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processo de racionalização na sociologia de Max Weber

LUCAS RODRIGUES AZAMBUJA

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ara muitos comentaristas (Ritzer, 1993; Collins, 2002; Kalberg, 1980; Schluchter, 1985; Raynaud, 1996), o tema da racionalização é central na obra de Max Weber (1864-1920). Todavia, Weber nunca expressou uma definição clara da noção de racionalização, nem mesmo forneceu uma teoria ge- ral e integrada desse processo, mas, sim, apresentou uma definição clara de pelo menos dois tipos de noções de racionalidade (com relação a fins e com relação a valores) e analisou diferentes processos de racionalização em esferas específicas da vida social, especialmente a religiosa, a política e a econômica.

Segundo Schluchter (1985, p. 6-9), o interesse de Weber pelo tema da racio- nalização começa com sua preocupação inicial sobre a especificidade histórica do capitalismo ocidental. Desde o início de sua vida intelectual, Weber defendeu a tese de que a gênese do capitalismo não pode ser compreendida por dicotomias como economia de troca versus economia de mercado, e também por meio do exame de causas exclusivamente materiais e econômicas. O capitalismo era o re- sultado de uma ampla gama de processos históricos (institucionais, legais, políti- cos, culturais, religiosos, científicos etc.) que resultavam, de maneira poliformada,

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no estabelecimento de condutas de vida mais sistemáticas e racionais.1 Gradativa-

mente, então, o escopo de análise de Weber se ampliou do capitalismo ocidental para o racionalismo como processo histórico geral.

Conforme mencionado, as obras de Max Weber não apresentam uma teoria integrada do processo de racionalização ocidental, porque ele rechaçava a vali- dade de construções teóricas gerais sobre as sociedades e sobre o dever históri- co, pois, na sua compreensão, o processo de racionalização assumia diferentes formas nas sociedades e instituições nas quais tomava lugar. Dessa diversidade é que surgia o imprescindível de entender a especificidade do processo de raciona- lização do Ocidente em vez de elaborar uma teoria geral e abstrata dos processos históricos de racionalização. Enfim, para Max Weber, o desenvolvimento da racionalização em diferentes esferas da vida social, em diferentes períodos histó- ricos e sociedades, ocorria de maneira variada, não sendo expressão de uma “lei histórica universal”. Nesse sentido, em razão dessa poliformia dos processos de racionalização, Weber elaborou uma série de tipologias das noções de racionali- dade e ação social, que justamente serviriam de instrumentos heurísticos2 para

compreensão dos processos de racionalização nas diferentes esferas da vida social e instituições. Portanto, em função dessa rejeição em relação a teorias gerais e o reconhecimento da poliformia dos processos de racionalização, é que, em Max Weber não encontramos uma definição sistemática deste último termo e, sim, das noções de racionalidade e ação.

Weber define Sociologia como o estudo compreensivo da ação social e expli- cação causal do curso e efeitos desta última (Weber, 2004 p. 3). Portanto, a noção de ação social é central para o entendimento dos fenômenos sociais na perspecti- va weberiana, inclusive fenômenos como o capitalismo e a racionalização. Nesse sentido, Weber define quatro tipos de ação social: 1) ação afetiva – o sentido subjetivo da ação consiste na reação consciente de um estado emocional; 2) ação

tradicional – o sentido subjetivo consciente da ação é determinado por costumes

arraigados; 3) ação racional referente a valores – o sentido subjetivo consiste na crença consciente no valor (ético, moral, estético, religioso etc.) de determinado comportamento, independentemente dos resultados que possa produzir; 4) ação

1Para uma apresentação resumida da teoria de Weber sobre a gênese do capitalismo, ver Collins (2002) e Swedberg (2005, p. 21-38).

2Heurístico quer dizer que serve ou ajuda na aprendizagem, no processo de conhecimento a respeito de algo.

racional com relação a fins – o sentido subjetivo da ação é determinado pela expec-

tativa com relação a objetos ou pessoas, entendidas como meios para atingir fins próprios (Weber, 2004 p. 15-16).

