• Nenhum resultado encontrado

A tecnologia da confissão: poder, verdade e sujeito

4 CIÊNCIAS HUMANAS: A SOCIOGÊNESE DA

5.5 A tecnologia da confissão: poder, verdade e sujeito

A produção da verdade é o vínculo oculto que une dominação e sujeito, e não somente a incorporação das normas e produção de disposições de obediência-docilidade.

Eis aí, mais um importante subsídio e contribuição do qual pode usufruir a sociologia ao assimilar o legado foucaultiano.

Esse vínculo resulta mais claro que analisado nos dispositivos de poder da sexualidade, como bem notou Foucault. Em nossas sociedades, a sexualidade é um dos âmbitos fundamentais em que se definiria a identidade do sujeito. Ela guardaria as chaves para acessar a “verdade” do sujeito. Por isso, diz Foucault: “a sexualidade, no Ocidente, não é o que se cala, não é o que se é obrigado a calar, mas é o que se é obrigado a revelar” (FOUCAULT, 2002b p. 213).

A despeito de toda a evidência profícua dessa ideia no cotidiano das sociedades contemporâneas, com uma série de saberes e rituais dedicados a revelar os segredos da sexualidade, tais como a psiquiatria, a psicanálise, a sexologia, a pornografia etc., ela, no entanto, remonta a passados e práticas bem anteriores a Freud, à psicanálise ou ao cinema.

Remonta a um período de reorganização da prática de penitência e do poder do padre no seio do poder eclesiástico nos séculos XII e XIII. A partir desse momento, nos narra Foucault, a confissão das faltas e dos pecados assume a forma de um sistema de interrogação codificado que a torna obrigatória, regular, contínua e exaustiva. Nesse novo sistema da confissão e da penitência, o padre tem os seus poderes ampliados. É a ele, e somente a ele, a quem se deve se confessar; ele será o guia que orientará o ritmo da confissão e proporá o exame de consciência. Passa a ser, ainda, o padre quem estipula as penalidades conforme a natureza dos pecados e segundo o seu arbítrio. É ele, por último, que realiza a mediação para remir os pecados, pois ao padre foi dado o “poder das chaves do reino dos céus” (FOUCAULT, 2002b, p 220-222).

Essa verdadeira colonização da vida interior, dedicada ao relato e a revelação íntima e individual, restrita ao mundo dos monastérios, em seus começos, amplia-se, em sua extensão, e renova-se, em seus procedimentos e exigências, no século XVI, alcançando seminários, conventos, colégios, originando novas funções, como o “diretor de consciência”. Nesse investimento geral do relato e do exame da vida, das faltas e dos pecados na confissão, “todos os comportamentos, todas as condutas, todas as relações com o outro, todos os pensamentos também, todos os prazeres, todas as paixões devem ser filtrados” (FOUCAULT, 2002b, p. 232).

É, em torno desses procedimentos da revelação penitencial e confidente, que se produzirá uma identificação do corpo com a carne, “que fazem surgir, no ponto de junção

da alma com o corpo, o jogo primeiro do desejo e do prazer no espaço do corpo e na raiz mesma da consciência” (FOUCAULT, 2002b, p. 243).

A evolução da pastoral católica e do sacramento da confissão, após o Concílio de Trento e a Contra-Reforma, exprime, de acordo com Foucault, a importância cada vez maior, no exame de si mesmo e na penitência, assumida aos pecados e insinuações da carne: “pensamentos, desejos, imagens voluptuosas, deleites, movimentos simultâneos da alma e do corpo, tudo isso deve entrar, agora, e em detalhe, no jogo da confissão e da direção espiritual” (FOUCAULT, 1988, p. 23).

A pastoral cristã e a tecnologia da confissão constituem a primeira forma de constrição geral em que a tarefa, quase infinita, “de dizer, de se dizer a si mesmo e de dizer a outrem, o mais frequentemente possível, tudo o que possa se relacionar com o jogo dos prazeres, sensações e pensamento inumeráveis que, através da alma e do corpo tenham alguma afinidade com o sexo” se impõe (FOUCAULT, 1988, p. 24).

A inscrição indefinida do sexo na palavra, no relato e no exame da consciência enquanto um dever fundamental para revelar a verdade de si, é uma operação da prática cristã da confissão.

Eis aí, segundo Foucault, as condições de emergência da noção da sexualidade enquanto lócus da verdade do sujeito, da sexualidade como matéria revelável. Noção, que emerge não como ideia na cultura simplesmente ou como um postulado teórico de teólogos, mas derivada de mudanças no exercício do poder. E que mudança é essa?

Em relação às práticas ascéticas do mundo antigo, sublinhará Foucault, a confissão cristã estabelece um tipo de relação do indivíduo com a verdade e consigo mesmo que é profundamente heterônoma, de obediência e renúncia, pois se trata do “exame de si” enquanto meio para revelar a verdade definido pela subordinação a outrem e por uma ação exaustiva e regular frente a outra pessoa – o padre. Dito de outro modo, o que Foucault nos mostra em sua descrição histórica e análise genealógica da confissão é a formação de uma subjetividade sujeitada aos mecanismos de produção e extração da verdade de uma tecnologia de poder de direção de consciência.

O confessor escuta, registra, aconselha, questiona e sentencia. Ele examina e conduz os enunciados, buscando extrair do confessante seus segredos e suas faltas relatadas pelos prazeres, pensamentos conspícuos e atos vergonhosos cometidos. Por último, confronta cada uma das revelações confessadas com os dogmas da Igreja para classificar os pecados cometidos e estabelecer as penitências. Assim, produz-se a verdade

sobre o confessante. A confissão liga o indivíduo a uma relação sujeitada e de sujeição à verdade.

A confissão é uma técnica de poder de direção da consciência cristã mas que se expandiu para novos domínios e práticas, contribuindo para desenvolver um dispositivo complexo de discurso, exame, análise e controle da vida interior dos indivíduos e de sua biografia voltado a produção da verdade do indivíduo. Ela se torna progressivamente uma das principais técnicas de poder para o controle dos corpos e da sociedade em geral. Novos dispositivos e tecnologias para ouvir e decifrar as confissões individuais; consultórios, tribunais, divãs. E novos especialistas: psiquiatras, médicos, advogados, juízes, terapeutas, diretores.

Para Foucault, a tecnologia cristã da confissão está na base de uma série de procedimentos codificados e institucionalizados que desaguará nas práticas psiquiátricas, médicas, jurídicas e psicanalíticas cujo objetivo é exatamente extrair, por meio do relato de si, a revelação da verdade do sujeito, da sua sexualidade, caráter, sanidade, doença, culpa, periculosidade. A confissão sofre uma codificação clínica e penal a partir da qual ela passa a se inscrever também no campo das observações e conclusões científicas, funcionando segundo novas lógicas binárias como o do normal e do patológico.

Desde a Idade Média, a confissão está entre os rituais mais importantes em que se espera a produção da verdade, seja nos poderes religiosos seja nos poderes civis54. A confissão da verdade, dirá Foucault, “se inscreveu no cerne dos procedimentos de individualização pelo poder” (FOUCAULT, 1988, p. 58).

Nas sociedades ocidentais modernas, a autenticação do indivíduo se dá, em grande medida, sob o signo do discurso de verdade que ele é capaz ou obrigado a ter sobre si mesmo: “O homem, no ocidente, se tornou um animal confidente” (FOUCAULT, 1988, p. 59).

As práticas de confissão estabelecem um jogo individualizante entre poder, verdade e sujeito. Um jogo no qual a individualização ocorre em função, não de uma verdade reconhecida, senão de uma relação adquirida e imposta com a verdade através da mediação

54 Por exemplo, na regulamentação do sacramento da penitência pelo Concílio de Latrão em 1215; na justiça

criminal, pelo recuo dos processos acusatórios arbitrários; no desaparecimento das provações de culpa pelo duelo, juramentos ou julgamento de Deus; no desenvolvimento dos métodos de interrogatório e inquérito; na instauração dos Tribunais Inquisitoriais; nos processos penais, na psiquiatria forense, na psicanálise; relações amorosas, relações pedagógicas, nas relações familiares (FOUCAULT, 1988, p. 58-9).

e interpretação por outrem e por relações de poder que produzem e arranca uma verdade interior, secreta e oculta que revela a identidade do sujeito (FOUCAULT, 2008, p. 243).

