Interação verbal e a reflexão na ação

Schön (1992) considera que descrições verbais acontecem durante a reflexão na ação por meio da mediação dialógica professor-aluno quando ambos buscam junto um consenso sobre um problema prático. O autor não enfatiza em suas pesquisas o diálogo especificamente, mas considera a existência da interação verbal

comunicativa no processo reflexivo. O processo dialógico (interativo/descritivo/comunicativo) acontece durante o ato de reflexão no momento da ação por meio da observação e da reformulação dos questionamentos por parte de quem ensina. Este exercício prático-reflexivo proporciona ao tutor/professor aprender diferentes métodos de ensino.

Schön (1992) descreve quatro momentos da reflexão-na-ação.Primeiro, ocorre a circunstância da surpresa, o aluno dá uma resposta que não é esperada; segundo momento é a reflexão por parte do professor da resposta dada pelo aluno e a busca por entender a razão da surpresa; no terceiro momento, o problema apresentado na situação inicial é reformulado e, no quarto momento, cria-se uma nova questão para testar a hipótese.

Assim, selecionou-se no AVA/Moodle uma situação de interação comunicativa entre aluno e tutor da sala de orientação da escrita do relato de experiência para mostrar a reflexão na ação entre tutora e cursista. A escolha desse momento dialógico foi feito com base no grande número de interações (53 comentários) entre as interlocutoras durante o tempo em que a tutora orientava a cursista sobre a escrita do seu relato de experiência. O objetivo é exemplificar a descrição verbal reflexiva proposta por Schön (1992) nesse tempo/espaço.

Cursista Z.: Boa noite, Profª M. Tinha colocado um título, mas agora estou pensando em outro. Que é falar das doenças sexualmente transmissível com o tema Aids ou Sífilis. O que você acha?Me envia uma sugestão.Obrigada. Tutora M.: Oi Z., tudo bem? Antes de decidirmos um nome, preciso saber se você está atuando na EJA, e qual sua formação. Se você atua na EJA você vai falar de uma experiência sua sobre o tema DSTs? [...] No aguardo de sua resposta para pensarmos juntos a escrita do relato, Abçs

Cursista Z.: Boa tarde,Profª M. Sim, tem pouco tempo, mas atuo na sala da EJA. E na 6ª série da EJA fala sobre as doenças sexualmente transmissíveis DSTs, em especifico a AIDS. E aí, o que você acha? Profª M., outro tema interessante é falar sobre o solo. Estou trabalhando na 8ª série da EJA. Qual dos dois?

Tutora M.: Boa noite Z., os dois assuntos são interessantes. Algum desses temas você já está trabalhando ou já trabalhou? Ou os dois você ainda irá trabalhar? Dentre esses temas, que práticas costuma aplicar, quais são suas metodologias? Como é o seu público no 6º ano? Mais jovens, mais idosos, lembrando que a escolha do tema parte de você, da sua experiência, estou aqui para te apoiar. Faço as perguntas acima, pois a partir delas poderemos definir melhor quais dos dois assuntos trabalhar. E não se preocupe, vai dar tudo certo.

Cursista Z.: Boa tarde Profª M. Já trabalhei e vou trabalhar. No 6ª ano o público é mais jovem e o que vou trabalhar com DSTs, já no 9º ano estou trabalhando com o solo. Mas, cheguei auma conclusão que é melhor falar da AIDS, tenho mais conhecimento. Uso vídeos, documentário, aula expositiva com os meios de prevenção e orientação sobre a doença e as formas de transmissão.

Tutora M.: Z., acho ótimo, Quanto antes conseguir realizar essas aulas melhor, pois assim teremos mais tempo para a escrita. Seria legal se você aplica-se um questionário antes e depois com perguntas sobre DSTs e Aids, o que acha? Não precisa ser grande não, umas 4 está ótimo. Vou separar alguns materiais para te auxiliar na escrita do relato. Abraços.

Cursista Z.: Bom dia, Profª M. Esse questionário é obrigatório.Ou é opcional, não é norma do trabalho. Não entendi qual o objetivo desse questionário. Tutora M.: Bom dia Z., não é obrigatório não. Foi apenas uma sugestão. O objetivo é comparar o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema ao conhecimento que obtiveram após a aula. Outra forma de fazer isso, não precisaria de questionário, você faria as perguntas durante a aula mesmo, e anotaria as respostas dos alunos. Essas respostas ou falas poderiam entrar na escrita do relato, evidenciando a importância de se trabalhar com o tema escolhido. Mas são apenas sugestões, estou aqui para te apoiar. Não sei se fui clara, pode perguntar quantas vezes precisar, um forte abraço

Cursista Z.: Bom dia, profa. M. Gostaria de saber se quando for dar a aula preciso filmar e tirar fotos.Vou dar a aula usando duas aulas, com palestra e vídeos, panfleto distribuição de preservativo.O que você acha?

