e mais cômodas, pois permitem otimização de tempo e recursos; no entanto, ao fortalecer o grupo, podem entrar em choque com os objetivos principais da organização. Exemplo: uma escola pode direcionar o estudante para se dedicar com afinco aos estudos, enquanto seus colegas podem estimulá-lo ao lazer e outras atividades.

No caso da socialização individual, um único sujeito é preparado para assumir determinadas funções na organização. Embora chegue mais próxi- mo dos objetivos da organização, este tipo de estratégia pode representar maior custo financeiro. Algumas vezes a tarefa de socializar alguém é dada a um único responsável, entretanto, possivelmente essa transferência se fará mais orientada para valores particulares dessa pessoa com a organização. 3. Estratégias sequenciais e não sequenciais de socialização. As sequenciais se

caracterizam por processos consecutivos marcados por uma série de eventos (cursos, treinamentos, indicação de manuais, informativos [jornais internos, e-mails, intranet], cerimônias da empresa [festas de fim de ano, reconheci- mento por tempo de trabalho]) discretos e identificáveis por meio dos quais um indivíduo deve passar a ocupar uma posição e exercer um papel numa organização. Normalmente deveria passar dos elementos mais simples aos mais complexos, mas pode ocorrer em sentido inverso ou mesclando-se. Os processos não sequenciais de socialização são realizados num estágio transitório, sem estruturação contínua de atividades. Atividades de treina- mento isoladas principalmente direcionadas para a qualificação técnica de trabalhadores podem ser consideradas não sequenciais, pois normalmente não estão vinculadas a um programa maior de desenvolvimento.

4. Estratégias fixas e variáveis de socialização. As estratégias fixas dão ao ini- ciante um conhecimento preciso do tempo necessário para completar de- terminado estágio (tempo de experiência, cursos etc.). Ocorre em alguns cargos públicos ou mercados de trabalho específicos em que é necessária uma formação inicial extensa e apenas após a aprovação nesta etapa o indi- viduo está apto para a atividade.

As estratégias variáveis não representam etapas bem marcadas de início e término, dependendo de cada indivíduo. A carreira vertical com base em resultados é um exemplo de socialização variável (promoções), pois não é possível estabelecer um padrão temporal dos momentos de ascensão (ou demissão).

5. Estratégias de socialização por competição ou por concurso. Consiste em se- parar iniciantes em diferentes programas de socialização baseados em dife- renças presumidas como habilidade, ambição ou antecedentes, fazendo-os concorrer entre si. Uma vez desclassificado para um cargo ele o será para sempre. Funcionários de “alto potencial” podem ser defrontados com desa- fios maiores que os demais.

6. Estratégias de socialização através da investidura e despojamento. A sociali- zação com base na investidura busca valorizar o indivíduo, considerando-se sua experiência anterior, como ocorre em cargos gerenciais de nível mais elevado. Nesses casos, a organização não deseja modificá-los, mas aproveitar as suas habilidades.

Os processos de despojamento, por sua vez, destroem e despojam certas características particulares do iniciante. Algumas comunidades ocupacionais e organizacionais exigem que o indivíduo abandone grupos de referência ante- riores, suporte humilhações e faça o trabalho de menor status aliado a salários mais baixos, também chamados de salário inicial, e se ocupe de tarefas pouco interessantes antes de serem considerados participantes iguais e respeitados. São exemplos ministros religiosos, atletas e militares de carreira.

Como foi ressaltado, os grupos que compõem a organização de modo mais ou menos consciente “formatam” o indivíduo que ingressa segundo as normas e valores nela expressas. Ao utilizarem estratégias mais estruturadas (formais, se- quenciais, fixas etc.), os níveis gerenciais mantêm maior controle sobre o modo de agir do sujeito que ingressa. Entretanto, é praticamente impossível se chegar a um controle absoluto, uma vez que a ação de grupos informais também tem forte contribuição na ação de cada indivíduo na organização. Assim, os valores e normas explícitas e implícitas que fazem parte da organização são desenvolvidos, alterados e abandonados pela ação dos diversos grupos que dela fazem parte, sendo consti- tuintes marcantes da cultura da instituição.

A socialização vivida na esfera laboral também pode ser incorporada à vida do indivíduo fora das organizações, como ocorre com indivíduos que passam a avaliar

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atividades de lazer por meio de metas como número de filmes vistos, livros lidos, exposições visitadas em determinado período ou o planejamento de férias como uma série de atividades a serem cumpridas. Da mesma maneira, a vida exterior interfere no modo como o indivíduo incorpora as normas e valores da organização. Empresas mais flexíveis e com procedimentos menos estruturados podem apre- sentar um desafio para pessoas que se habituaram a seguir um padrão de trabalho baseado em aspectos formais (manuais, processos detalhados, normas de quali- dade etc.) e o contrário, empresas com uma estrutura mais rígida de hierarquia e processos podem ser de difícil adaptação para indivíduos mais críticos ou que preferem relações mais informais.