Nesta tipologia podemos identificar que todas modalidades de ação envolvem algum tipo de sentido consciente (emoção, costume, valor, fim almejado) para o indivíduo, mas somente nas duas últimas a ação é racional. Assim, de maneira genérica, podemos dizer que o processo de racionalização consiste na dissemina- ção de formas de ação social racionais nas condutas respectivas às diferentes insti- tuições, organizações ou esferas da vida social (economia, política, religião etc.). Neste momento cabe uma pequena observação: analisando a tipologia de ação social de Weber é possível entender que, quando este autor fala que determinada instituição é mais ou menos racional do que outra, ele não está se referindo que tal instituição é melhor ou mais “evoluída” do que outra, mas apenas identificando o tipo de ação social que constitui essa ou aquela instituição.

Por meio da tipologia de ação social weberiana, podemos identificar pelo me- nos dois tipos de racionalidade – uma que se organiza em torno de valores, e outra, em torno de fins, de resultados esperados e perseguidos pelo ator. Todavia, Kalberg (1980) identifica na obra de Weber quatro noções de racionalidade, quais sejam: 1) racionalidade prática; 2) racionalidade teórica; 3) racionalidade substanti-

va e 4) racionalidade formal.

A racionalidade prática estrutura a ação pela escolha calculada dos meios efi- cientes para se atingir fins de natureza pragmática e egoísta. A racionalidade prá- tica se submete à realidade tal como se apresenta e calcula os meios disponíveis mais eficientes para se lidar com as dificuldades do presente, ou seja, é um tipo de racionalidade que não produz uma conduta metódica e, sim, adaptativa em relação às contingências que se apresentam.

A racionalidade teórica consiste no esforço intelectual para apreender a reali- dade mediante conceitos cada vez mais abstratos. Não visa à organização de uma ação propriamente, mas dotar a realidade de sentido. Ao contrário da raciona- lidade prática que se submete à realidade, a racionalidade teórica transcende a realidade dada e organiza os eventos aleatórios em um sentido coerente. Weber está ciente de que, em alguns casos, o confronto teórico com a realidade pode introduzir novos padrões de ação, porém isso nem sempre ocorre; por exemplo, a descoberta de uma explicação matemática para determinado evento não possui o poder de organizar a condução da rotina das pessoas, nem mesmo a do cientista que formulou tal explicação. Portanto, a racionalidade teórica domina a realidade

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pelo pensamento e somente indiretamente contém o potencial de introduzir no- vos padrões de ação.

A racionalidade substantiva implica a seleção e adequação de meios e fins ten- do em vista um sistema de valores. Portanto, é o tipo de racionalidade presente na ação social racional com relação a valores. Diferentemente do caráter adaptativo da racionalidade prática, a racionalidade substantiva seleciona, mede e julga os elementos e eventos da realidade por meio de um “critério” universal, um valor. Nesse sentido, a racionalidade substantiva é capaz de produzir formas sistemáticas de condução da vida na medida em que organiza a ação de acordo com um prin- cípio ou um sistema de princípios universais, não se submetendo às contingências e mudanças da realidade.

A racionalidade formal consiste no cálculo de adequação entre meios e fins tendo em vista normas, leis e regulações. A racionalidade formal possui menor capacidade de produção de formas metódicas de condução da vida, quando com- parada com a racionalidade substantiva. A razão disso é que normas e regulações são limitadas aos campos de atividades aos quais se referem, enquanto valores pos- suem um caráter mais universal que submete os diferentes campos de atividade da vida humana.

Assim, pela sistematização feita por Kalberg das diferentes noções de racio- nalidade que encontramos na obra de Weber, podemos vislumbrar que o pro- cesso de racionalização não consiste apenas na difusão de formas de ação social racionais, mas também do estabelecimento de modalidades de racionalidade ca- pazes de produzir formas metódicas de condução da vida. Vejamos essa questão mais de perto: o aspecto comum a todas as modalidades de racionalidade é que são processos mentais que visam dominar a realidade e ordená-la em regularidades compreensivas e significativas. Nessa direção, pela tipologia exposta no parágrafo anterior, podemos afirmar que existem modos diferentes de realizar esse processo de domínio da realidade.

