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7 ANÁLISES

7.1 CATEGORIA DIÁLOGO

7.1.3 A TAC nos espaços de formação de professores

A escolha de Habermas para falardas interações entre os professores especialistas, cursistas e tutores do OBECiM por meio do diálogo comunicativo e da linguagem está pautado na atividade dialética socialmente construída que integra a Teoria da Ação Comunicativa (TAC) Habermasiana com a ação dialógica Freireana. Para Habermas (1987), a edificação da personalidade individual acontece pela interação social, considerando a igualdade de participação argumentativa das pessoas envolvidas na construção das ideias representativas do seu meio social.

Nesta categoria, será analisado o esforço da teoria Habermasiana para desenvolver a racionalidade comunicativa entre os sujeitos, baseado no desenvolvimento da linguagem, razão e comunicação livres da interferência de poder de maneira que os sujeitos obtenham acordos racionais válidos.

A TAC é fundamentada por Habermas (1987) na capacidade das pessoas de interagirem socialmente por meio do diálogo em que acontece o encontro entre a

racionalidade e as intenções dos interlocutores na construção argumentativa de consensos que representem a todos e a cada um.

O espaço onde aconteceu a interação comunicativa com os objetivos propostos pela TAC foi em uma reunião entre três tutoras, duas representantes das turmas de Ciências e uma da Matemática; a professora especialista das turmas de Matemática e a pesquisadora na função de técnica pedagógica. A reunião teve por objetivo organizar e propor atividades presenciais e virtuais para a disciplina de Gestão na sala de aula da EJA. Esta foi a quinta e penúltima disciplina do curso. A reunião foi selecionada para análise devido à intensa interação e dialogicidade entre os interlocutores: tutores, técnica pedagógica e professora especialista. Segue o recorte da transcrição do áudio da reunião para análise.

Professora especialista M.A.: Todo mundo aqui está envolvido com a matemática é isso?

Pesquisadora e Tutores: Não. Risos.

Tutora ML.: Só um minuto antes de começar, é que esta semana eu recebi a atividade de uma aluna que trocou sequência didática por relato de experiência [...] então eu acho interessante, de repente, como estas são as duas últimas disciplinas [...] dar atividades mais presenciais mesmo, até para eles terem oportunidade e tempo de fazerem o relato com mais propriedade, né, M.A.?

Professora especialista MA.: Eu penso o seguinte, se a coisa não está andando bem, e isso já parece que vocês detectaram, eu aprendi que a gente não pode obter resultados diferentes fazendo as mesmas coisas. Paulo Freire. Então, a gente precisa mudar, né? Eu já tinha um sentimento que isso tava acontecendo, porque coisas muito teóricas, como eu direi, isso não é um mestrado, entenderam? [...] Isso não vai dar certo com professor popular, ele não é ainda uma pessoa de ciência, se é que vocês me entendem, então ele quer ação.

Tutora ML.: A maioria deles coloca muito isso M.A. porque, inclusive o professor M., em um dos encontros que nós tivemos na questão de formação de professores na escola, ele falou comigo: ML. passa textos pequenos, as perguntas bem sintéticas porque é melhor o professor entender aquela dimensão que você está trabalhando, do que ele tentar entender uma dimensão mais complexa e desanimar no meio do caminho, e não fazer. Professora especialista MA.: E outra coisa, ele precisa ver este impacto muito rapidamente nas suas aulas, porque a visão dele é curta ainda, o curso é curto, ele é pragmático, ele quer ver aquilo acontecendo. Então, é preciso trabalhar com coisas que ele sinta que está valendo a pena estar ali. Agora, me preocupa o seguinte, eu sou da matemática, mas eu estou com o grupo da ciência?

