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Socialização e cultura organizacional

2.1 Cultura organizacional

Uma organização, assim como uma comunidade, não é apenas moldada por fa - tos concretos, mas também pelas crenças e valores que são compartilhados por seus membros, aspectos simbólicos que fazem cada organização ser única. Para en- tender uma cultura organizacional, é necessário compreender este universo sim- bólico que se mostra no dia a dia por meio de atitudes, comportamentos, reações, linguagem, vestimenta, ritos e mitos etc.

Para Barbosa (2002) o termo cultura organizacional surge em decorrência da valorização do universo simbólico das organizações por parte dos estudiosos

3 Para saber mais sobre o tema, leia:

BARBOSA, Lívia. Cultura nas organizações. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

BARBOSA, Lívia. Cultura consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006. BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2007.

ROCHA, Everardo P. Guimarães. A sociedade do sonho: Comunicação, cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.

da Administração. Esse interesse começa a se delinear na década de 1960, mas quando se observa as publicações e os aportes teóricos relacionados com o ter- mo, nota-se que houve diferentes direcionamentos, que a autora organiza em três períodos.

o primeiro período ocorre nos anos 1960: ligado com a corrente do desen- •

volvimento organizacional, a cultura é vista como uma ferramenta a ser conhecida e trabalhada pelas organizações para que aprimorem seus resul- tados, embora ainda não a relacionem com o diferencial competitivo da empresa;

o segundo momento, que pode ser visto como uma retomada do tema e •

não como uma continuação do movimento anterior, ocorre no início da década de 1980. Aqui são marcantes os estudos que surgem a partir do modelo japonês (toyotismo) e a tentativa, em muitos casos fracassada, de sua exportação para o Ocidente. A constatação de que a proposta japonesa era mais do que uma série de procedimentos organizados leva os autores a pensarem na relação entre a cultura de um país e os universos econômico e organizacional. Inicia-se a discussão sobre a base epistemológica do tema, mas esta permanece voltada para uma orientação objetiva, a fim de poder incorporar a cultura na estratégia da organização e direcioná-la para obter maior competitividade;

o terceiro momento inicia-se na década de 1990 e pode ser visto como •

uma resposta ao movimento anterior, embora ainda mantenha algumas ca- racterísticas deste. Como similaridade se destaca a visão da cultura como elemento de valor objetivo, que pode interferir no contexto, agregar va- lor e contribuir para a competitividade da organização. Em contrapartida, diferencia-se do momento passado por considerar a cultura um ponto es- tratégico, definição como ativo intangível e associação com valores éticos (BARBOSA, 2002).

Estes três momentos levam a uma corrente de estudos que entende a cultura como uma manifestação concreta e gerenciável. Segundo este ponto de vista, as organizações possuem uma cultura, que, uma vez conhecida – por meio de diag- nósticos – pode ser modificada, controlada e gerenciada intencionalmente (FLEU- RY, 1989; SCHEIN, 1985). Fleury (1989) destaca alguns parâmetros de políticas e práticas gerenciais que conduziriam à criação de uma cultura “forte” que, segun-

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do a autora, trata-se de um universo único, capaz de superar os recortes de classe, profissão e sexo, ou seja, de uma coesão organizacional mais potente do que ou- tros pertencimentos. Para a autora, a obtenção de uma cultura forte e consistente da empresa ou, pelo menos, aceita dentre as várias categorias que a compõe seria possível por meio da captação de funcionários adequados, treinamento constante e remuneração condizente com o status ocupado.

Schein (1985) considera que uma cultura organizacional pode ser conhecida pelos símbolos, imagens, mitos, estórias, linguagem, rituais, cerimônias, hábitos e valores, além dos artefatos visíveis da organização, tais como a organização es- pacial, arquitetura, móveis e espaço físico. Destaca a importância da busca pela construção de uma cultura, a qual seria possível por meio de: (1) homogeneidade e estabilidade dos seus membros e (2) intensidade das experiências compartilha- das entre os indivíduos do grupo. Assim, uma empresa com cultura forte seria aquela com uma história longa e intensa, ao passo em que a fraca seria caracteri- zada pela constante troca de membros e pelo não enfrentamento de dificuldades. Neste entendimento, os elementos que compõem a cultura provaram ser aqueles mais efetivos no seu passado e, assim, são transmitidos e mantidos no presente e no futuro. As premissas, tendo sido consideradas válidas, isto é, bem-sucedidas ao longo da vida da organização, serão ensinadas aos outros membros da organização como a maneira esperada de perceber, pensar e reagir frente às situações. São estes pressupostos que, institucionalizados, compõem a cultura da organização.

Outra perspectiva para a compreensão da cultura, baseada sobretudo na abor- dagem interpretativa de Geertz, defende que a cultura não é passível de gerencia- mento e controle. Nesta corrente, Thévenet (1991) põe em questão a capacidade de transformação da cultura organizacional. Aponta que com frequência os con- ceitos de cultura e mudança são trabalhados em conjunto, principalmente em pro- postas das empresas de mudar a sua cultura, criar uma nova, e mesmo promover uma revolução cultural. Thévenet (1991) destaca que a mudança nas organizações não deveria ser tomada como um fim em si mesmo, mas um meio para a obten- ção de outras formas de relacionamento com o ambiente interno e/ou externo. A mudança de cultura é processo constante, visto que toda cultura em qualquer sociedade humana se transforma ao longo do tempo, porém, não se pode gerenciar a mudança de uma cultura, na medida em que não é possível fixar o objetivo final nem os meios para se chegar a este futuro estado de cultura.