Entretanto, nem todos os tipos de racionalidade (prática, teórica, substantiva e formal) são capazes de gerar estilos de vida metódicos, ou seja, regularidades de ação racionais nos diversos campos da vida. De acordo com Weber, a racio- nalidade prática é incapaz de gerar estilos de vida metódicos, pois está baseada em interesses subjetivos e na adaptação contínua às contingências da realidade. A racionalidade teórica, em função de sua característica de manipular a realidade de modo abstrato, não possui uma capacidade efetiva de estabelecer regularidades de ação racionais. A racionalidade formal, por seu turno, é capaz de introduzir

ações de caráter metódico, porém tal capacidade está circunscrita aos campos específicos da atividade humana nos quais há regulações e normas. Assim, apenas a racionalidade substantiva é capaz de introduzir modos de vida metódicos es- truturados a partir de um sistema de valores que organiza, avalia e hierarquiza as diferentes dimensões da realidade social.

Portanto, ações orientadas pela racionalidade substantiva são capazes de de- sencadear processos sociais de racionalização que resultam na disseminação de modos de vida metódicos. Todavia, esses processos se desenvolvem plenamente, segundo a perspectiva weberiana, somente após uma dada racionalidade substan- tiva ser racionalizada, por meio de um processo de racionalização teórica, em um sistema de valores capaz de organizar significativamente todos os aspectos da vida (Kalberg, 1980, p. 1164-1169). Em suma, pelos quatro tipos de racionalidade podemos apreender diversas formas de processos de racionalização, e somente aquele baseado na racionalidade substantiva é capaz de produzir modos de vida metódicos.

Até este momento, portanto, podemos afirmar que, para Weber, a racionali-

zação denota um processo de introdução gradativa de formas de ação racionais em

diferentes esferas da vida social. Tais ações racionais podem estar estruturadas em quatro modalidades de racionalidade: prática, teórica, formal e substantiva. Nes- sa direção, para Weber, o que é característico das sociedades modernas ocidentais é a disseminação crescente de padrões de ação racionais estruturados em torno da ra-

cionalidade formal. Temos uma aparente contradição com o que foi até aqui expos-

to: explicitamos que Weber compreende que somente a racionalidade substantiva possui a capacidade de introduzir padrões regulares de ação racionais e, agora, men- cionamos que o processo de racionalização no Ocidente moderno é marcado pela disseminação de modos de vida metódicos estruturados pela racionalidade formal. Como isso é possível? A resposta está no fato de que, para Max Weber, o processo de racionalização ocidental é estruturado em torno da interação e do conflito entre modalidades de ação racional substantiva e formal. Nesse sentido, a obra de Weber que melhor ilustra esta ideia é A ética protestante e o espírito do capitalismo (1999).

Nessa obra, Weber está interessado em demonstrar o papel do protestantismo ascético3 (racionalidade substantiva) no nascimento do capitalismo. Esse papel na

gênese histórica do capitalismo no Ocidente não está relacionado com a consti-

3Ascético, no sentido relativo a ascese, isto é, exercício espiritual que busca elevar a alma a Deus por meio de orações, meditações, penitência e ações consideradas virtuosas.

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tuição das bases materiais do sistema capitalista e, sim, ao espírito do capitalismo que, por sua vez, tornou possível a existência e difusão desse sistema. A ideia de Weber de que o protestantismo, especialmente o calvinismo, cumpriu um papel primordial no desenvolvimento do capitalismo estava calcada na sua constatação que, nos países europeus de sistemas religiosos mistos, as pessoas que ocupavam posições de liderança econômica – donos do capital, trabalhadores especializados e comerciantes expoentes – eram predominantemente protestantes. Além disso, na visão de Weber, o espírito do capitalismo não consiste em um impulso voraz de aquisição (conduta constitutiva no que ele chamava de capitalismo aventureiro),4

mas em um sistema ético e moral que defendia o sucesso econômico por intermé- dio do trabalho sistemático e incessante, da frugalidade e previdência (racionalida- de substantiva). Essa base moral foi essencial, segundo Weber, para transformar a busca do benefício econômico pessoal (racionalidade prática) em um fim legítimo, pois cabe destacar que em sociedades cuja moral religiosa era outra (por exemplo, católica) tal busca era vista como manifestação de um espírito avarento.

Enfim, o protestantismo ajudou na legitimação da atitude racional pela busca da consecução do sucesso econômico pessoal, ou seja, submeteu ou transformou a ação racional-prática com relação ao objetivo de obter vantagens econômicas em ação racional-substantiva com relação a fins econômicos. Entretanto, a consolida- ção e a disseminação do espírito capitalista não eram um objetivo almejado pela ética protestante. Portanto, cabe a questão: como é possível que o protestantismo ascético tenha ajudado a consolidar padrões de ações racional e metódica cujo objetivo seja o benefício econômico pessoal?