Tutora M.: Bom dia Z., muito legal seu planejamento, acho bom tirar fotos, mas como são menores de idade, tire fotos sem pegar o rosto deles, tire fotos do fundo da sala pegando eles de costas, as que pegarem o roto deles se formos usar a gente desfoca o rosto. Fotografe também o material que irá entregar como os panfletos e camisinha. Você vai fazer as perguntas antes e depois? Quando vai aplicar as aulas? Um abraço

Cursista Z.: Boa tarde, profa. M. Pois é, gostaria que você me orientasse como começar a aula, falando um pouco sobre a doença, e essas perguntas como são?Elaborada sobre o tema, antes ou depois. Como vai ter uma palestrante não posso falar muito.Vou deixar para passar um filme por último, o que acha.

Cursista Z.: Bom dia, profa. M. Dei minha aula ontem, agora já posso começar escrever o relato.

Tutora M.: Boa tarde Z., me perdoe por não ter te respondido antes[...] Pode começar a escrever, sim, e vai me enviando para fazermos juntas. Um forte abraço.

Tutora M.: Oi Z., pensei no seu trabalho e acho importante falar sobre a saúde como um tema transversal e também usar como teórico de referência Paulo Freire e sua proposta de educação problematizadora. Ou seja, que parte de temas presentes no cotidiano dos alunos. O que acha? Já conseguiu escrever algo. Bjs

É importante destacar nesta descrição verbal dialógica que a reflexão-na-ação acontece por meio da mediação entre tutora e cursista indicando que as técnicas da escrita científica, as metodologias, conteúdos e a prática pedagógica encontram-se

em uma relação de indissociação. Isto se evidencia quando na descrição abaixo a tutora faz várias perguntas com a intenção de levar a cursista a refletir sobre sua experiência com os conteúdos da ciência que pretende trabalhar.

Tutora M.: [...] algum desses temas você já está trabalhando ou já trabalhou? Ou os dois você ainda irá trabalhar? Dentre esses temas que práticas costuma aplicar, quais são suas metodologias? Como é o seu público no 6º ano? Mais jovens, mais idosos, lembrando que a escolha do tema parte de você, da sua experiência, estou aqui para te apoiar [...]

Durante o diálogo, ambas fazem menção às teorias/metodologias/conteúdos e à ação prática da professora cursista a ser planejada e executada em sua sala de aula da EJA. Observa-se a aptidão e a espontaneidade das professoras na comunicação, não existem soluções teóricas prontas, elas são criadas por meio da discussão do problema em torno do tema da pesquisa e planejamento da aula da professora cursista. Ao refletir e responder as perguntas da tutora, a cursista concluiu:

Cursista Z.: Já trabalhei e vou trabalhar,no 6ª ano, o público é mais jovem é o que vou trabalhar com DSTs, já no 9º ano estou trabalhando com o solo. Mas cheguei há uma conclusão que é melhor falar da AIDS, tenho mais conhecimento. Uso vídeos, documentário, aula expositiva com os meios de prevenção e orientação sobre a doença e as formas de transmissão.

O conhecimento durante a ação é ativo e dinâmico, a tutora M. (re) formula os seus questionamentos na ação, sem contudo indicar uma resposta fechada; a professora cursista está livre para criar suas estratégias e seu caminho. A tutora fez intervenções levando a professora cursista a refletir sobre seu público-alvo, que são os alunos da EJA, os conteúdos e as metodologias a serem trabalhadas no planejamento da aula que foram a base para a construção de seu relato de experiência. Dessa forma, a tutora M., no decorrer do diálogo virtual, estimula e reformula as sugestões e questionamentos, refletindo e conduzindo também a aluna cursista a refletir sobre sua construção. Observem mais alguns trechos do diálogo em que isso ocorre:

Tutora M.: Seria legal se você aplicasse um questionário antes e depois com perguntas sobre DSTs e Aids, o que acha? Não precisa ser grande não, umas 4 está ótimo. Vou separar alguns materiais para te auxiliar na escrita do relato.

[...]

Tutora M.: No seu trabalho e acho importante falar sobre a saúde como um tema transversal e também usar como teórico de referência Paulo Freire e sua proposta de educação problematizadora. Ou seja, que parte de temas presentes no cotidiano dos alunos. O que acha?

De acordo com Schön (2000), essa metodologia de abordagem, questionamento e diálogo que conduz à reflexão na ação pode também variar de acordo com o perfil do aluno.

Da mesma forma que o instrutor pode variar sua estratégia de descrição, dependendo da leitura que um estudante específico faz naquele momento ele também pode variar a maneira como dá a descrição. Ele pode tratar o aluno com gentileza e através de mensagens indiretas, mal sugerindo questões que exigem mudança; com outro, ele pode ser direto e desafiador (SCHÖN, 2000 p. 90).

Nesse sentido, é notável a paciência e a gentileza com que a tutora interage com a professora cursista, explicando cada passo da pesquisa, deixando-a livre para decidir seu caminho. Com perguntas descritivas, a tutora dialoga e orienta a aprendizagem sem que os conteúdos e metodologias científicas sejam minimizados na ação da prática reflexiva.

No caso da reflexão no decurso da ação prática, como aconteceu na situação de interação entre a tutora M. e a cursista Z., com alguns instantes de distanciamento, reformulam-se os questionamentos/descrições enquanto acontece a interação comunicativa pelo diálogo, levando as interlocutoras à reflexão na ação.