Para esclarecer, uma tentativa de mudança de cultura na empresa revela-se quando seus dirigentes decidem alterar algum traço cultural por meio de ações de

comunicação, alterações físicas e nas regras de trabalho. No entanto, os resultados advindos dessas ações são imprevisíveis, pois decorrerão dos significados que cada grupo atribuirá à mudança. Um exemplo refere-se a uma tentativa de uma grande indústria de promover a amizade, cordialidade e harmonia entre os empregados por meio do lançamento de uma campanha para eleger o melhor amigo dentre os colaboradores. Contudo, em vez de apontarem para um colega com as caracterís- ticas definidas, o grupo indicou um empregado conhecido unanimemente como solitário e ranzinza, indo contra o objetivo da empresa, evidenciando o quanto o resultado de ações voltadas para a promoção de um comportamento pode ser diferente do previsto.

Outra situação ilustrativa foi a tentativa de mudança cultural em uma grande empresa, que teve sua composição acionária alterada após a entrada de um grupo internacional em sua administração. A direção da empresa fez um longo e intenso processo de comunicação dos motivos da mudança e ressaltaram as vantagens, como uma maior autonomia. Porém, os trabalhadores seguiram por quase uma década ressentidos da mudança e resistindo às novas regras que orientavam seu trabalho. Houve, sem dúvida, uma mudança cultural, mas não necessariamente aquela esperada pela diretoria, que seria de uma união e valorização da nova em- presa, pois se construíram laços de resistência e a autonomia foi significada pelos trabalhadores como um sentimento de falta de proteção e insegurança.

Cavedon (2003), de maneira similar a Thévenet (1991), entende que em vez de ter uma cultura, uma organização é uma cultura. Essa mudança de enfoque tem implicações importantes, uma vez que no caso a cultura não pode ser gerenciada e sim compreendida, pois é a expressão dos membros da organização. Dentro de uma mesma organização podemos encontrar diversas culturas, que dizem respeito a diferentes grupos que se relacionam distintamente entre si e com a organização. Cavedon (2000, p. 33-34) afirma que por cultura organizacional entende-se

a rede de significações que circulam dentro e fora do espaço organizacio- nal, sendo simultaneamente ambíguas, contraditórias, complementares, díspares e análogas implicando ressemantizações que revelam a homoge- neidade e a heterogeneidade organizacional.

Para ilustrar, Craide, Cavedon e Eccel (2006) relatam pesquisa realizada em uma empresa familiar do ramo leiteiro, a qual era composta por três setores: o tambo, o processamento do leite e o administrativo-financeiro, que contavam com

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características de trabalho e rotinas diferentes, mas também com valores e signifi- cações próprias, que levavam à existência de culturas heterogêneas ou diferencia- das entre si. As autoras observaram uma coesão organizacional no que diz respeito ao fundador, o que mantinha a empresa e os funcionários unidos. Mas, ao mesmo tempo, havia dentre os setores conflitos de interesse e diferentes pontos de vista, passando de uma área bastante rotinizada e ordenada, o tambo, por um ponto in- termediário, representado pela transformação do produto, até uma grande desor- ganização e falta de padronização na área administrativo-financeira. Vale ressaltar que as perspectivas de homogeneidade e heterogeneidade não são excludentes, mas refletem as diferentes identidades dos setores.

Para Cavedon (2003), a cultura organizacional se expressa com clareza em alguns momentos específicos, tais como rituais, assim como em histórias repetida- mente contadas ou nos mitos. Ritos e mitos são “falas dramatizadas” de um grupo social e, portanto, são capazes de mostrar os significados ali compartilhados. Ri- tuais são situações cerimoniosas e formais, com comportamentos e regras prescri- tas àqueles que tomam parte, ou seja, caracterizam momentos não ordinários em que existe um protocolo a seguir. Além disso, são momentos de expressão:

Em suma, pode-se dizer que as emoções e sentimentos que o homem pos- sui interiormente encontram, no ritual, um lócus para a sua manifestação. É no ritual que o homem exterioriza e corporifica os seus medos, ódios, amores, crenças; é onde as normas, valores sociais, relações de poder que regem toda a teia social se materializam e refletem a realidade de um gru- po, comunidade ou sociedade, adquirindo assim legitimidade. (CAVE- DON, 2003, p. 124)

Os rituais podem ser de diversos tipos, tais como os ritos de passagem que marcam uma mudança de status como o casamento, ou, no espaço organizacional, a integração de um novo funcionário; ou os ritos de degradação, que ilustram a perda de uma posição, como é o caso de uma demissão (CAVEDON, 2003). Os rituais servem ainda como adaptadores ou readaptadores dos indivíduos às normas e valores do ambiente em que estão inseridos, uma vez que justificam e enobre- cem as rotinas.

