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A surdez e suas implicações na produção de textos escritos

A surdez, que pode ser congênita ou adquirida, é um fenômeno caracterizado pela ausência, perda ou diminuição considerável do sentido da audição. De acordo com padrões estabelecidos pelo American National Standards Institute (ANSI, 1989), considera-se, genericamente, deficiência auditiva a diferença existente entre a performance de um indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora. Há quatro tipos de deficiência auditiva: condutiva, sensório-neural, mista e central; há, também, uma escala de variação quanto ao grau da deficiência: leve, moderada, severa e profunda. Indivíduos com níveis de perda auditiva leve, moderada e severa são mais freqüentemente chamados de deficientes auditivos, enquanto os indivíduos com perda auditiva profunda são os chamados surdos.

A perda do sentido da audição fragiliza, em certa medida, o indivíduo no que diz respeito à sua segurança física, já que, muitas vezes, não é possível ao surdo situar, através de um som, um objeto no espaço, como também perceber as indicações de alerta sonoros dos avisos de nosso ambiente físico (CORDEIRO, 2003, p. 1). Cremos, porém, que esse, ao contrário do que afirma Cordeiro, não é o maior prejuízo que a surdez acarreta. Talvez seja mesmo um dos menos significativos. O que dá consistência a essa hipótese, é o fato de que, por ser a audição, segundo a mesma autora, “um dos principais canais de informação do homem, considerando o meio no qual ele está inserido” (2003, p. 1), a falta de percepção auditiva limita a atuação dos surdos no contexto social, já que dificulta a maioria deles de desenvolver satisfatoriamente sua capacidade de fala. Por isso, a maioria dos surdos desenvolve sua capacidade de linguagem por meio de estratégias gesto-visuais e muitos, atualmente, especialmente nos centros urbanos, em contato com outros surdos, aprendem e adotam a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como primeira língua.

O fato de constituírem uma minoria lingüística que vive em meio a uma sociedade em que predominam os ouvintes leva-os a essa atuação social limitada. Entretanto, postulamos que esse distanciamento dos surdos de muitos contextos sociais deve-se mais à

postura discriminatória da maioria constituída por ouvintes e menos a problemas ligados à surdez. Como não se sentem acolhidos pela maioria, muitos surdos preferem circunscrever suas vivências a ambientes em que há predominantemente outros surdos e ouvintes que acolhem sua forma natural de expressão. Entre os ouvintes em geral, os surdos são vistos, com freqüência, como pessoas que têm limitações cognitivas, o que se sabe hoje não ser verdade.

Segundo Botelho (2002, p. 53), resultados de pesquisas publicados nas décadas de 60 e 70 do século passado sugerem que os surdos têm limitações de ordem cognitiva. A maioria dessas pesquisas, da área da Psicologia, se basearam no modelo clínico da educação de surdos, que entende a surdez como déficit ou doença. Por muito tempo, por exemplo, defendeu-se que a natureza do pensamento dos surdos seria concreta. De acordo com estudiosos dessa época, o pensamento dos surdos seria menos, ou nada abstrato, se comparado ao dos ouvintes.

Resultados de pesquisas mais recentes, ancoradas em concepções sócio-histórico- culturais, indicam, porém, que a surdez, em si não contribui para que o aparato cognitivo dos indivíduos surdos seja deficiente, mas condiciona o desenvolvimento do aparato cognitivo desses indivíduos a estratégias mentais diferentes daquelas utilizadas pelos ouvintes. “As dificuldades de abstração, quando existem, relacionam-se com experiências lingüísticas e escolares insatisfatórias” (BOTELHO, 2002, p. 53). Ou seja, o aparato cognitivo de um indivíduo surdo pode ser menos desenvolvido que o de um ouvinte, por ser menos estimulado, ou estimulado de modo tardio ou insuficiente. Daí podermos supor que as dificuldades de abstração identificadas em alguns surdos são motivadas por fatores exógenos.

