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Capítulo 3 – Tornar-se adolescente

1. Desenvolvimento cognitivo e psicossocial

1.1. A teoria da aprendizagem de Jean Piaget

Na procura da compreensão acerca do desenvolvimento humano, Jean Piaget (1896- 1980) elaborou uma teoria na qual procurou explicar o desenvolvimento cognitivo do ser humano ao longo da vida não o separando do desenvolvimento emocional. A cognição corresponde ao “processo através do qual o indivíduo em desenvolvimento torna-se consciente do mundo e dos objetos que ele contém” (Whaley & Wong, 1999, p.32). A partir do nascimento, a criança interage com o ambiente no sentido de compreender as relações entre os objetos, ela própria e o mundo. A teoria de Piaget assenta na interação/relação de interdependência entre o homem e o objeto do conhecimento, um movimento que se confronta com os objetos do mundo mas também se lhes dirige. É através deste processo dinâmico que o ser humano vai desenvolvendo um potencial intelectual (herdado) que lhe permite alcançar uma forma de pensar e raciocinar de uma forma lógica, abstrata e de organizar as funções intelectuais em estruturas hierarquicamente superiores. Piaget (1971) afirma que todo este processo é feito por etapas, mais precisamente por quatro estádios principais que são consequentes, num processo contínuo e ordenado. O desenvolvimento intelectual passa por um processo evolutivo e invariável, durante o qual as estruturas que tornam possível a capacidade para pensar e raciocinar vão sendo cada vez mais complexas e abstratas. No entanto este processo vai depender sempre da forma como o indivíduo elabora e assimila as suas interações com o meio ou seja, de um modo geral, todos os indivíduos vivenciam esses quatro estádios na mesma sequência, no entanto o início e o término de cada um deles pode sofrer variações em função das características biológicas de cada indivíduo e do tipo de estímulos proporcionados pelo meio ambiente em que ele está inserido. Os quatro estádios identificados por Piaget são o Sensório-Motor dos 0 aos 2 anos, o Pré- Operatório dos 2 aos 7 anos, o das Operações Concretas dos 7 aos 11 ou 12 anos e o das Operações Formais dos 11 ou 12 anos aos 15 ou 16 anos. Posteriormente dá-se um aprofundamento ao nível do conhecimento, mas não na aquisição de novos modos de

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funcionamento mental, ou seja, o indivíduo alcançou um certo equilíbrio cognitivo, um padrão intelectual que a partir daqui irá ser mais ou menos estável.

Apenas nos debruçamos sobre a etapa do desenvolvimento cognitivo das Operações Formais, por ser aquele em que se situa a adolescência. É um estádio onde o indivíduo consegue pensar de uma forma abstrata, criar esquemas de conceitos e através deles realizar operações mentais nos princípios da lógica formal. Esquemas abstratos vão permitir quer a coordenação simultânea de um maior número de elementos cognitivos (objetos, pessoas, acontecimentos) quer um número crescente dos mesmos, sendo o adolescente capaz de estabelecer relações entre eles. Aparecem nesta etapa as bases do pensamento científico. Consegue chegar a conclusões lógicas tendo por base um conjunto de observações, bem como é capaz de formular hipóteses e testá-las, abordar temáticas teóricas e filosóficas. Com uma maior flexibilidade de pensamento consegue raciocinar, quer acerca da realidade quer das possibilidades (Sprinthall & Collins, 2008). A capacidade de pensar sobre o seu próprio pensamento, metacognição, é uma evidência destacada por Piaget (1977) nesta etapa do desenvolvimento. Flavel (1976) define a metacognição como “o conhecimento que se tem sobre os próprios processos cognitivos, e produtos ou qualquer coisa relacionada com eles, isto é, a aprendizagem das propriedades relevantes da informação ou dos dados” (citado em Davis, Nunes & Nunes, 2005, p.211) abreviando, é a cognição sobre a cognição. Esta forma de autorreflexão permite que o jovem se torne num espetador do seu próprio mundo e do mundo dos outros, dando lugar a uma nova consciência: as pessoas são diferentes, pensam de forma diferente e têm opiniões diferentes sobre a mesma situação ou assunto. Dá-se um reconhecimento do ponto de vista do outro que pode ser diferente, ponderando a existência de várias perspetivas sobre a mesma coisa. O adolescente percebe que os outros podem ter um ponto de vista diferente do seu.

Piaget dedicou parte dos seus estudos às questões relacionadas com a moral, tendo publicado a obra O julgamento moral na criança em 1932. Apresenta o estudo da formação moral da criança através de uma abordagem sistemática da socialização do comportamento infantil. Considerou a moralidade como “um sistema de regras, e a essência de toda a moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras” (1977,p.5). O desenvolvimento da consciência moral, vai-se construindo por estádios, em sentido lato, que abarcam a Anomia (sem regras ou normas), a Heteronomia (as regras ou leis vêm de fora, do outro) e a Autonomia. Na Anomia a criança situa-se numa fase coincidente com o egocentrismo infantil em que, não tem ainda noção da existência de regras ou normas que regem a sua conduta, age de acordo com a satisfação das suas necessidades. Decorre desde o nascimento até um

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ano e meio. Neste processo de crescimento a criança vai-se apercebendo que o mundo tem as suas normas e regras e que ela faz parte desse mundo. Essa descoberta é também facilitada pelas brincadeiras com crianças mais velhas e que vai facilitar a entrada no estádio seguinte. As relações emocionais que estabelecem com os pais são de afeto. Na Heteronomia, a criança ainda não se rege pelas relações entre o Bem e o Mal mas pelo sentido do habitual, do dever. