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Participação: Definições e implicações

Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade?

2.2 Participação: Definições e implicações

Bordenave (1994, p. 16) aborda a participação pela ótica do indivíduo: “A participação é o caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo.” Além disso, está relacionada com outras necessidades como interação com os de- mais indivíduos, autoexpressão, desenvolvimento do pensamento reflexivo, prazer de criar e recriar coisas e, ainda, valorização por parte de seus semelhantes.

A partir desta abordagem, a participação teria dois vieses: um instrumental e outro afetivo. No primeiro, participa-se por ser mais eficaz realizar coisas ou produzir com outros do que sozinho; e no segundo participa-se pelo fato de o ser humano sentir prazer em fazer algo com outras pessoas (BORDENAVE, 1994). No entanto, esses dois tipos de participação nem sempre coexistem, pois muitas empresas adotam sistemas pseudoparticipativos buscando somente receber ideias e sugestões de melhorias no processo produtivo e de redução dos seus custos na produção.

Donadone (2002) destaca que o conceito de participação nas organizações foi se modificando em virtude da existência de uma disputa entre os setores em- presarial e sindical. Mesmo não havendo consenso em torno do tema, a partici-

pação possibilitou a negociação entre os empregados e as empresas durante os movimentos grevistas de 1978 no Brasil, garantindo benefícios mútuos, com o reconhecimento por parte das empresas do sindicato como interlocutor dos tra- balhadores e a utilização desse canal de comunicação como forma de resolver conflitos trabalhistas. Posteriormente, evoluiu para uma luta simbólica em que os diversos grupos de atores sociais buscaram legitimar sua versão de participação e fortalecer sua posição.

Cattani (2006) define a Gestão Participativa (GP) pela ótica dos trabalhadores ao afirmar que esta compreende as situações nas quais eles, diretamente ou por delegação, estejam investidos da capacidade de decisão na organização do traba- lho, eventualmente nos processos administrativos e comerciais, e, mais raramente, na condução geral da empresa ou da instituição. Bordenave (1994) observa que a frustração da necessidade de participar do indivíduo constitui uma mutilação do homem social, já que alguns sistemas participativos são apenas de fachada.

Maximiano (2007) define a administração participativa como sendo uma filo- sofia ou doutrina que valoriza a participação das pessoas no processo de tomada de decisões sobre a administração das organizações. Afirma, ainda, que tem como meta construir uma organização participativa em todas as esferas, o que implica compartilhar as decisões não apenas com os funcionários, mas envolvendo, tam- bém, os fornecedores, clientes e distribuidores. A alienação do trabalhador do processo de participação na organização desperdiça o seu potencial, o que pode trazer consequências indesejáveis tanto para o próprio trabalhador em termos de motivação e satisfação com o processo e organização do trabalho, quanto para seu empregador, que pode ver a produtividade e competitividade da organização se reduzir (BORDENAVE, 1994; MAXIMIANO, 2007).

Os níveis de participação dos trabalhadores, segundo Bordenave (1994), vão depender de dois fatores: a) o grau de controle dos membros sobre as decisões; b) quão importantes são as decisões das quais o(s) sujeito(s) pode(m) participar. Assim, considera que os graus de participação que os membros de uma empresa possam alcançar sejam: 1) informação (os dirigentes informam os membros sobre as decisões já tomadas; reação pode ser tolerada ou não); 2) consulta facultativa (a administração pode, se quiser e como quiser, consultar os subordinados, solici- tando críticas ou sugestões); 3) consulta obrigatória (os subordinados devem ser consultados em certas ocasiões, porém a decisão final pertence aos dirigentes); 4) elaboração/recomendação (os subordinados elaboram propostas e recomendam medidas que a administração aceita ou não); 5) cogestão (administração é compar-

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tilhada mediante mecanismos de codecisão e colegialidade como comitês e con- selhos); 6) delegação (os administrados têm autonomia quanto a alguns aspectos definidos pela administração); 7) autogestão (grau mais elevado de participação no qual o grupo determina seus objetivos, escolhe e estabelece os meios sem refe- rência a uma autoridade externa).

Melo (1984) classifica as formas de participação em uma organização em qua- tro grupos: a) procedimentos de participação relativos à produtividade e à quali- dade (como os CCQs e os GSAs); b) procedimentos de participação relativos à segurança do trabalho (como a CIPA); c) procedimentos relativos à participação das famílias dos operários (como visitas de familiares à organização); d) proce- dimentos de participação relativos à institucionalização do controle do conflito (como as comissões de fábrica).

Os tipos e graus de participação mencionados por Bordenave (1994) e Melo (1984) incluem desde formas de participação introduzidas pela empresa, como no caso de CCQs e GSAs, passando por uma forma obrigatória na legislação brasilei- ra – a CIPA – até sistemas participativos entendidos como conquista dos trabalha- dores, dos quais o melhor exemplo são as comissões de fábrica.