Não deixamos de reconhecer, pois, que os surdos enfrentam problemas, principalmente em relação à construção de conhecimentos ligados ao estrato da linguagem, acarretados pelas especificidades das circunstâncias de interação que a surdez naturalmente cria. Não consideramos possível, porém, afirmar categoricamente que esses problemas são decorrentes de limitações cognitivas, uma vez que uma criança que nasce surda é dotada de todo o aparato cognitivo constitutivo da faculdade da linguagem, assim como uma criança que nasce ouvinte.

É sabido que a língua desempenha um papel fundamental para o adequado desenvolvimento dos processos cognitivos, embora alguns mecanismos mentais se organizem naturalmente, sem a aquisição de uma língua. O que prova isso é, por exemplo,

o fato de a memória olfativa ser capaz de remeter-nos a um momento da vida, além do fato de imagens mentais poderem projetar-se sem o auxílio de mecanismos lingüísticos. Conjeturamos, a partir dessas idéias, que a natureza da modalidade de explicitação da língua adquirida — seja oral-auditiva, seja gesto-visual — contribui para o delineamento de um perfil cognitivo com especificidades relacionadas à natureza dessa língua. Em outras palavras, é possível que o aparato cognitivo de um indivíduo usuário de uma língua de sinais constitua-se de certos traços diferentes de outros traços constitutivos do aparato cognitivo de um indivíduo usuário de uma língua oral-auditiva. A rigor, isso significa que um indivíduo com surdez congênita profunda usuário de uma língua de sinais não é menos inteligente que um indivíduo ouvinte. O mesmo não se pode afirmar de um indivíduo surdo com esse mesmo perfil a quem não se viabilizou a aquisição de uma língua, pois essa não- aquisição provoca alterações significativas no desenvolvimento geral dos processos cognitivos (FERNANDES, 2003). Pode-se afirmar, pois, que também os ouvintes privados da aquisição de uma língua estão sujeitos a prejuízos importantes quanto ao desenvolvimento de seu aparato cognitivo.

A dificuldade de desenvolver as habilidades articulatórias viabilizadoras da fala leva os surdos, naturalmente, ao uso da linguagem gesto-visual, ou seja, de uma língua de sinais. O português, língua falada pelos ouvintes brasileiros, é, para a maioria dos surdos, uma segunda língua. Os surdos vivem, portanto, inseridos num contexto em que são, de certo modo, lingüisticamente, “estrangeiros”. Campelo afirma que o surdo “pertence a uma minoria lingüística — os falantes, Brasil, da LIBRAS — e é construtor de uma cultura própria.” (2002, p. 25). Essa autora faz parte do grupo de estudiosos que postulam a existência de uma “cultura surda”, em razão de serem os surdos usuários de uma língua de natureza bastante diferente da usada pela maioria dos demais indivíduos e de preferirem desenvolver suas atividades sociais em contextos em que há predominantemente pessoas surdas.

Embora não objetivemos nos deter na discussão da cultura surda neste trabalho, não podemos deixar de fazer referência a essa concepção, pois, tal como afirmou Bakhtin, não é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário, é “a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (2004, p. 112). Logo, o modo como a expressão é usada para tratar a realidade, que é influenciado pelo contexto sócio-cultural, pelo modus vivendi do indivíduo, acarretará, em alguma medida, um impacto sobre sua atividade mental.

O que complexifica essa discussão é o fato de ser inegável que um indivíduo surdo adquire todo um sistema de representações simbólicas próprio da cultura do local em que vive, mas a surdez, especialmente o modo de apreensão dos fatos pelos surdos, pode propiciar a construção de representações particulares do mundo, o que possibilita, provavelmente, o surgimento de algumas percepções particulares da realidade, próprias daqueles que não podem vivenciar as inúmeras experiências auditivas a que têm acesso a maioria das pessoas, que são ouvintes. A compreensão de alguns aspectos de uma obra cinematográfica, por exemplo, uma forma de arte que soma a imagem a efeitos sonoros (como música e o som de passos ou das batidas de um coração), que contribuem, as mais das vezes, para mobilizar as emoções dos espectadores, não se dá, certamente, com um indivíduo surdo da mesma forma como se dá com um ouvinte. Um surdo não terá acesso a uma informação essencial à compreensão de determinada cena, caso esta esteja necessariamente relacionada a um efeito musical ou sonoro.

Achamos, contudo, importante não enquadrar o indivíduo surdo num estereótipo de pessoa totalmente diferente, a fim de não reforçar a idéia preconceituosa, largamente difundida, de que os surdos são incapazes de compreender o mundo à sua volta e de desenvolver as capacidades para atuar de modo eficiente nos diversos âmbitos da sociedade. Assim como os ouvintes, os surdos podem fazer amigos, namorar, constituir família, estudar, trabalhar, desempenhar papéis de liderança com eficiência, freqüentar festas, igrejas, cinemas — embora, no Brasil, prefiram assistir a filmes estrangeiros, pelo fato de os filmes nacionais não serem legendados2 — entre outras inúmeras atividades comuns a todas as pessoas. Ou seja, os surdos precisam ser mais bem compreendidos pelos ouvintes, a fim de terem melhor assistência educacional e poder desfrutar uma vida social sem tantos entraves, pois têm potencial para desenvolver habilidades sócio- cognitivas para interagir no mundo, tal como os ouvintes.

Devido a essa singularidade interacional, mesmo os surdos que têm a oportunidade de freqüentar escolas de melhor qualidade encontram muitas dificuldades para lidar com a língua de natureza oral-auditiva usada pela maioria dos membros das comunidades a que eles pertencem. Além de lidarem com as dificuldades inerentes às diferentes modalidades das duas línguas por meio das quais necessitam interagir, há outras especificidades de cada uma dessas línguas que intensificam a problemática em questão. Por exemplo, em

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Existe um movimento nacional que reivindica legendas para filmes nacionais, sob o título: “LEGENDA NACIONAL, PARA QUEM NÃO OUVE, MAS SE EMOCIONA”.

LIBRAS, não existem artigos, nem verbos estativos e há poucos conectores (preposições e conjunções). E os conectores que existem não têm a plasticidade de alguns que lhes são equivalentes em português. A plasticidade a que nos referimos diz respeito ao que denominamos de multifuncionalidade semântico-pragmática, na nossa dissertação de mestrado em lingüística, (NASCIMENTO, 2001, p. 122), caracterizada pelo fato de um mesmo conector poder, em contextos diferentes, indicar relações de sentido distintas. Além disso, todos os pronomes pessoais são representados em LIBRAS por meio de um mesmo recurso: a apontação para o referente ou para um lugar convencionado para esse referente. A depender do contexto situacional e do enunciado produzido, um mesmo sinal pode significar ‘eu’ ou ‘mim’, por exemplo. Essas são apenas algumas das especificidades de seu modo de expressão que contribui para que os surdos tenham dificuldades interacionais.

A convivência com os surdos, em especial, com os usuários de uma língua de sinais, possibilitou-nos observar que eles, de fato, percebem o contexto sócio-histórico de uma forma um tanto diferente da maneira como os ouvintes usuários de uma língua da modalidade oral-auditiva o percebem. O fato de os grupos de surdos e os de ouvintes serem usuários de línguas bastante diferentes entre si é o que deve levar os indivíduos de cada um desses grupos à construção de algumas representações mentais distintas entre si, uma vez que a não-aquisição da língua oral-auditiva dificulta a construção de certos tipos de conhecimentos por parte dos surdos. Cremos, ainda, que os surdos constroem, em função de serem usuários de uma língua de sinais, certos conhecimentos que os ouvintes não constroem.

Como já afirmamos, postulamos que muitos dos problemas que os surdos enfrentam cotidianamente não se devem à surdez em si, mas às dificuldades de interação com os ouvintes, decorrentes do fato de que, por não serem usuários proficientes da língua dos ouvintes com os quais convivem, necessitarem operar, as mais das vezes, quase que simultaneamente, com duas línguas de naturezas tão distintas. Esse fato é um importante complicador para que os surdos se integrem de forma efetiva em todos os ambientes sociais pelos quais necessitam circular, em especial, porque, na maior parte das vezes, os surdos se esforçam por se fazerem entender pelos ouvintes, entretanto o contrário não ocorre. Os surdos não se deparam, portanto, como parece a alguns estudiosos, apenas com problemas semelhantes aos de indivíduos bilíngües, já que são, além de bilíngües, bimodais — por necessitarem interagir por meio de uma língua oral-auditiva e por meio de

uma língua gesto-visual, ou vísuo-motora-espacial.

