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O processo de estratificação social nas sociedades modernas: As visões

de Durkheim, Weber e Marx

LEANDRO RAIZER

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ste capítulo está estruturado em três partes, nas quais são abordadas as principais contribuições de Durkheim, Weber e Marx para a compreensão do fenômeno da organização e estratificação social. O objetivo é apresen- tar elementos sintéticos acerca desse complexo e multifacetado processo, para que o leitor possa dispor de um panorama geral que lhe permita acessar as teorias dos autores clássicos da Sociologia.

Precisamos compreender que a maneira pela qual se estratifica uma socie- dade depende da maneira pela qual os homens se reproduzem socialmen- te. E a maneira pela qual os homens se reproduzem socialmente está dire- tamente ligada ao modo pelo qual eles organizam a produção econômica e o poder político. [...] Mas a estrutura social não se organiza apenas no nível econômico. [...], pois não se pode compreender o processo de estra- tificação social enquanto não se examina a maneira pela qual se organizam as estruturas de [...] dominação (política). (IANNI, 1978, p. 11)

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Em todas as sociedades, grupos e indivíduos relacionam-se mediados por uma hierarquia estruturada em termos de ascendência e subordinação que, geralmen- te, se traduz como uma distribuição assimétrica de poder, recursos, privilégios e prestígio social.

As sociedades, ao longo do tempo e do espaço, diferem quanto aos critérios e formas de alocação desses recursos, bem como quanto aos elementos que permi- tem que os indivíduos se situem em um ou outro ponto da estratificação social. A posição que o indivíduo ocupa está, na maioria das vezes, ligada ao grupo a que ele pertence e, por sua vez, esse pertencimento influencia desde questões básicas, como o acesso a bens e serviços, como também a possibilidade de acesso ao poder político e o uso de recursos e símbolos culturalmente legítimos.

A noção de estratificação social é um conceito construído para entender os processos por meio dos quais as sociedades se estruturam econômica e social- mente. O estudo desse processo tem sido um recurso importante utilizado por historiadores e sociólogos para entender as formas como as sociedades organizam, em cada época e região, as diversas atividades e funções da vida social (trabalho, cultura, religião, conhecimento, política e arte) (BOTTOMORE, 1973).

Na medida em que essas estruturas de poder político e econômico variam de sociedade para sociedade, apresenta-se um mosaico de configurações que são marcados pela presença de um maior ou menor grau de mobilidade e mudança social (IANNI, 1978).

Nas sociedades nas quais predominam as castas, por exemplo, deve-se con- siderar o tipo de relação existente entre as castas e as subcastas, tanto como a maneira pela qual são distribuídos os atributos e os recursos ligados a elementos étnicos, religiosos, culturais e tipo de ocupação.

Já nas sociedades de tipo estamental deve-se, sobretudo, analisar o modo pelo qual elementos estruturais como linhagem, tradição, vassalagem e honra agem de forma a orientar o tipo de ação e pensamento de seus membros (IANNI, 1978).

Por sua vez, a sociedade de classes

[...] se revela muito mais diretamente no nível das relações e estruturas de apropriação (econômica) e dominação (política). Devido à acentuada se- cularização da cultura e do comportamento, produzida no âmbito da revo- lução industrial e urbana que se dá com a formação do capitalismo, as cate- gorias socioculturais predominantes no pensamento e ação pré-capitalistas (religião, raça, cor, ocupação, tradição, hereditariedade, linhagem etc). E

adquire preeminência a propriedade e o mercado (dos meios de produção e da força de trabalho) como princípios fundamentais de classificação e mobilidades sociais. (IANNI, 1978, p. 12)

Nas obras de sociólogos como Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, fundadores da Sociologia, encontra-se um conjunto rico de conceitos para a com- preensão das diversas dimensões implicadas no fenômeno da estratificação. Entre esses conceitos destacam-se: tipos de solidariedade, classes sociais, estamentos, grupos de interesse, lutas e conflitos. Cabe, pois, analisar mais detalhadamente a maneira como cada um desses autores interpretava a estratificação social.

