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Aspectos da organização formal externa

4.1 Sobre a superestrutura dos textos

4.1.1 Aspectos da organização superestrutural dos textos do corpus

4.1.1.1 Aspectos da organização formal externa

Todos os participantes da pesquisa procederam à avaliação da IES, solicitada no texto de motivação. A maioria deles demonstra satisfação com a faculdade em que estudavam e alguns reivindicam melhorias nas condições de atendimento aos surdos. Como pode ser visto nos exemplares do corpus, a maioria dos participantes da pesquisa redigiram seus textos segmentando-os em parágrafos, marcando o início de cada parágrafo por alínea e construindo, na maioria dos casos, cada bloco paragráfico para um subtópico, ou para mais de um subtópico inter-relacionados. Apenas os autores dos textos 13 e 15 organizaram seus textos em um único bloco, como pode ser observado nos textos transcritos mais adiante. As dificuldades de hierarquização de informações verificadas nos textos 2, 3, 12, 14 e 15, assim como a pouca progressão observada nos textos 4 e 6 revelam pouca vivência com a prática de produção de textos escritos, o que também ocorre em textos de autores ouvintes. Um dado que nos chamou a atenção foi a opção dos autores dos textos 8 e 15 em intitular seus textos. Provavelmente, esta ação foi influenciada pela experiência de aprendizado de escrita que vivenciaram ao longo do Ensino Básico, em que, em geral, prioritariamente se toma como objeto de ensino a redação escolar. Tal como ocorre com ouvintes, a prática de ensino de escrita no Ensino Básico, a qual, em muitos contextos, ainda se restringe ao ensino de gêneros escolarizados (também denominados endógenos ou autofágicos) que, segundo Koch (2002, p. 59), foram criados para a escrita e para o ensino da escrita no contexto escolar, não amplia as perspectivas de aprendizagem dos alunos, por meio de ensino da leitura, análise e produção de diferentes gêneros que circulam na sociedade. Por isso, essa prática pode levar os indivíduos a reproduzirem os aspectos superestruturais das redações escolares em gêneros de outros domínios discursivos, que não a escola. Isso, evidentemente, também não pode ser considerada uma dificuldade exclusiva dos surdos — já que a prática pedagógica que privilegia o ensino da escrita de gêneros escolarizados se estende, ainda, a quase todos os estudantes brasileiros — mas revela certa dificuldade dos autores desses textos quanto à distinção de superestruturas

recorrentes, um conhecimento que especialmente em função da sua faixa etária já deveria estar consolidado.

Quanto ao texto 8, (escrito por um surdo oralizado usuário de LIBRAS há 15 (quinze) anos, na época da coleta) achamos importante comentar ainda a combinação incomum da atribuição do título, próprio das redações escolares, a um aspecto dos gêneros epistolares, presente no texto de motivação: a assinatura. Embora o uso da assinatura possa revelar a intenção de dar resposta direta ao pedido de avaliação feito por meio do texto da suposta coordenadora, o modo de apresentação do conteúdo semântico é semelhante às redações escolares com trama predominantemente expositiva. Em nenhum ponto do texto, há referência direta ao suposto interlocutor, o que destoa do uso da assinatura.

Salientamos a adequação da avaliação da IES feita pelos autores dos textos 8 e 15, cujos textos alcançaram o objetivo pretendido.

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso de Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz o pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é metodologia”.

Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca. [ASSINATURA DO AUTOR]

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na sala. Mas dificuldades disciplina à prova ao trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria sabe libra falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre na sala disciplina aprende dificuldade a professor(a) necessaria interprete explicar entende claro.

Outro texto do corpus que nos chamou à atenção quanto ao modo de organização formal externo foi o texto 11, transcrito a seguir. O autor (surdo oralizado e usuário de

LIBRAS há 16 anos, na época da coleta dos dados) optou pelo uso de outros mecanismos, além do estritamente lingüístico, para a explicitação das informações em seu texto, ou seja, recorreu, em certo grau, ao recurso da multimodalidade, que, de acordo com Marcuschi (2005, p. 3), é “a confluência de diferentes modos de letramento num único texto”. Além da organização do texto por meio de parágrafos enumerativos, próprios de textos esquemáticos, o autor utilizou uma seta, outro recurso gráfico próprio de esquemas, para indicar os subtópicos que constituem o desdobramento do tópico global (uma reivindicação feita à faculdade: “Curso de Formação para Intérprete”). Essa opção de organização textual pode indicar uma vivência mais significativa de práticas de letramento por parte do autor do texto. Apesar disso, o fato de o autor ter construído estruturalmente três subtópicos “Atualização”; “continuada”; “Interpretação na área de educação”, que revelam, por seu conteúdo informacional ser, na verdade, apenas dois: “Atualização continuada” e “Interpretação na área de educação”, denota certa dificuldade com a estruturação sintática das sentenças.

Essa dificuldade, porém, não impede que se possa atribuir sentido ao que é dito pelo autor. Está clara a intenção principal de reivindicar a melhoria da qualidade da assistência dada pela IES aos alunos surdos, que, de acordo com o autor, poderá ocorrer por meio de um curso de formação para intérprete e de mais investimento no funcionários que são intérpretes de LIBRAS. Além disso, o autor expressa sua satisfação em relação ao atendimento, à coordenação do curso e à direção da faculdade.

TEXTO 11

Nos demais textos constituintes do corpus, não há especificidades formais externas a serem comentadas. Os aspectos verificados nos textos 8 e 15 destacados nessa seção de análise não podem ser considerados especificidades de textos escritos por surdos, como já

Curso de Formação para Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (interprete de LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção tudo estou satisfeito bem colaboração do nosso estudo.

afirmamos, mas revelam que, provavelmente, os professores desses indivíduos durante o ensino básico não conseguiram viabilizar a eles o conhecimento de uma representatividade significativa da diversidade de gêneros textuais que circulam na sociedade. Em contrapartida, a habilidade demonstrada pelo autor do texto 11 para o uso de outra forma de apresentação textual, que indica que esse indivíduo pode ter tido a oportunidade de vivenciar experiências pedagógicas mais significativas, mostra o quanto é importante o investimento em atividades de ensino de língua que visem ampliar o conhecimento dos alunos (surdos e ouvintes) acerca das diferentes práticas de letramento, em que se inclui o conhecimento superestrutural dos gêneros que circulam na sociedade. Esse tipo de conhecimento, construído de modo sistematizado no ambiente escolar, pode propiciar a todos mais competência nos eventos comunicativos por meio dos quais podem atuar socialmente.