Para responder a esta pergunta, em primeiro lugar, é preciso considerar que Weber

“[...] não está interessado em investigar a influência das ideias teológicas ou dos ensinamentos da Igreja no indivíduo. Em vez disso, vai considerar a adoção de uma fé religiosa pelo indivíduo como ponto de partida da análi- se. O mecanismo pelo qual a adoção de uma fé religiosa se traduz em com- portamento prático, sugere ele, é o seguinte: os benefícios religiosos esta- belecem ‘recompensas psicológicas’ para certos tipos de comportamento e [...] podem levar à formação de ‘impulsos psicológicos’ inteiramente novos.” (SWEDBERG, 2005 p. 220)

Nessa direção, Weber demonstra em A ética protestante e o espírito do capita-

lismo (1999) que a religião protestante gera impulsos na direção de um compor-

tamento sistemático (racional) e de abnegação (acumulação). Em outros termos, ele mostra como a racionalidade substantiva do protestantismo resultou num pro- cesso de modos de vida metódicos em relação com o trabalho e com a condução da vida econômica. Tendo em vista esse “modelo de análise”, o argumento de Weber, resumindo grosso modo, era o seguinte: o protestantismo, especialmente o calvinismo, sustentava a doutrina da predestinação, isto é, somente Deus sabia quais eram os eleitos e o indivíduo não poderia fazer nada para mudar seu destino predeterminado. Assim, essa doutrina estabeleceu uma incerteza no coração dos indivíduos na medida em que somente Deus é que determinava sua salvação ou danação. Isso favoreceu uma atitude na qual o indivíduo passa, então, a procurar no mundo sinais do destino que Deus lhe reservou. “Max Weber sugere que é assim que certas seitas calvinistas terminaram por ver no êxito econômico uma prova dessa escolha de Deus. O indivíduo se dedica ao trabalho para vencer a angústia provocada pela incerteza da salvação” (Aron, 2000, p. 481). O trabalho racional, portanto, passa a ser interpretado como obediência de um mandamen- to divino. Contudo, se essa atividade incessante e racional levasse à riqueza (e é nesse ponto que podemos notar a convergência surpreendente entre capitalismo e protestantismo mais claramente) era obrigação, segundo o protestantismo, que essa fortuna não fosse usada nem para o lazer nem para artigos de luxo e nem para qualquer outro prazer mundano. A consequência prática disso era que a riqueza não era algo condenável em si (ao contrário do catolicismo) e, sim, o seu uso para prazeres pessoais.

Assim, os protestantes introduziram uma ética rígida na vida econômica que favoreceu uma atitude voltada para o trabalho constante e racional e para acumu- lação. Portanto, para Max Weber essa ética ajudou a moldar e expandir o espírito do capitalismo moderno e racional, ao oferecer uma alternativa à desaprovação ética que cercava o capitalismo tradicional católico e criando ativamente uma abordagem mais metódica para com as questões da vida econômica.

Enfim, Weber mostra como um tipo de racionalidade substantiva (o protes- tantismo) conduziu um processo de racionalização na esfera econômica, isto é, promoveu a difusão de regularidades de ação racionais em oposição a modos tradi- cionais (irracionais) de ação social na economia que, no caso do Ocidente, estavam baseados na ética religiosa católica. Nessa direção, uma vez que as bases materiais do capitalismo moderno foram se estabelecendo no Ocidente (industrialização,

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monetarização, urbanização, força de trabalho livre, organização mercantil das relações de troca etc.), não há mais necessidade de legitimar moralmente a ação racional em busca do benefício econômico pessoal; a adoção dessa modalidade de ação passa ser condição necessária para a sobrevivência individual na esfera econô- mica, ou seja, esta última passa a ser constituída pelas suas próprias regulações (ra- cionalidade formal). Assim, em A ética protestante e o espírito do capitalismo (1999) podemos vislumbrar a visão mais geral de Weber sobre o processo racionalização no Ocidente moderno, o qual se caracteriza pela difusão de modalidades de ação racional formal a partir de processos de racionalização assentados na racionalidade substantiva.

O processo de estratificação social