Pesquisadora: Então, deixa eu explicar, como te falei por e-mail, inicialmente imaginamos, eu e o A. (coordenador geral do curso) que nesta disciplina não teria esta divisão de ciências e matemática. [...] daí mandei e-mail para todo mundo, tanto para os tutores de ciências quanto para os de matemática, e

assim como os nossos cursistas têm a dificuldade de estar presente aos sábados nos encontros presenciais, os tutores também têm essa dificuldade de participar dessas reuniões, inclusive já está marcada outra reunião na semana que vem, porque quando não dá para o tutor vir em uma, ele tem que vir na outra, ou ele entra em contato conosco e repassamos as informações, o que não é a mesma coisa né, mas, é o que dá pra fazer da melhor forma possível. Porque nessas reuniões acontece esta troca que está acontecendo aqui, vocês, professores especialistas conhecem por meio das interações com os tutores as realidades das turmas, dos campi, e podem planejar juntos as aulas. Mas, infelizmente, não é em todas as disciplinas que acontece desta forma.

Professora especialista MA.: Então, há um paralelismo, eu concordo com o Professor S. que a gente deve trabalhar de uma maneira mais prática [...] porque aí tanto matemática quanto ciência trabalharia com o mesmo enfoque, não exatamente da mesma maneira, porque as especificidades são diferentes [...] eu acho que este é o grande lance para os professores que estão ali na comissão de frente com seus alunos, né, ele quer saber como agir de maneira diferenciada, enfim, e eu pensei em trazer para o pessoal da matemática a resolução de problemas, porque eu acho que é isso que o professor de matemática quer ouvir.

Pesquisadora: E você sabe que na disciplina de Debates Conceituais eles trabalharam com isso.

Professora especialista M.A.: Pois é, o que já é uma vantagem. Pesquisadora: Mas eles não gostaram.

Tutora C.: Pera aí, depende da forma com que foi trabalhado. Pesquisadora: Foi, foi a forma, a metodologia.

Tutora C.:Em ciências também nós trabalhamos, mas foi muito superficial [...] foi porque houve muitas metodologias em um único dia, no sábado né, o dia todo cansa!

Tutora ML.: Foram quatro metodologias, resolução de problemas, atividades experimentais, atividades lúdicas e outra que não lembro.

Tutora C.:Uma outra coisa que é ruim pra gente como tutor é não saber o que a outra disciplina trabalhou, já que os tutores mudam constantemente. Porque agora assim, já que abriu a gente vai falar tudo N., [...]

Tutora A.:Eu, apesar de estar entrando agora no grupo, tô perdida, na disciplina anterior eles reclamaram muito da postagem do relato, fizeram uma coisa no início, acho que na primeira disciplina, e agora parece ser outra coisa, as informações às vezes, desencontram.

Tutora ML.: Até que agora com a turma de Cachoeiro que eu fui na terceira disciplina eu senti um interesse muito grande deles, né, em relação ao curso. Tutora C.: Apesar destas reclamações e dificuldades todas, as disciplinas não estão sendo este fracasso, é que a gente fica assim apreensiva ao ver o desespero dos alunos, mas eles estão gostando, tanto assim que na primeira disciplina que era a de relatos, eu tentei seguir direitinho as orientações que o Professor D. deu, mais aí eu vi que realmente ficou muito pesado pra eles, mas como você falou, eles estão em um outro tipo de atividade que não é a mesma do mestrado. E aí quando tivemos uma reunião aqui com a coordenação, eles deixaram um pouco mais flexíveis, que a gente enquanto tutor e os coordenadores locais poderiam fazer esta flexibilidade de tudo que estava sendo abordado a partir da realidade da turma, então, assim, eu

peguei os slides que os professores faziam e fui modificando, fui reduzindo os textos de 15 páginas [...] e é mesmo estas coisas que às vezes geram dúvidas e deixa a gente preocupada.

Tutora ML.:E nestas idas e vindas a gente acaba aprendendo muito também né!

Pesquisadora: [...] eu escuto muito o que acontece, tanto dos tutores quanto dos alunos, eles reclamaram muito desta disciplina de Debates por conta da quantidade de coisas que foram tratadas nela, a quantidade de problemas, os problemas estavam muito difíceis de resolver, e aqui na ementa fala [...] Professora especialista M.A.: Pois é, isso aí é pra mestrado, tem que ser sensível ao grau de discussão que ele consegue manter naquele momento, sem leitura, vai ser difícil, mas fazer leitura em momentos tão breves assim também é complicado. Mais trabalhar resolução de problemas diante do que já foi feito eu acho que pode ser um fracasso.