Acreditamos que o fato de a surdez impossibilitar a aquisição de um acervo lexical mais amplo da língua usada pelos ouvintes das comunidades em que os surdos estão inseridos seja outro vetor das dificuldades interacionais entre surdos e ouvintes aludidas anteriormente. Afinal, os itens lexicais de uma língua funcionam como “cápsulas” de muitas das representações mentais, ou dos conhecimentos estabilizados na memória dos usuários, conhecimentos (enciclopédicos, episódicos e procedurais) que são construídos ao longo da vida e que são constituintes do aparato cognitivo. Segundo Koch, as informações chegam à memória por meio de “estímulos visuais, auditivos e outros” (grifo nosso) (2002, p. 38). A ausência do sentido da audição deixa os surdos em certa desvantagem em relação aos ouvintes, quanto à constituição de seu aparato cognitivo, já que, por não terem condições fisiológicas para receberem estímulos auditivos, chega à memória dos surdos uma quantidade menor de informações à que chega à memória dos ouvintes. Os surdos usuários de LIBRAS têm acesso a um léxico que corresponde a pouco mais de 1% do léxico do português, dado que se ancora na quantidade de verbetes presentes em dicionários recentemente publicados no Brasil. Enquanto o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa dispõe de 228.000 mil verbetes, o Dicionário de LIBRAS apresenta apenas cerca de 3.500 entradas. É possível que, conhecendo menos itens lexicais da língua falada pela maioria, os surdos tenham, em sua memória, menos conhecimentos semelhantes aos dos indivíduos ouvintes, como já aludimos anteriormente, fato que torna problemática a interação entre esses grupos. Essa idéia fundamenta-se na seguinte informação fornecida por Koch (1996, p. 36):

Para que duas ou mais pessoas possam compreender-se mutuamente, é preciso que seus contextos cognitivos sejam, pelo menos, parcialmente semelhantes. Em outras palavras, seus conhecimentos enciclopédico, episódico, procedural, macro- e superestrutural ou esquemático devem ser, ao menos em parte, compartilhados.

Evidentemente, essa nossa hipótese deve ser relativizada, já que o desenvolvimento da aparato cognitivo de uma pessoa depende de diversos fatores que envolvem o ambiente social em que esteja incluída. Quanto mais se entra em contato com situações diferentes e mais se avança na escolaridade, mais possibilidades de ampliação progressiva do acervo de conhecimentos e, conseqüentemente, do acervo vocabular se tem. Logo, a depender do

contexto social em que um indivíduo esteja inserido, do estímulo da família e do encaminhamento educacional, esse indivíduo poderá desenvolver mais ou menos seu contexto cognitivo ao longo da vida. Sabemos, entretanto, que a surdez naturalmente dificulta essa ampliação do contexto cognitivo de um indivíduo surdo em relação ao que acontece com um ouvinte que seja da mesma faixa etária que um surdo e que viva condições semelhantes. Isso é, a nosso ver, um dos gatilhos que deflagra não só o distanciamento que há entre esses dois grupos, como também a disseminação de uma série de idéias equivocadas e preconceituosas em relação à condição dos indivíduos surdos.

Entre os tipos de conhecimento cuja construção é dificultada pela surdez, encontram-se os ligados às práticas de leitura e de escrita, que, nas sociedades letradas, são, em potencial, viabilizadoras de melhor qualidade de vida, por garantirem vários direitos de cidadania. Em se tratando das habilidades de escrita — área de nosso interesse — são notórias as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos surdos, os quais aprendem, em geral, a escrever tardiamente e produzem textos de estruturação lingüística atípica. A fim de que possamos esclarecer o que se entende por organização atípica, transcrevemos a seguir dois excertos de textos constituintes do corpus da pesquisa que gerou o presente trabalho. A expressão ‘NOME DA IES’ substitui o nome da instituição de ensino à qual os autores dos textos abaixo fizeram alusão. Optamos por essa estratégia, a fim de manter o necessário sigilo exigido pelo Comitê de Ética da UFPE para a publicação dos textos do

corpus.