Há, ainda, uma forma controversa de participação que é a Participação nos Lu- cros e Resultados (PLR), obrigatória por lei1 desde 1994 que seria um instrumento

de integração entre o capital e o trabalho e de incentivo à produtividade. Gutier- rez (1991) a considera como um tipo de participação, classificando-a como parti- cipação na propriedade da empresa ou na distribuição dos lucros, denominando-a participação econômica. Salienta, porém, que mesmo nos casos em que a partici- pação econômica é via propriedade de ações da empresa, essa não é significativa a ponto de proporcionar ao trabalhador participação na definição das políticas da empresa, acabando por transformar-se em salário adicional e não em participação real, principalmente pelo fato de o trabalhador assim entendê-la. Considerando a definição de participação conforme Melo (1984), Cattani (2006) e Maximiano (2007), a PLR não poderia ser classificada como um tipo de participação, pois não confere aos trabalhadores poder nas decisões de gestão ou de organização do trabalho, funcionando apenas como forma de incentivo à produtividade.

Para Melo (1984), os objetivos de ordem econômica que levam à criação de sistemas participativos buscam, direta ou indiretamente, o crescimento da eficiência da empresa. No caso, podem atender a duas lógicas não excludentes entre si: a) a

participação dos empregados deve favorecer a melhoria qualitativa e quantitativa da produção, a utilização racional da mão de obra, das matérias-primas e dos equi- pamentos e o surgimento de novas técnicas de trabalho; b) a participação deverá diminuir as zonas de conflito de interesse entre direção e empregados e melhorar as relações de trabalho.

Leite (1993) e Cattani (2006) têm uma visão dicotômica da participação. A primeira salienta que os métodos de gestão participativa podem ser aplica- dos com interesses distintos dependendo da organização, significando desde a possibilidade de um trabalho criativo e autônomo até um trabalho destituído de conteúdo.

Cattani (2006) avalia que a GP pode representar uma conquista dos trabalha- dores por ampliar sua intervenção no poder, na autoridade e no controle da e na produção, além de ser uma possibilidade de romper com a cultura de submissão, assumir responsabilidades de forma cooperativa e, ainda, contribuir de maneira consciente e criativa na produção. Por outro lado, pode tratar-se unicamente de manobra patronal com o objetivo de reduzir conflitos e gerar maior envolvimento e dedicação dos trabalhadores que resultem em ganhos de produtividade. Nesse caso, o patronato a concebe sob marcos predeterminados, estáveis e controláveis. Como iniciativa patronal, a participação se refere, principalmente, a aspectos téc- nicos da organização, concretizando-se principalmente nos círculos de controle de qualidade, nos grupos semiautônomos, nas ilhas de produção e nos programas de qualidade total. Isso se deve ao receio de que os trabalhadores se aproveitem de brechas no poder hierárquico para a tomada de decisão relativa à gestão.

Por que, então, se há este “risco” de intervenção dos trabalhadores nas deci- sões de gestão o tema da participação difundiu-se tanto? Para Faria (2009), isso ocorre porque uma gestão autoritária por parte da gerência vai se tornando mais um problema do que uma solução, por estimular o enfrentamento por parte dos trabalhadores. Complementa que a gestão autoritária não existiria se a gerência estivesse suficientemente atenta aos efeitos contraproducentes da primeira e aos resultados positivos que uma gestão mais participativa pode trazer.

Com isso, ao falar de um modelo participativo, Maximiano (2007) cita as características fundamentais para sua concretização: liderança, disciplina e auto- nomia. Nas organizações nas quais é implementado, as pessoas são responsáveis por seu próprio comportamento e desempenho, pois a disciplina deve partir do indivíduo e não ser imposta por regras e regulamentos. Nota-se, aí, maiores exi- gências sobre o trabalhador.

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A gestão participativa opõe-se ainda aos modelos de produção tradicionais como o taylorismo e o fordismo, especialmente no que tange ao princípio da sepa- ração radical das tarefas de concepção e execução, da fragmentação e da especia- lização das tarefas, da desresponsabilização do trabalhador com a produção e com a empresa de um modo geral, e coaduna-se com os pressupostos da acumulação flexível (CATTANI, 2006), caracterizada pela flexibilidade, agilidade, introdução de inovações tecnológicas e sócio-organizacionais e maior controle sobre o traba- lhador, embora esse controle seja realizado de modos diversos daqueles utilizados no taylorismo/fordismo.

Assim, a participação nas empresas tem se consolidado como uma ferramenta que tem por objetivo integrar os funcionários à gestão da empresa, mas que muitas vezes tem se mostrado distante de seu ideal. Portanto, é importante distinguir os tipos de sistemas participativos, bem como seus objetivos prescritos e a prática. A seguir será discutido como se deu o processo de participação na sociedade e no interior das organizações brasileiras.