Deve-se de antemão destacar que as visões desses autores são, por diversas vezes, contraditórias e até mesmo antagônicas. A despeito disso, o objetivo deste texto não é o de discutir qual teoria possuiria maior ou menor validade e relevân- cia para o entendimento do fenômeno da estratificação nas sociedades contempo- râneas, mas sobretudo apresentar a forma como cada um desses autores entende o fenômeno e as suas variáveis determinantes, com o objetivo de construir um mosaico teórico que permita a análise desse fenômeno por diversos e distintos ângulos.

Com tal objetivo, o texto apresenta uma síntese das visões de Durkheim, We- ber e Marx sobre a estratificação social.

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U R K H E I M E A E S T R A T I F I C A Ç Ã O S O C I A L

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A H O R D A À S S O C I E D A D E S I N D U S T R I A I S

Constitui uma lei da História que a solidariedade mecânica, a qual a prin- cípio é a única ou quase, perca terreno progressivamente e que a solida- riedade orgânica, pouco a pouco, se torne preponderante. Mas quando se modifica a maneira por que os homens são solidários, a estrutura das sociedades não pode deixar de mudar. (DURKHEIM, 1995, p. 15)

Como se estruturam as sociedades? O que faz os indivíduos terem consenso sobre a vida social? Como as sociedades se mantêm coesas ao longo do tempo? Esses e outros questionamentos são elementos centrais da teoria de Durkheim.

No centro de sua teoria encontra-se um importante pressuposto histórico: a tendência para a diferenciação das sociedades e o surgimento da individualidade

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em meio à consolidação da solidariedade orgânica, marcada pela crescente divisão do trabalho social.

Partindo da forma de organização da horda para o clã, para o conjunto de clãs, para as sociedades segmentárias e, finalmente, para sociedades de solidarie- dade mecânica e orgânica,1 Durkheim apresenta uma visão do desenvolvimento

social marcado por dois fatores principais: aumento do volume (relações sociais, comunicação e troca entre os indivíduos) e da densidade material (demográfica) (DURKHEIM, 1995).

Esses dois fatores estão diretamente ligados ao surgimento das sociedades industriais, marcadas pelo aprofundamento da divisão do trabalho, nas quais a solidariedade social se apoia não mais na semelhança entre os indivíduos, como ocorria nas sociedades nas quais predominava a solidariedade mecânica, mas sobre a diferenciação funcional (RODRIGUES, 2004).

Nessas sociedades cada vez mais diferenciadas nas quais ocorre uma preponde- rância progressiva da solidariedade orgânica, cada órgão (analogia orgânica) tem um papel que o diferencia dos demais. Os indivíduos não estão mais agrupados de acordo com suas relações de parentesco, como ocorria nas sociedades tribais. Assim,

[...] os indivíduos são agrupados não mais segundo suas relações de des- cendência, mas segundo a natureza particular da atividade social a que estão consagrados. Seu meio natural e necessário não é mais o nativo, e sim o profissional. Não é mais consanguinidade, real ou fictícia, que marca o lugar de cada um, mas a função que ele preenche. (DURKHEIM, 1995, p. 35)

Deste modo, com a ampliação da divisão do trabalho a sociedade tende a orga- nizar-se por meio de distintos grupos profissionais, característica essa que confor- ma predominantemente as sociedades industriais, nas quais os laços sociais se esta- belecem, sobretudo, na esfera econômica (fundados nas relações de trabalho).

Deve-se destacar que a divisão do trabalho é mais do que um fato econômico; para Durkheim, ela está diretamente ligada ao desenvolvimento crescente da soli- dariedade orgânica nas sociedades modernas.

1Solidariedade mecânica: coesão por semelhança (por compartilhar as mesmas crenças e normas); solidariedade orgânica: por interdependência – o consenso se exprime pela diferenciação, indivíduos heterogêneos que exercem funções complementares como se fossem órgãos de um corpo harmônico (DURKHEIM, 1995; RODRIGUES, 2004).

É interessante notar que a divisão social do trabalho era concebida por Durkheim como um fenômeno altamente positivo, e que aumentaria as relações de depen- dência e cooperação entre os grupos sociais e os indivíduos. Assim, segundo ele, a divisão do trabalho cria um tipo especifico de solidariedade social, denominada orgânica. Essa solidariedade se assenta precisamente sobre as diferenças individuais e gera uma complementaridade funcional entre as diferentes partes da sociedade.