O que temos nas práticas de confissão, quer religiosas quer judiciarias ou médicas é este vínculo entre dominação e sujeito através da verdade, de dizer o verdadeiro. A confissão revela mais que os pecados, a culpa ou reconhecimento do crime pelo sujeito. Ela é uma decifração psicológica que produz a verdade através de discursos interpretativos, sobre os pensamentos, emoções, comportamento e as vontades do indivíduo. A confissão é uma forma de dominação que persuade o indivíduo com uma promessa e obrigação: de que se ele contar tudo ao poder, ele poderá saber a verdade sobre si mesmo.

Em Vigiar e Punir, por exemplo, Foucault mostra como a entrada do “biográfico” e da investigação das causas profundas do crime a partir do exame do caráter do indivíduo formam as condições para uma prática punitiva em que o psiquiátrico e o penal se entrelaçam: “e aí, em seu ponto de junção forma-se aquela noção de indivíduo ‘perigoso’ que permite estabelecer uma rede de causalidade na escala de uma biografia inteira e estabelecer um veredicto de punição-correção” (FOUCAULT, 2004, p. 211).

De sorte que: “O delinquente se distingue do infrator pelo fato de não ser tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza” (FOUCAULT, 2004, p. 211).

A confissão é, talvez, a tecnologia de poder na qual a questão da relação entre verdade e sujeito pode ser vista de maneira mais contundente. Por isso, sua relevância e a atenção que a ela destacamos. A análise histórica da confissão, de seus deslizamentos para domínios extra-religiosos, forneceu a Foucault a compreensão e lhe permitiu apreender os diferentes modos pelos quais o sujeito adentra e se enreda nos jogos de verdade, quer estejam eles referidos ao jogo das observações e categorizações científicas, quer encontrem-se no interior de instituições ou práticas de controle.

Nesses jogos de verdade, por intermédio de discursos de poder, tais como a psiquiatria, criminologia, assistência social, e outros tantos, o indivíduo é submetido, preso e constituído em identidades impostas e construídas sob o prisma da patologia, do desvio, da anormalidade. Não é por acaso que os estudos em gênero e sexualidade, especialmente aqueles dedicados a investigar os diferentes modos de viver e recriar os gêneros, como a transexualidade, encontram em Foucault ferramentas críticas para enfrentar às injunções normativas e patologizantes em querem encerrar as pessoas trans como vítimas de “transtornos de gênero”.

Os discursos de poder e verdade não são necessariamente formas de punição e interdição; são práticas que visam regular e constituir aquilo que os indivíduos são, podem ser ou serão, etiquetando e organizando o universo de suas possíveis desordens, transtornos, patologias, desvios, incongruências com a norma. Uma sociologia crítica da construção social do desvio tem muito que aprender e utilizar com Foucault.

A originalidade e a fecundidade crítica do pensamento de Foucault residem, em boa medida, nesse aspecto que seus conceitos e perspectiva permitem desvelar das relações de dominação – o enlace de poder entre os discursos científicos, verdade e sujeito.

A produção da verdade e a constituição do sujeito, analisadas em função da correlação entre saber e poder em práticas históricas concretas. Se esta pode, talvez, não ser uma síntese do pensamento foucaultiano, pode ser sim, uma síntese do modo pelo qual Foucault pensa e aborda as formas de dominação, em particular nas sociedades modernas.

A principal preocupação foucaultiana, quanto ao exercício da dominação, tal como definimos nesse trabalho, reside em saber como se articulam sobre um determinado campo das relações humanas e sobre o corpo, discursos de poder com efeitos de verdade capazes de constituir este campo, torná-lo aceitável em suas categorias e procedimentos, e objetivar formas específicas de sujeitos presos a relações de sujeição com seu corpo, sua identidade e com a verdade dita, diagnosticada, registrada por outrem.

A análise dos sistemas de saber e das práticas de poder revelam os nexos entre poder, verdade e sujeito. Em outras palavras, Foucault se interessa em compreender as formas de dominação a partir das relações entre as formas de conhecimento, o exercício de poder e a produção da verdade sobre um determinado campo de experiência constituinte de formas sujeitadas de subjetividade.