Enfim, a socialização organizacional é um assunto que requer atenção tanto de trabalhadores quanto de gestores. Da parte dos gestores, é importante a análise constante das políticas de recursos humanos que representam momentos formais de socialização (integração, treinamentos, avaliação de desempenho) para ver se estão de acordo com o posicionamento estratégico adotado pela organização. Para os indi- víduos, a compreensão da relação entre padrões e normas da organização e os modos de agir e pensar construídos nas esferas externas devem estar em convergência, caso contrário deverá avaliar a necessidade de adaptação aos padrões da empresa ou bus- car trabalho numa organização que esteja de acordo com seu modo de agir.

2. C

U L T U R A

O termo cultura é utilizado em diferentes sentidos em nosso cotidiano. As pessoas costumam dizer “Maria tem cultura” para indicar conhecimento geral; “a Secretaria de Cultura da cidade do Rio de Janeiro” para designar um departamen- to; “Semana da cultura”, para promover diferentes atividades artísticas. Cultura é mais abrangente que estas expressões, pois não representa apenas conhecimento, não está representada apenas nas artes e não está restrita apenas a um grupo ou departamento. A cultura é uma manifestação presente em todos os grupos sociais, é transmitida pela herança social de uma geração a outra por meio do processo de socialização. Para detalhar um pouco mais, vamos discutir diferentes correntes para compreensão da cultura.

Entre os primeiros conceitos de cultura encontramos o de Tylor (1912, p. 25), vinculado ao pensamento evolucionista, que expressa cultura como “o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qual-

quer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Para esse autor a cultura pode ser analisada sistematicamente, estabe- lecendo leis que possibilitem a compreensão de seus fundamentos e das formas como esta é transmitida para as novas gerações. As diferenças culturais são com- preendidas como resultado da evolução das sociedades.

Na perspectiva evolucionista, coube à antropologia ordenar os estágios evoluti- vos do desenvolvimento das civilizações, e as civilizações europeias no século XX foram consideradas a referência para o estágio final de evolução das sociedades. Assim, desenvolveu-se o etnocentrismo, que significa olhar para o outro a partir das referências daquilo que é seu, impossibilitando que o reconheça como diferen- te, quaisquer que sejam os valores anteriormente conhecidos. Uma ilustração do que é etnocentrismo pode ser a ideia desenvolvida pelos europeus de que os índios eram selvagens, ao passo que se tratava de lógicas, valores, crenças e organização social diferentes daquelas das cidades em fase de industrialização.

Já Cliford Geertz (1978, p. 24) apresenta a cultura como um sistema de signos passível de interpretação. Para o autor, “a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles [sím- bolos] podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade”. Esta abordagem de Geertz difere da proposta de Tylor, pois não compreende a cultura como um fenômeno natural, mas sua base é social, e a gênese está na ma- nutenção e transmissão de conhecimentos e ações entre os atores sociais.

Segundo Geertz (1978, p. 15), “a cultura são os significados que informam as condutas humanas e as tornam inteligíveis”. O autor também destaca que as teias de significações originam matrizes múltiplas e distintas, que podem ser respon- sáveis pelas práticas de um indivíduo. Assim, na sua concepção, a cultura não é homogênea ou coerente. Ao ser formada por estruturas sociais que se entrelaçam, dando sentido às ações humanas, cada estrutura pode ter um significado diferente para práticas humanas, ou seja, pode haver significados diferentes para uma mes- ma conduta dentro de um mesmo ambiente circunscrito.

Na concepção de Geertz (1978), cabe ao antropólogo interpretar a multi- plicidade de estruturas conceituais complexas, estranhas, irregulares e implícitas, buscando aprendê-las de alguma forma para depois apresentá-las no seu texto. O produto de seu estudo, a etnografia, seria a tentativa de construir um texto mesmo que composto de incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos que retratam a visão do pesquisador.

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Ainda para Geertz (1978), o ser humano atribui sentidos aos acontecimentos que vivencia por meio de padrões culturais, que são agrupamentos ordenados de símbolos significativos. Os indivíduos sentem, percebem, raciocinam, julgam e agem sob a direção desses símbolos. A experiência humana é assim uma sensação significativa, interpretada e aprendida. Geertz destaca a compreensão dos padrões culturais, organizados por meio de símbolos sociais, que se manifestam nos com- portamentos individuais como uma questão fundamental para a antropologia.

Para a área de Administração os referenciais da antropologia sobre cultura contribuem para a discussão de dois temas: a cultura organizacional e a relação entre cultura e consumo. A cultura organizacional é objeto de estudo das áreas de estudos organizacionais e recursos humanos, que partem de autores como Schein e Geertz para construírem diferentes correntes e interpretações sobre quão objeti- va pode ser a compreensão do universo cultural e quanto ele é passível de controle e gerenciamento por parte dos administradores. No que se refere à relação entre cultura e consumo, a discussão está concentrada na área de marketing, que parte da ideia de sociedade do consumo para compreender os valores e ações dos indiví- duos do “mundo ocidental contemporâneo”.3 Na próxima sessão aprofundaremos

os conceitos de cultura organizacional.