A presença do número reduzido de tutores e a divergência das áreas de atuação/formação entre eles e a professora especialista dificultou o planejamento das aulas (presencial e virtual) de forma objetiva devido às especificidades das disciplinas de ciências e da matemática. A reunião tomou um caráter avaliativo das questões que envolvem a dinâmica das aulas presenciais e virtuais, as atividades propostas e as diversas dificuldades enfrentadas por cursistas e tutores em alguns momentos do curso. Vale ressaltar a validade dessa avaliação uma vez que as tutoras C. e ML. atuaram em outras duas disciplinas anteriores, sendo esta a penúltima disciplina ofertada. As questões abordadas na reunião puderam ser discutidas e consentidas devido ao espaço que foi aberto para pessoas exporem suas opiniões de forma igual. Na fala da tutora C., ela reafirma a oportunidade de expressar sua opinião: “Porque agora, assim, já que abriu a gente vai falar tudo.” Esse espaço da comunicação participativa entre os sujeitos da pesquisa é o foco da análise, ele não aconteceu em todas as reuniões de planejamento e foi bem evidente neste encontro. Possibilitar esta comunicação participativa depende muito do mediador que conduz a reunião ou a aula. A professora especialista MA. Abriu esse espaço para conhecer o que as tutoras trazem e falam de suas experiências de atuação com os professores cursistas. A comunicação é evidenciada, os professores, sujeitos da ação dialógica, expressam suas argumentações participativas na construção das ideias que representam o mundo social ao qual fazem parte e atuam como profissionais. Independente da posição hierárquica ocupada naquele momento os professores (especialista, pesquisadora e tutoras) e se sentem à vontade para falar. Justificam as dificuldades dos alunos cursistas para realizar as atividades

virtuais, falam sobre a falta de interligação entre as disciplinas do curso, expõe suas impressões sobre a quantidade de tarefas na aula presencial que gerou cansaço e desinteresse por parte dos alunos, salientam a importância da flexibilidade para a adaptação do planejamento à aula presencial nas diferentes turmas, revelam a necessidade de ser sensível ao tempo do aluno e por fim reafirmam as aprendizagens com todas estas novas experiências. Todas estas afirmações, experiências e justificativas foram subsídios para a construção dos consensos. Para construir consensos na perspectiva Habermasiana, é necessário mostrar-se sensível aos problemas e buscar caminhos para solucioná-los. A seguir, há algumas frases das interlocutoras como exemplos que demonstram essa busca pela construção coletiva de soluções: “[...] a gente fica assim apreensiva ao ver o desespero dos alunos.” “[...] no sábado, né, o dia todo cansa.” “[...] é preciso trabalhar com coisas que ele [cursista] sinta que está valendo a pena estar ali.” “[...] se a coisa não está andando bem, [...] então a gente precisa mudar, né?”“ [...] assim como os nossos cursistas têm a dificuldade de estarem presentes aos sábados nos encontros presenciais, os tutores também têm essa dificuldade de participardessas reuniões.”

Corrobora-se com Martini (2011) que a abertura do espaço para a racionalidade dialógica na formação de professores atuantes no mesmo contexto social torna possível a problematização dos temas e situações vividas pelos docentes na busca por ações-soluções de validade cognitiva com embasamento na expressão das subjetividades, acordos e normas sociais.

Para Habermas (1989) a construção da personalidade individual acontece pela interação social considerando a igualdade participativa dos sujeitos na edificação dos consensos que representam a todos e cada um. Assim acontece o encontro entre a racionalidade e o pensamento das professoras no episódio interativo da reunião, na qual elas constroem juntas, em igualdade de participação argumentativa, consensos válidos que representam o meio que experienciaram.