EXCURSO 1

CONTRIBUIÇÕES E LIMITES DA GENEALOGIA FOUCAULTIANA PARA UMA HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA

“O problema número da ciência social moderna foi, desde o início, a própria modernidade”.

Charles Taylor, 2010, p. 11.

A sociologia é um campo discursivo, formado não apenas por teorias, conceitos e categorias científicas especializadas, mas igualmente por pressuposições gerais inarticuladas cujo caráter transcende o domínio dos valores e das regras estritamente vinculadas à prática científica. Com efeito, ela não habita simplesmente um continuum lógico-formal esvaziado de a priori culturais, ideológicos, filosóficos e metafísicos. A sociologia, e suas generalizações teóricas e conhecimento empírico, existe, também, referida a um horizonte de sentido prévio em referências as quais os seus esquemas analíticos e proposições ganham significado, segundo determinadas concepções tácitas sobre a natureza da ação humana, da ordem social, da história, entre outras mais (ALEXANDER, 1987).

Nesse sentido, muitos são os esforços, e de diversas maneiras, para articular as condições de possibilidade, o pano de fundo de valores e as narrativas políticas e filosóficas em que a sociologia surge e se desenvolve. O debate em torno das pré- condições da sociologia é antigo e recorrente na disciplina; há quem a conceba como herdeira do Iluminismo e do liberalismo Ilustrado (ARON, 2008; SEIDMAN, 1983), enquanto outros, como Robert Nisbet e Alvin Gouldner a concebem como o rebento rebelde da Ilustração contra a mentalidade clássica e o racionalismo individualista, ou seja, como fruto do Romantismo e das tradições conservadoras de pensamento (NISBET, 1969; GOULDNER, 1973).

Num trabalho formidável e instigante sobre o florescimento dessa disciplina na Alemanha, França e Inglaterra, Wolf Lepenies (1996) estudou as profundas ambivalências das origens intelectuais e culturais da sociologia, perseguindo o enredo de suas disputas e proximidades com as tradições artísticas e literárias nacionais assim como os embates entre sociólogos e as elites intelectuais.

Num caminho semelhante ao percorrido anos depois por Lepenies, o sociólogo Alvin Gouldner (1973) aborda o nascimento e o desenvolvimento da sociologia numa perspectiva que ressalta o enfrentamento de dois imaginários sociais modernos. Em outras palavras, de acordo com Gouldner, a sociologia forma-se e debate-se entre uma concepção iluminista do moderno e uma concepção romântica do moderno (GOULDNER, 1973).

O certo é que as tensões e as concepções simbólicas que marcaram e definiram os movimentos culturais e filosóficos da cena intelectual europeia nos séculos XVIII e XIX são parte essencial das raízes da sociologia enquanto forma de conhecimento. Elas integram o corpo de tradições de ideias e crenças que formaram e estruturam ainda hoje a imaginação conceitual da sociologia e suas grandes linhas divisoras. São, com efeito, bem mais do que meras pré-condições históricas para o desenvolvimento desta ciência da ação e dos fenômenos sociais. Esse corpus de ideias, práticas sociais e crenças compartilhadas, presente nos imaginários sociais iluminista e romântico constituem dimensões inarticuladas do campo discursivo da sociologia, são “estruturas profundas”, diria Alvin Gouldner (1973), para as quais ainda não se tem dedicado à devida atenção no que diz respeito ao seu peso na configuração e alimentação dos esquemas cognitivos e metodológicos e das premissas normativas das diferentes formas de praticar sociologia e de pensar sociologicamente (GOULDNER, 1973).

Em comum na maior parte desses estudos temos a ideia de que as raízes da emergência da disciplina devem ser buscadas na análise dos repertórios culturais e ou dos imaginários sociais a partir dos quais a sociologia floresceu. Em que pese o acento na estratificação social no trabalho de Gouldner e a atenção às disputas e lutas no campo intelectual no trabalho de Lepenies, todos eles conduzem suas reflexões e investigações da história da sociologia enfatizando o pano de fundo cultural e seus efeitos.

