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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos

2.2. Dominação e legitimidade

Weber considera o poder um conceito amorfo, e por isso define um “caso especial de poder” que chama de dominação: “A probabilidade que ordens especí- ficas sejam obedecidas por um certo grupo de pessoas” (WEBER, 2004, p. 212). A dominação seria, portanto, o exercício de um poder legítimo – ou, mais corre- tamente, legitimado. Esse conceito é importante aqui na medida em que, segundo o autor, toda organização carrega consigo sempre uma “estrutura de dominação em seu funcionamento”, e o poder pode ser visto pelo controle sobre os meios e métodos de produção em organizações:

[organizações pode ser vistas] como estruturas de domínio e subordinação regional dentro de um sistema social que é um sistema mundial, isto é, que tem limites, estruturas, onde membros se agrupam, regras de legitimação e coerência, nos quais a “vida é composta de forças contraditórias que unem tudo isso por tensão, e os rasga separada e eternamente da forma como cada grupo molda para sua vantagem”. (CLEGG, 1979, p. 114)

Hardy e Clegg (1999, p. 271) mostram que essa estrutura fundamenta algumas premissas nas organizações: as organizações em nada podem ser consideradas siste-

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mas neutros ou apolíticos, pois carregam incrustados em si um histórico de conflitos que permeia as relações atuais. Essa estrutura de dominação é concretizada a partir, por exemplo, de formas de controle, que podem ir desde o controle simples por supervisão até o controle tecnocrático das novas relações de trabalho.

Weber enxerga três tipos de manifestação da dominação legítima, e cada uma delas está ligada a uma estrutura sociológica radicalmente diferente do corpo ad- ministrativo e dos meios da administração (WEBER, 2004, p. 215):

Dominação de caráter

racional/legal – repousa na crença da legalidade das

regras estabelecidas e na autoridade daqueles que emanaram tais regras. Essa forma de dominação está intimamente ligada à administração burocrática, e é facilmente observada nos procedimentos internos de uma organização. Dominação de caráter

tradicional – fundada na crença cotidiana da “santi-

dade” das tradições imemoriais e na legitimidade daqueles que exercem a autoridade delegada por ela. Essa influência da norma social tem em seu tipo mais “puro” o poder patriarcal, que existe em todas as unidades sociais onde o poder é reclamado unicamente em virtude do costume implantado. Dominação de caráter

carismático – baseada na devoção ao heroísmo ou ca-

ráter exemplar de um indivíduo e nos padrões ou ordens reveladas por ele. Esse é o tipo mais estudado pela abordagem gerencialista de administração, que se funda nas qualidades utilitárias que devem ser exercidas por um líder para permitir o comando de seus liderados.

A dominação weberiana pode ser vista, portanto, como uma forma de manu- tenção de um estado de ordem por um período prolongado. Para tanto, vale-se principalmente da premissa de sua legitimidade, utilizada na mesma perspectiva da administração burocrática. No entanto, a objetividade de tal conceito é cer- tamente questionável na medida em que se abre espaço para contestação dessa dominação.

Alguns autores da abordagem gerencialista utilizaram-se da suposta objetivi- dade e neutralidade das estruturas de poder sedimentadas nas organizações para reforçar a sua distinção no tocante à sua legitimidade ou ilegitimidade. O poder

legítimo seria aquele que deriva das funções hierárquicas previstas pelo desenho

organizacional, concedendo aos seus detentores influência sobre todos os subor- dinados. De forma análoga, o poder ilegítimo seria exercido pelo uso informal dos recursos, tido portanto como não aceito e problemático. Essa conceituação,

certamente parcial, alicerça uma série de outras noções, como o conceito de po- lítica – entendida pelos autores dessa mesma perspectiva por uso do poder não sancionado ou não legítimo:

Reduzida à sua essência, portanto, política refere-se ao comportamento de um indivíduo ou de um grupo que seja informal, ostensivamente paro- quial, tipicamente divisivo e acima de tudo, no sentido técnico, ilegítimo – não é sancionado pela autoridade formal e ideologia aceita, nem por uma especialidade reconhecida. (MINTZBERG, 1983, p. 172)

Assim, o poder seria conferido funcionalmente a um grupo restrito, para que guardassem os interesses da instituição. Qualquer articulação que se utilize de comportamentos não sancionados por esse poder seria considerada ilegítima. Essa visão é corroborada em estudos que sequer aprofundam o poder como tema à par- te, tais como a liderança e a cultura organizacional, que são objetivados e geram mecanismos de coerção tidos como neutros e inevitáveis.

Essa redução se torna problemática uma vez que ignora que os próprios geren- tes e líderes da organização, como qualquer outro grupo, podem estar em busca dos próprios interesses ocultos (HARDY e CLEGG, 1999, p. 271). De fato, há mais sentido em falar de poder legitimado do que legítimo, pois a classificação da legitimidade é sempre um julgamento de valor de um grupo ou indivíduo. Portanto, preferimos como classificação de aderência aos objetivos da organização as nomenclaturas funcional (delegado aos gestores que buscam os objetivos orga- nizacionais) e disfuncional (não previsto pelo desenho burocrático). Já o processo de legitimação do poder passa, portanto, pelo reconhecimento da autoridade, con- forme explicado no início deste capítulo.

3. A

P E R S P E C T I V A D O P O D E R S I M É T R I C O

Hannah Arendt foi uma das principais pensadoras do século XX, e conseguiu resgatar uma dimensão política relegada a segundo plano na modernidade tardia, que nos permite estabelecer a compreensão de um poder coletivo voltado para o bem comum. A filósofa rompe com o uso do poder em dimensão utilitária e esta- belece a possibilidade de alcançá-lo através de, e apenas por, uma construção do espaço público feita pela não violência. Seguindo a proposta de Avritzer (2006),

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visando entender esse processo, refaremos o percurso histórico de Hannah Arendt no qual alguns conceitos são resgatados e reassociados, em busca do estabeleci- mento da verdadeira ação política, que seja coerentemente institucionalizada so- bre a legítima autoridade, e permita a refundação social.