Além disso, segundo Durkheim, a diferenciação social é a condição criadora da individualidade e da liberdade. No entanto, o crescente individualismo das sociedades modernas não era visto por Durkheim apenas de modo negativo (ao contrário da visão de boa parte da tradição francesa); Durkheim entendia que o fenômeno impunha também um difícil problema: como manter o mínimo de consciência coletiva, sob pena de a solidariedade orgânica não funcionar e provo- car a desintegração social.

Devido a isso, a relação indivíduo-coletividade torna-se bastante problemática nas sociedades industrializadas, de tal sorte que a organização de grupos profis- sionais que fortaleçam a integração dos indivíduos na coletividade impõe-se como solução para o fortalecimento da coesão social – sem a qual a sociedade estaria fadada à desestruturação moral.

Ademais, encontra-se em Durkheim uma tentativa de eliminar o conflito de classes, entendida como sendo um elemento prejudicial para a coesão social, assim como a anomia, derivada da desregulamentação das atividades econômicas cada vez mais especializadas. Assim, tanto o corporativismo como o cooperativismo e a participação nos lucros seriam uma boa saída para esse problema, além da neces- sidade de uma reforma da regulação moral e jurídica.

Em síntese, pode-se concluir que a industrialização entendida como fruto da divisão social do trabalho – um tipo de atividade que assume cada vez mais im- portância em nossa sociedade – e a posição que os indivíduos ocupam nos distintos grupos de ocupação e como esses indivíduos se relacionam (de maneira comple- mentar ou antagônica) acaba por influenciar tanto o grau de solidariedade social quanto a estratificação da sociedade. Assim, “[...] virá um dia em que toda nossa organização social e política terá uma base exclusiva ou quase exclusivamente pro- fissional” (DURKHEIM, 1995, p. 45). Por isso, argumenta Durkheim, a divisão do trabalho não pode ficar desregulada, pois poderá levar à anomia, e ao consequente enfraquecimento dos laços sociais de solidariedade.

Por fim, tal perspectiva encara a estratificação social nas sociedades modernas como fruto de um amplo processo de aprofundamento da divisão e especialização

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do trabalho – processo concebido não apenas em sua dimensão econômica, mas, sobretudo, social e moral –, no qual a organização das sociedades é explicada pelo grau de avanço da divisão do trabalho e o consequente nível de solidariedade so- cial advindo dela.

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E B E R E A E S T R A T I F I C A Ç Ã O S O C I A L

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O homem não luta pelo poder apenas com o fim de enriquecer economi- camente. O poder, inclusive o poder econômico, pode ser valorado por si mesmo. Frequentemente a luta pelo poder é também condicionada pela honra social que traz consigo. Nem todo poder, entretanto, tem como consequência a honra social [...]. A ordem econômica é para nós apenas a forma pela qual os bens e serviços econômicos são distribuídos e utiliza- dos. A ordem social é, obviamente, condicionada em alto grau pela ordem econômica, e por sua vez reage a ela. Assim, classes, grupos de status e par- tidos são fenômenos de distribuição de poder dentro de uma comunidade. (GERTH & MILLS, 1982, p. 211)

No livro Economia e sociedade Weber apresenta um amplo conjunto de concei- tos que permite a análise da formação e da organização dos grupos e das sociedades modernas. Antes de partir propriamente para a análise realizada por esse autor, cabe destacar alguns elementos de sua teoria que são essenciais para compreender como seu pensamento se articula.

Para Weber, a ação social deve ser compreendida em termos de uma ação orientada intersubjetivamente, ou seja, que está orientada tendo em vista a ação de outros indivíduos. Nesse sentido, Weber desenvolveu uma tipologia da ação so- cial que abarca os pressupostos explicativos das condutas dos indivíduos. Dois desses tipos estão relacionados com a ação racional, uma orientada por meios (va- lores), a outra por objetivos (fins); as outras duas estão ligadas a comportamentos tra dicionais (tradição familiar, institucional) e afetivos (emotivos, sentimentais) (WEBER, 2004).

Com base na ação social, ou seja, partindo do sentido social que os indivíduos atribuem a suas ações, Weber desenvolveu uma interpretação bastante particular sobre a organização dos grupos sociais e das instituições. Tal fenômeno é resultado

de um conjunto de inúmeras interações de ações sociais, orientadas por sentidos compartilhados, que criam relações sociais mais amplas e acabam por criar condi- ções de legitimidade que consolidam tais organizações.