Assim, podemos pensar, por exemplo, o processo seletivo como uma espécie de ritual nas organizações. Neste momento os indivíduos ocupam papéis previa- mente definidos e comportam-se de uma forma prevista, ou seja, os represen-

tantes da empresa serão os avaliadores, enquanto os candidatos serão por estes avaliados. Aos primeiros cabe apresentar de maneira interessante a empresa e as oportunidades de trabalho e fazer perguntas, propor situações que os candidatos deverão responder e posicionar-se a fim de tornarem-se elegíveis às vagas.

Os mitos, por seu turno, são estórias que contam como e por que aconteceram certos fatos de importância, de forma mágica. As religiões utilizam-se largamente desse artifício, como podemos ilustrar com o mito da criação do mundo em sete dias. Em empresas familiares é bastante comum nos defrontarmos com o “mito do fundador” que narra o percurso do patriarca que deu origem à corporação. O fundador é retratado elogiosamente, como capaz de superar dificuldades, de ser esforçado e bem-sucedido. Com alguma frequência, o fundador é apresenta- do como um homem que iniciou humildemente um ofício e ao longo dos anos transformou-o em uma grande empresa. Ademais, os mitos reforçam os valores a serem seguidos pelos sucessores e funcionários (CAVEDON, 2003).

A cultura organizacional é também influenciada pelo contexto onde se insere. Um estudo bastante conhecido acerca da influência da cultura local na organiza- cional foi realizado na década de 1980 por Hofstede4, que entrevistou executivos

e empregados de uma mesma corporação com sedes em diversos países. O pesqui- sador observou que havia importantes diferenças nos comportamentos e atitudes dentro das filiais da mesma empresa, revelando a importância de se considerar a cultura nacional em relação à corporativa (MOTTA, 1997).

Além da cultura nacional, a cultura regional, a formação étnica ou religiosa pode influenciar a cultura de determinada organização. Em meados da década de 2000 ocorre no Brasil uma intensa competição entre municípios para atrair empresas por meio da isenção de tributos. Algumas indústrias de Caxias do Sul (Rio Grande do Sul) – região de colonização italiana, com catolicismo tradicional arraigado – abriram filiais em estados do Nordeste (Recife e Ceará) para redução de custos. O que parecia ser um bom negócio acabou se tornando um grande de- safio, por exemplo, no que tange a valorização dos feriados: em Caxias do Sul, o período de Carnaval não é considerado feriado pois consideram uma festa pagã, mas valorizam uma data cristã local, o dia de Nossa Senhora de Caravaggio, o

4 Desta pesquisa resultou uma classificação de culturas composta de quatro dimensões, a saber: in- dividualismo e coletivismo; distância do poder; nível de evitação de incertezas; masculinidade e fe- minilidade. Tal classificação, no entanto, é criticada por alguns autores como Cavedon (2003). Para mais informações ver HOFSTEDE, Geert. Culture’s consequences: international differences in work- related values. Sage Publications, Londres, 1984.

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que em termos práticos implicava apenas um dia sem trabalho. Já no Nordeste, o Carnaval surgia como um momento de longas e intensas comemorações com as fábricas paradas por mais de três dias. Outro ponto de conflito ocorreu por causa da instalação da empresa em cidades onde havia pouco emprego formal e mui- tos benefícios governamentais. Ter a carteira assinada foi visto de modo negativo por parte dos funcionários, que, por não estarem habituados aos benefícios do emprego formal, viam o contrato de trabalho como motivo de perda de recursos oriundos das políticas governamentais.

As características culturais nacionais e regionais ganham ainda mais importân- cia no contexto de fusões, aquisições, migrações e internacionalização das organi- zações que marcam a atualidade. Ao se instalarem em países ou regiões diferentes da sua sede de origem ou em processos de fusão de grandes multinacionais é im- portante que os gestores estejam atentos não apenas às leis que regulam as relações comerciais e de trabalho do local, mas também analisem os aspectos culturais da sociedade em que estão ingressando a fim de que possam organizar suas políticas de gestão considerando tais peculiaridades.

Um exemplo desse tipo de política voltada para a cultura tem sido a prepara- ção dos funcionários que vão trabalhar nas filiais de sua empresa em outros países – os expatriados5 – por meio de cursos que orientam sobre os hábitos, valores e re-

gras sociais, características das relações de trabalho, aspectos legais, econômicos e políticos daquele país. Além disso, o funcionário e sua família recebem uma assis- tência e orientações especiais por parte da área de recursos humanos responsável pela gestão intercultural ou gestão de expatriados, até estarem mais familiarizados com os modos de vida do local onde se encontram. No regresso, também é dada assistência para que a readaptação seja facilitada.

Em suma, o estudo da cultura organizacional permite outra dimensão para análise das relações que se estabelecem no mundo corporativo, seja no interior das empresas ou desta com a sociedade em que está inserida.

5 O processo de expatriação é regido por um contrato formal de trabalho respeitando a legislação no qual são definidos as condições e o período de atividade no exterior.

Controle organizacional no processo