Ao nos debruçamos sobre a genealogia das ciências humanas levada a cabo por Michel Foucault em diferentes obras, nos deparamos com outra possibilidade de abordagem do problema das pré-condições de aparecimento e desenvolvimento da sociologia. Mais ainda: a possibilidade de uma história diferente do advento da sociologia. Não se trata da análise histórica e sociológica dos imaginários, repertórios culturais e tradições de pensamento que a possibilitaram e a constituíram como forma de conhecimento do mundo social, mas a análise histórica dos mecanismos de poder, das instituições e da racionalidade política que presidiram seu aparecimento como forma de saber.

De antemão, diga-se, de modo algum se trata de desmerecer trabalhos de profunda erudição, como os citados no início do capítulo. Trata-se, com efeito, de propor e discutir como a genealogia das ciências humanas elaborada por Foucault pode ser uma importante via para articular outras “dimensões inarticuladas” na sociogêneseda disciplina, insistindo que esta pode ser uma das primeiras e grandes contribuições que o pensamento e a obra do filósofo francês podem oferecer e aportar para a sociologia.

A sociologia em particular é, muito claramente, uma filha das intervenções biopolíticas no corpo social das sociedades modernas. Sua dívida histórica diante dasestimativas estatísticas, das enquetes e levantamentos sociais e higienistas sobre os fenômenos de população no decorrer do século XIX, mais particularmente sobre as condições de vida e a moralidade das classes populares, a influência das teorias biológicas da evolução, o papel da atuação de médicos sanitaristas e das preocupações humanistas de reformistas sociais sobre os rumos da ordem social moderna e das formas de “curar” e “estabilizar” suas contradições na formação da sociologia, testemunham a favor do papel imprescindível que o biopoder teve para sua gênese55.

Em continuidade, se cotejarmos também as primeiras definições da sociologia como “estudo científico da sociedade industrial moderna”, sua ênfase em conceitos como ordem, anomia, crise, integração, função, normal e o patológico, a defesa do papel das normas, as pressuposições organicistas de alguns de seus modelos analíticos, seus interesses sobre a questão social, a dominação, a burocracia, as condições de vida das classes populares, as relações sociais nas fábricas, os fatores envolvidos nas variações das taxas de crime, suicídio e divórcio, entre tantos outros, resulta mais evidente a força de sua ligação histórica com as estratégias biopolíticas descritas por Foucault.

Isso não significa uma condenação moral da sociologia pelos supostos pecados de suas origens. Menos ainda, reduzi-la à condição de mera técnica de saber à serviço da administração política e normalizadora dos fenômenos de população. Antes e fundamentalmente, significa que a sociologia, assim como as outras ciências do homem, é inseparável das relações de poder que a tornam possível e das práticas sociais e políticas que, em sua positividade, são capazes de suscitar formas de conhecimentos e saberes com um certo grau de força e rigor epistemológicos.

55

Para maiores detalhes da história do nascimento da sociologia e de sua ligação com as práticas de saber e poder destacadas no parágrafo, ver: BOTTOMORE, Tom. Introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.

Ora, o que a genealogia das ciências humanas empreendida por Foucault revela são os fundamentos políticos da sociogênese das ciências humanas. Dito de outro modo, como o seu surgimento está relacionado com mudanças mais amplas na economia do poder e na invenção sorrateira de mecanismos concretos de poder exercido sobre os indivíduos. É uma leitura, em nossa avaliação, radicalmente alternativa e crítica do que as leituras que se restringem a discutir seus fundamentos filosóficos ou enfatizam, no advento dos saberes do homem, apenas o nível dos conceitos, dos objetos teóricos, dos métodos como que se tratasse da história de um desenvolvimento linear e aperfeiçoador da racionalidade das ideais, conceitos e das mentalidades. A genealogia não faz da história das disciplinas uma sucessão encadeada de ideias que geram a outras ideias, mas a acossa a partir das práticas sociais e relações de poder.

Com Foucault, aprendemos que a história da formação das ciências humanas deve ser buscada não nas próprias ciências humanas, em suas teorias, senão no grande esforço de disciplinarização e normalização dos comportamentos, gestos, condutas e corpos que teve lugar nos séculos XVIII e XIX. Portanto, numa configuração sociopolítica de um