Para Weber, as instituições sociais, o Estado, a burocracia, as instituições religio- sas, as instituições jurídicas e as instituições econômicas existem na medida em que um grupo de indivíduos orienta sua ação, ou seja, lhes confere legitimidade, tendo por base os tipos de ação social. Tal legitimidade pode estar apoiada tanto sobre aspectos racionais legais, como é o caso das instituições jurídicas, como sobre sentidos carismá- ticos ou tradicionais, dependendo do tipo da instituição (WEBER, 2004).

Tendo tratado da concepção peculiar de ação social e de instituições presentes na obra de Weber, pode-se partir para a análise da estratificação social desenvolvi- da por ele, cabendo, sobretudo, destacar os estudos sobre as sociedades de castas e sobre o conceito de partido e de grupo de interesse.

Nessa direção, a compreensão do conceito de status é fundamental:

O status [...] é uma qualidade de honra social (ou a sua falta) e é essencial- mente condicionado e expresso através de um estilo de vida específico. A honra social pode aderir diretamente a uma situação de classe, e, na maior parte das vezes, sem dúvida, também é determinada pela situação média de classe dos membros do grupo de status. [...] Um grupo de status pode ser fechado (status por descendência) ou aberto. [...] Uma casta é sem dúvida um grupo de status fechado. (WEBER, 1958, p. 147)

Assim, as diferentes sociedades apresentam graus variados de abertura e fe- chamento no que diz respeito às normas e regras, como também à posição social e mobilidade dos indivíduos.

A sociedade de castas, por exemplo, caracteriza-se como um tipo extremo de status fechado, no qual uma sociedade estamental (organizada em estratos sociais, comumente nobreza, clero e servos), alcançou um elevado grau de estratificação social com base na hereditariedade, etnia e tradição. Em geral, tais sociedades são organizadas em quatro grupos principais: o primeiro se incumbe do ordenamento do mundo espiritual, moral e intelectual; o segundo, do poder político e militar; o terceiro, da organização da atividade econômica; e o quarto, dos trabalhos auxilia- res e braçais (WEBER, 1958).

Nesse tipo de sociedade, as castas ocupam um lugar fundamental na organi- zação social, já que o pertencimento a um ou outro desses grupos irá determinar

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não só o tipo de ocupação, mas o tipo de relações e ações que serão permitidas ou vedadas, assim como acesso ao poder e status.

Também se encontra na obra de Weber o conceito de grupos de interesse. Esse conceito ganha relevância, já que o pertencimento a um grupo social está ligado a certo tipo de conduta e interesse, com sentido específico com relação a sua esfera de atuação, desenvolvida pelos indivíduos.

Assim, pode-se identificar um grupo de interesse político como um partido, quando seus membros agem com base em certos meios e valores comuns com- partilhados para alcançar os fins desejados. Em outras palavras, para Weber não há uma predeterminação da ação através de uma posição ocupada por um grupo social na esfera produtiva. Acima de tudo, deve haver uma conduta específica e um sentido atribuído subjetivamente à ação e compartilhado pelo indivíduo e pelo grupo no qual está insere (GERTH & MILLS, 1982).

Destarte, o partilhamento de uma mesma situação de classe, ou seja, quando um grupo de indivíduos detém probabilidades semelhantes de acesso a bens e oportunidades no mercado não garante necessariamente a ação coesa de um grupo seja pela ação comunal (na qual predominam interesses afetivos ou tradicionais ligados ao pertencimento a uma comunidade), seja pela ação societária (que im- plica a unidade de interesses e objetivos racionais).

Assim, na perspectiva weberiana, ao contrário da durkheimiana e da marxista, apenas teremos a configuração efetiva de uma ação social na medida em que ocor- re o compartilhamento de sentido, que passa a orientar de modo intersubjetivo a ação de um grupo, classe ou estamento. Em outras palavras, apenas o pertenci- mento ao mesmo grupo laboral ou a uma mesma classe social não assegura as con- dições para a ação ou mobilização dos grupos sociais (GERTH & MILLS, 1982).