EXEMPLO 2 (Excerto do texto 1)

Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você.

Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] fiquei feliz mesmo. Primeiro dia de aula, começei que tinha medo a relação com professores, porque eu tenho dificuldades a relação com professores, por isso eu não entendia com lábios. Depois segundo dia que eu fiquei abrindo a relação com interprete, porque tem me explicou claramente e também tenho dificuldades a relação com ouvintes, pois eu tentei atenção com lábios o que ouvintes estava falando. Depois um ano que minhas colegas, professores, alguns as pessoas estudam na [NOME DA IES], sabem alguns libras.

EXEMPLO 3 (Excerto do texto 6)

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas diretora (feira) falta respeito com os surdos.

funcionário as pessoas tem interesse aprender libras, mas as pessoas tem vontade aprender de libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos, não saber conversar c/ os surdos.

Essa atipificidade de organização dos textos escritos por surdos faz com que a interação por escrito destes com os indivíduos ouvintes seja mais problemática, que as interações face a face, pois, neste tipo de interação, a maioria dos surdos, aliando à sua expressão lingüística estratégias de mímica, consegue, em geral, se fazer entender e, contando com a cooperação dos interlocutores, que naturalmente lançam mão dos mesmos recursos paralingüísticos, obtêm as respostas esperadas no ato enunciativo. Já por meio da escrita, a interação nem sempre se efetiva de modo satisfatório. Não é raro ouvir relatos de surdos que dão conta de que, em muitas das tentativas de interagir por escrito com ouvintes, não obtêm êxito.

Apesar de essa apresentação atípica dificultar, em certa medida, o processamento imediato dos textos escritos por surdos, é possível perceber que esses artefatos lingüísticos como quaisquer outros textos escritos por ouvintes — são resultantes de complexos processos de textualização. É inclusive perceptível o esforço de intencionalidade3 dos informantes surdos para aproximar a estruturação lingüística de suas produções textuais escritas das produções de escritores ouvintes, sem, contudo, conseguirem pleno êxito. Não se pode negar, pois, que há textualidade nessas produções. Assim, é possível perceber unidade de sentido nas produções escritas de surdos, um dos requisitos fundamentais, segundo Halliday; Hasan (1976) para que se possa considerar uma determinada configuração lingüística como sendo um texto.

A maioria dos surdos com os quais convivemos revelaram que preferem evitar a interação por meio da escrita, já que os ouvintes, em geral, ao entrarem em contato com um texto escrito por um surdo, tendem a rejeitar o texto, devido ao estranhamento provocado pela organização incomum da superfície lingüística. Essa rejeição é que faz

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Princípio da textualidade, segundo Beaugrande; Dressler (1981), que pode ser definido como a intenção que o produtor de um texto tem de produzir algo inteligível, capaz de cumprir adequadamente uma função interacional em determinada situação de uso da língua.

com que muitos ouvintes se recusem a ler textos dessa natureza, ou seja, recusem-se a interagir com o indivíduo surdo, justificando que “aquele amontoado de palavras não é texto”. Sendo a língua constitutiva do indivíduo, a rejeição assume, noutra dimensão, o

status de rejeição ao próprio indivíduo. Mais um fator que induz à exclusão de muitos

surdos de significativos contextos sociais, como a universidade e o mercado de trabalho. O fato de muitos surdos escreverem cada vez menos, ao longo de suas vidas, a fim de se preservarem das recorrentes experiências de rejeição, é outro fator que contribui para que essas pessoas não desenvolvam muitas das habilidades de escrita de textos em português. A falta do desejo de escrever representa mais uma forma de isolamento do surdo. Esse não seria, contudo, um dos entraves para vivências pedagógicas de boa qualidade. Na verdade, devemos considerar o contrário: o desinteresse de muitos surdos em relação às práticas e às aulas de escrita é que deve ser provocado também pelas práticas