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2 DOMINAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

3.3 Foucault e o conhecimento

Discípulo de historiadores e epistemólogos da ciência, o conhecimento como objeto de reflexão e pesquisa constitui, invariavelmente, uma questão importante no pensamento de Foucault. A história das disciplinas científicas é um dos pilares de sua formação e horizonte intelectual. Porém, mais do que constatar a importância da história e filosofia das ciências na formação e na obra de Foucault, é preciso compreender como Foucault trabalha

o tema do conhecimento e do saber e o que o impele em direção a sua história. Esta é a chave analítica para adentrarmos no tema das relações entre saber e dominação.

O tema do conhecimento atravessa toda a obra de Foucault, seja no âmbito das formações discursivas nos deslocamentos e transformações dos conceitos e enunciados na história de uma disciplina ou ciência, seja no seu papel nas práticas de poder não- discursivas e, por último, em sua dimensão de ascese como “transformação de si”. De

História da Loucura passando pelas As Palavras e as Coisas até O uso dos prazeres, do

Foucault arqueológico, ao Foucault da analítica do poder e da ética, lá está a questão do conhecimento. Sob diferentes registros, Foucault jamais deixou de se ver com o problema do conhecimento, suas regras, seus efeitos e seus limites.

Assim como no capítulo anterior, enfatizaremos o tratamento e a abordagem foucaultiana do conhecimento nos marcos de sua genealogia do poder. Com isso, os aspectos mais formais e epistemológicos do período arqueológico e a dimensão de ascese que o último e derradeiro Foucault atribuíra ao conhecimento permanecerão em segundo plano, pois o nosso propósito nesse capítulo é pensar as relações entre conhecimento e exercício da dominação em seu pensamento com a finalidade de ponderar analiticamente o teor de sua contribuição e diferença em relação à sociologia.

Em primeiro lugar, urge destacar que seu interesse histórico e filosófico pela história das ciências não se orienta pela questão de avaliar o grau de verdade e falsidade nem de aferir o rigor de satisfação dos critérios epistemológicos e metodológicos de validez que definiriam se elas são ou não ciências ou o grau de verdade de suas proposições. Nesse sentido, sua problematização dos saberes não se rege por uma análise da gramática interna dos conceitos, dos pressupostos teóricos ou de uma história do aperfeiçoamento e maturação dos instrumentos racionais de conhecimento de uma dada disciplina ou forma de conhecimento.

Ao contrário dos epistemólogos mais robustos e dos historiadores da ciência, Foucault volta-se para disciplinas cujo perfil e a composição são epistemologicamente mais débeis, menos homogêneas e formalizadas, tais como a psicopatologia, a psiquiatria, a antropologia criminal, a pedagogia, a sexologia, a psicanálise, a administração, a sociologia.

Foucault, portanto, não pratica uma “analítica da verdade”, quer dizer não pertence à tradição filosófica desdobrada de Kant que se pergunta sob que condições um conhecimento verdadeiro é possível. Sua filiação teórica está do lado de outra tradição de

pensamento crítico37, igualmente desdobrada do autor da Crítica da Razão Pura, segundo a leitura de Foucault. Nesta tradição, a interrogação sobre o saber se dirige aos limites, processos e acontecimentos que definem nossa atualidade. Em vez de uma “analítica da verdade em geral” Foucault pratica uma “ontologia histórica de nós mesmos” (FOUCAULT, 2011 p. 268).

Para além da questão de como o conhecimento e o saber relacionam-se com o projeto filosófico de Foucault de uma “ontologia de nós mesmos”, é preciso situar, mais especificamente, o estatuto teórico e a concepção de conhecimento em sua obra, em especial, como já dito, dentro da analítica dos poderes e os escritos genealógicos.

3.4 Conhecimento, discurso e poder

Para dar conta, da concepção de conhecimento no pensamento de Foucault, dois textos são fundamentais: A ordem do discurso, sua aula inaugural no Collége de France em 1970 e as conferências reunidas em A verdade e as formas jurídicas de 1973. No tocante ao conhecimento, Foucault manifesta nesses textos uma dupla ruptura, que nos incumbiremos de discutir. No primeiro, o que chamaremos de ruptura com o “ideal escolástico”, quer dizer, a crença do conhecimento enquanto um exercício livre de constrangimentos, e, no segundo, ruptura com a “ilusão humanista”, ou seja, do conhecimento como libertação ou desvinculado do poder.

No conjunto da obra de Foucault, A ordem do discurso (1996) representa bem mais do que o cumprimento celebratório de um ritual acadêmico. Nesse texto, Foucault exprime o giro metodológico que colocará entre parênteses a primazia do campo discursivo, rearticulando-o no campo do poder, das práticas não-discursivas. As linhas teóricas de investigação dos próximos livros, Vigiar e Punir e A Vontade de saber já estão ali traçadas, de sorte que, ao contrário dos livros anteriores, as condições de possibilidade do discurso serão procuradas bem mais nas práticas de poder do que nas regras de formação dos enunciados. O “kantismo histórico” foucaultiano, na expressão de Paul Veyne se tornará mais e mais materialista.

O objeto da aula inaugural no Collège de France não poderia ser mais adequado: uma poderosa reflexão sobre os constrangimentos discursivos, institucionais e rituais que

37 Nessa tradição e modo de interrogar o presente, além de inscrever o seu próprio trabalho, Foucault

reconhece como seus representantes autores como Hegel, Nietzsche, Max Weber e a Escola de Frankfurt (FOUCAULT, 2011, p. 268).

restringem o discurso, a palavra escrita ou falada, entre os quais, certamente, um rito de investidura, como uma aula inaugural, é um deles. Anos mais tarde, não custa mencionar, Pierre Bourdieu no mesmo Collège de France e sob o mesmo rito de investidura e consagração acadêmica, põe em prática um similar exercício de reflexividade, “um discurso que reflete a si mesmo no ato de discurso” (BOURDIEU, 2001, p. 4).

Em vez da ideia do conhecimento como uma atividade livre, um exercício intelectual que o homem exerce em função de suas próprias faculdades sem nenhum constrangimento, Foucault adverte, ao contrário, a ideia de que o conhecimento é algo perigoso. Sob ele existem “poderes e perigos que mal se imaginam” (FOUCAULT, 1996, p. 8).

Por isso, o discurso está investido e cercado por mecanismos e procedimentos que o controlam em sua produção, enunciação e circulação. A ilusão do “ideal escolástico” da liberdade do conhecimento, Foucault contrapõe com a afirmação de que em toda sociedade: “[...] a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, 1996, p. 8-9).

E que mecanismos e procedimentos são esses que pesam sobre o conhecimento e o discurso? São de vários tipos, internos e externos aos próprios discursos. Os controles internos forçam a circulação dos enunciados e sua capacidade de irrupção e ruptura como singularidade, classificando-os e ordenando-os em sua distribuição e aparição; são as técnicas do comentário, a instância da autoria e a demarcação de fronteiras disciplinares artificiais sobre os discursos. Os controles externos conectam-se, por seu turno, à operações institucionais de exclusão, interdição, silenciamento e separação dos discursos, como no caso da desqualificação do discurso do louco, o tabu sobre as práticas sexuais e a repartição de discursos entre verdadeiros e falsos, científicos e não-científicos (FOUCAULT, 1996).

Os discursos não flutuam nem são emitidos num vazio de determinações. O conhecimento, com efeito, não existe fora do mundo material. Ele está inscrito e é tecido em condições sociais e políticas em vez de constituir uma espécie de bem imaterial ou transcendental de que os indivíduos dispõem pelo uso de suas faculdades cognitivas ou pelo livre acesso ao acervo da memória social e tradição de uma sociedade e cultura. Assim como os discursos e a linguagem, para Foucault, o conhecimento é, também, uma

realidade material que existe integrado a uma maquinaria de coerções e pressões que atua e pesa coercitivamente sobre ele sob a forma de critérios, regras, normas, expectativas, prescrições, técnicas que visam, em nossa sociedade, introduzi-lo no jogo entre o verdadeiro e o falso. A esse propósito, afirma Foucault:

Certamente, se nos situamos no nível de uma proposição, no interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos situamos em outra

escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através

de nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de

nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o tipo de separação que rege

nossa vontade de saber, então é talvez algo como um sistema de exclusão-

sistema histórico, institucionalmente constrangedor - que vemos desenhar-se (FOUCAULT, 1996, p. 14).

Em vez do conhecimento como livre faculdade e expressão de uma subjetividade individual, o conhecimento está atado a procedimentos de controle, integrado à condições sociais, institucionais e políticas; ao invés do “ideal escolástico”, a vontade de verdade. Com efeito, de acordo com Foucault, não é o conhecimento que se dirige até a verdade, mas a vontade de verdade que verga os conhecimentos e os discursos. Os controles e a vontade de verdade são lastreadas institucionalmente, com todo o poder de coerção e imposição que instituições como universidades, laboratórios, sistemas de livros e edição, bibliotecas possuem em sociedades como a nossa. Nesse sentido, a vontade de verdade, institucionalmente apoiada, é um sistema de coerção que impõe limites e regras arbitrárias em função das quais os discursos são selecionados e excluídos, obrigando-os para existirem plenamente, para circularem ou para terem simplesmente valor social a se adaptarem e a se regerem pelas regras e procedimentos que distinguem o verdadeiro do falso, esta distinção que, segundo Foucault, desde Platão, dita e rege a “forma geral de nossa vontade de saber” (FOUCAULT, 1996, p. 16).

À título de exemplo acerca do poder de coerção dessa vontade de verdade, Foucault menciona alguns casos e demonstrações; como a literatura ocidental, que teve de buscar, durante séculos, como caução para sua própria legitimidade na ordem do discurso, o discurso verdadeiro da ciência, isto é, no modelo de suas proposições referidas à realidade, ao natural e ao verossímil. As práticas econômicas que, desde o século XVI, foram pouco a pouco cedendo o passo da codificação moral em termos de preceitos e receitas facultativas acerca do como agir e proceder para fundamentarem-se, cada vez mais, numa teoria das riquezas e da produção. Ou ainda, o sistema penal e seu suporte numa teoria do direito e,

em seguida, a partir do século XIX, que passa se reger por discursos sociológicos, psicológicos, médicos e psiquiátricos com pretensões científicas e de verdade, como se - reflete Foucault - “a própria palavra da lei não pudesse ser autorizada, em nossa sociedade, senão por um discurso de verdade” (FOUCAULT, 1996, p. 18-9).

Toda a evidência empírica desse sistema de coerções e controles, dessa vontade de verdade, no entanto, não bloqueia os efeitos do “ideal escolástico”. De fato, essa vontade de verdade que se impõe em nossa sociedade e cultura há séculos o integra, pois “o discurso verdadeiro, que a necessidade de sua forma liberta do desejo e liberada do poder, não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa” (FOUCAULT, 1996, p. 20).

Ora, a vontade de verdade possui os seus ardis ideológicos, de sorte que, nos diz Foucault:

Assim, só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria riqueza, fecundidade, força doce e insidiosamente universal. E ignoramos, em contrapartida, a vontade de verdade como prodigiosa maquinaria destinada a excluir todos aqueles que, ponto por ponto, em nossa história, procuram contornar essa vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade [...] (FOUCAULT, 1996, p. 20).

Discurso e conhecimento são qualquer coisa, menos atividades e faculdades livres. Portanto, longe das teorias do discurso que caem no “ideal escolástico”, ao estilo da teoria da ação comunicativa habermasiana, em que o discurso racional e o conhecimento são meios intersubjetivos para a reconciliação dos homens através da formação de consensos e da busca por ações e contextos comunicativos não-distorcidos, Foucault acentua o caráter de violência, controle e poder exercido sobre os homens com e por meio do discurso.

O que Foucault nos ensina aqui é que o conhecimento e o discurso não existem à revelia ou distantes do poder, quer dizer, das estratégias políticas de dominar e conduzir as condutas humanas por meio da legitimação, controle e distribuição desigual dos conhecimentos. Ao contrário de Habermas, o discurso, entendido como diálogo e comunicação no filósofo e sociólogo alemão, não é de modo algum para Foucault o meio pelo qual a humanidade desenvolve-se na história em sua aspiração pela maioridade e autonomia, mas antes o que “traduz as lutas ou sistemas de dominação”. Mais ainda, o discurso é “aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar” (FOUCAULT, 1996, p. 10).

Este último ponto é particularmente mais bem desenvolvido em A verdade e as

formas jurídicas (2005b). Nessas conferências, Foucault esclarece sua perspectiva sobre a

natureza do conhecimento, demarcando as devidas distâncias que mantém com respeito às concepções que o tomam no sentido de uma faculdade natural do homem ou que pressupõem um sujeito, uma consciência a que as condições econômicas de existência vem se depositar para deformá-la ou libertá-la.

Em poucos textos de Foucault, Nietzsche é tão explicitamente mencionado e utilizado como nas conferências A verdade e as formas jurídicas38. As linhas mestras da genealogia do poder, as quais Foucault extrai dos escritos genealógicos do filósofo alemão, reluzem fortemente nessas conferências: o uso intempestivo da história contra a pesquisa da “origem” e as pretensões de identidade e universalidade da metafísica para justificar a ordem atual das coisas; o impulso anti-teleológico a favor da descontinuidade, do acaso, dos acontecimentos; a ênfase no corpo como superfície de inscrição da história e na luta ininterrupta entre as forças e os sistemas de dominação; recusa dos universais antropológicos e das constantes transhistóricas; e a interpretação como exercício cético de suspeita sobre os discursos e sentidos herdados mostrando-os como o produto de apropriações, violências, conquistas disfarçadas, imposições (FOUCAULT, 1979b).

Foucault segue os passos de Nietzsche, em particular o escrito póstumo Sobre

verdade e mentira no sentido extramoral e o livro A Gaia Ciência, no quais o

conhecimento é concebido como uma invenção astuta de animais inteligentes para sua própria autoconservação e cujo objetivo não é senão produzir dissimulações e dominar as coisas por sua imposição a uma ordem de relações e classificações arbitrárias. Portanto, nada de faculdade natural, estrutura universal ou relação de afinidade entre o conhecer e o mundo. O conhecimento, diz Foucault, interpretando Nietzsche, é relação de força, de luta e ímpeto de dominação: “É contra um mundo sem ordem, sem encadeamento, sem formas, sem beleza, sem sabedoria, sem harmonia, sem lei, que o conhecimento tem de lutar” (FOUCAULT, 2005b, p. 18).

Ora, sustentando-se em Nietzsche, Foucault rompe com o caráter natural do conhecimento e sua ligação harmônica e correspondente com o mundo das coisas como propensão do homem ao conhecer e à verdade. Ao contrário, o filósofo francês enfatiza precisamente o seu caráter histórico e a vontade de poder que define suas relações com as

38Somente encontrando paralelo com “Nietzsche, a genealogia e a história”. Para maiores detalhes ver:

FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história”. In Microfísica do poder. Rio de Janeiro. Graal, 1979, p. 15-38.

coisas e com os homens. Diz Foucault: “o conhecimento é sempre uma certa relação estratégica em que o homem se encontra situado” (FOUCAULT, 2005b, p. 25).

Seguramente, se o conhecimento tem a ver com a história, então, para compreendê- lo e abordá-lo em sua raiz, deve-se inscrevê-lo historicamente no mundo dos homens, em suas relações de forças, nas lutas travadas em torno de seus interesses e nos espaços estratégicos em que sua criatividade exerce-se. Em outras palavras, provoca Foucault, devemos nos aproximar e seguir não os filósofos e suas ideias e seu modo de vida ascético, mas dos políticos, devemos compreender quais são as relações de luta e de poder. Prossegue Foucault: “E é somente nessas relações de luta e de poder – na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que consiste o conhecimento” (FOUCAULT, 2005b, p.23).

Historicizar o conhecimento significa perguntar mais pelo porquê do aparecimento de determinadas formas de conhecimento do que sobre o que é o conhecimento ou sobre seus critérios de validade. As condições de possibilidade que interessam ao filósofo francês não consistem nas pré-condições das estruturas formais dos conhecimentos ou na evolução de sua coerência lógica interna. O conhecimento não habita um território puro e exterior em relação ao social. Por isso, importam as pré-condições que fazem o aparecimento dos conhecimentos um acontecimento interpretável em termos das interações entre saber e poderes específicos e entre interesses e funcionalidades política e social a que se conectam no processo mesmo de sua formação, institucionalização e difusão. Dito de outro modo, em vez das condições lógicas e racionais para o desenvolvimento de novas categorias de pensamento as interrogações a propósito do para que servem e a quem servem a invenção dessas categorias, quais foram as práticas sociais e as instituições que, como agentes de seu nascimento, atuaram também para legitimá-lo e difundi-lo, que transformações e descontinuidades elas desdobram, a que processos sociais e históricos elas estão integradas. Em suma, Foucault politiza e historiciza o a priori transcendental kantiano.

Nesse sentido, a “ilusão humanista” 39, que remonta à filosofia platônica, que desvinculara conhecimento e poder é despedaçada. Foucault rejeita a ideia de que o

39

Para Foucault, a separação entre saber e poder é um equívoco do humanismo moderno. Numa entrevista, arremata Foucault contra o humanismo moderno: “não se trata de sonhar com um momento em que o saber não dependeria mais do poder, o que seria uma maneira de reproduzir, sob forma utópica, o mesmo humanismo. Não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber não engendre poder” (FOUCAULT, 1979b p.142).

conhecimento seja um campo totalmente autônomo, como o concebem as análises positivistas.

Saber e poder estão integrados por seus efeitos recíprocos um sobre o outro. Nas relações humanas, o que vige é uma “perpétua articulação do poder com o saber e do saber com o poder” (FOUCAULT, 1979c, 141).

Dessa maneira, a análise genealógica das formas de conhecimento não visa outra coisa senão descrever e estudar empiricamente o funcionamento das relações de poder e do saber em espaços sociais e institucionais e em momentos históricos específicos. Portanto, a genealogia não é uma grande teoria ou sistema filosófico, mas é conduzida e orientada por investigações empíricas social e historicamente delimitadas.

A tarefa da genealogia consiste numa crítica dos efeitos de poder, portanto, efeitos de dominação, dos saberes científicos:

Não tanto contra os conteúdos, os métodos ou conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição, sobretudo e acima de tudo contra os efeitos centralizadores de poder que são vinculados a instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado no interior de uma sociedade como a nossa. [...]. Exatamente contra os efeitos de poder próprios de um discurso considerado científico que a genealogia deve travar o combate (FOUCAULT, 1999, p. 14).

Com efeito, o conhecimento importa para Foucault, no âmbito da analítica do poder, ressalte-se, mais uma vez, pelo seu caráter bélico e estratégico nos enfrentamentos, conflitos e estratégias que definem e constituem as relações de poder. Ao contrário de Giddens, o conhecimento não é simplesmente uma propriedade hermenêutica e intersubjetiva que pré-constrói o mundo social sem vínculos e raízes com relações de forças, imposições e vitórias. Se Foucault concorda que o conhecimento constrói o mundo, isto é, que o homem por meio do conhecimento e da linguagem arma para si um mundo com designações, pressuposições tácitas, formas, sentidos, convenções compartilhadas, somente o aceita na condição de enraizamos esta construção da realidade pelo conhecimento não no próprio conhecimento ou na linguagem mas nas relações de poder e nas lutas que movem os homens e nas quais eles estão enredados.

Conhecimento e linguagem são âmbitos da vida social, concordaria Foucault com a maior parte dos sociólogos. Mas acrescentaria o filósofo: são forças inscritas e ancoradas institucionalmente e em processos históricos singulares que expressam relações de poder