Nessa direção, pode-se concluir que a visão de Weber sobre o fenômeno da estratificação social abarca um conjunto de elementos que não possuem, neces- sariamente, uma ligação causal ou determinística entre si ou em relação a fenô- menos sociais mais amplos, como a economia ou a religião. A visão de Weber sobre a organização das sociedades enfatiza a existência de um amplo conjunto de dimensões – valores; status, códigos de honra e conduta, éthos de grupo, interes- ses, etnia – que conformam sociedades e grupos sociais marcados pela luta pela legitimidade e pelo estabelecimento de sentidos compartilhados específicos, que norteiam a ação social dos indivíduos.

Tal visão leva Weber a estabelecer uma diferenciação entre esferas específicas, cada qual com lógicas e dinâmicas singulares de funcionamento:

O lugar autêntico das “classes” é no contexto da ordem econômica, ao passo que os estamentos se colocam na ordem social, isto é, dentro da esfera de distribuição de “honras”. De dentro dessas esferas, as classes e os estamentos influenciam-se mutuamente à ordem jurídica, e são por sua vez influenciados por ela. Mas os “partidos” vivem sob o signo do “poder”. (WEBER, 1982, p. 227)

Podemos concluir que Weber concebe o fenômeno da estratificação social como processo multidimensional no qual condições materiais, prestígio e poder convertem-se em status econômico, social e político – elementos fundadores da organização e legitimidade social.

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C O N F L I T O D E C L A S S E S E R E L A Ç Õ E S D E C L A S S E S

A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias é a his- tória da luta de classes. Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, se- nhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acaba sempre pela transformação revolucio- nária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes. (MARX; ENGELS, 1997, p. 5)

Para Marx, a estratificação social de uma sociedade está ligada, predominante- mente, à existência de relações de classes, em geral assimétricas e contraditórias, entre classes que desempenham funções distintas na organização da produção so- cial. Por sua vez, a existência dessas classes está ligada à maneira como a divisão do trabalho está organizada. Assim, a posição ocupada por um grupo ou indivíduo na organização da infraestrutura social, ou seja, no modo de produção vigente em cada época, é determinante para explicar o acesso a bens e serviços, status e poder político que um indivíduo ou grupo pode dispor (IANNI, 1978; VELHO, 1966; ARON, 2000).

Partindo de uma análise histórica do desenvolvimento dos modos de produ- ção, Marx enfatiza o modo como as relações de produção e as relações sociais interagem em cada tipo de ordenamento social, produzindo a mudança social.

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No feudalismo, por exemplo, predominava uma organização social estamental que contava com duas classes principais: senhores feudais (detentores das terras) e os servos e vassalos (trabalhadores vinculados pelo mecanismo de corveia, à ter- ra e ao seu senhor).

Já nas sociedades nas quais predomina o modo de produção capitalista ocorre, segundo Marx, um agravamento do conflito entre as classes sociais, expressão da contradição entre capital e trabalho, entre os trabalhadores (proletários) e os capi- talistas (burgueses). Esse conflito surge do adensamento das contradições entre a massa de trabalhadores, que acaba ficando com uma pequena parte do excedente da produção, e os capitalistas, que ficam com a maior parte deste excedente.

A gênese histórica das classes sociais no capitalismo reside, segundo a perspec- tiva de Marx e em clara oposição à visão econômica clássica que atribuía a existên- cia de ricos e pobres ao montante de esforço e trabalho investido individualmente, num longo processo de acumulação primitiva de capital e expropriação das terras comunais, até o processo que culmina na venda da força de trabalho e na transfor- mação das relações humanas de produção em relações reificadas (MARX, 1998). Assim, na obra de Marx encontra-se uma preocupação em explicar a reali- dade social por meio dos conflitos estabelecidos entre as classes dominantes e as dominadas. Em cada sociedade, segundo esse pensador, é possível identificar, de um lado, um grupo que domina os meios de produção e detém o poder político- -econômico e; de outro, um grupo de dominados que possuem pouco ou nenhum bem material, a não ser seu próprio corpo e mente. Os dominantes são aqueles que ocupam posições elevadas na estratificação social gerada a partir da divisão social do trabalho. Essa posição social não só lhes garante acesso privilegiado à riqueza socialmente produzida (gerada, pela produção da mais-valia, pela clas-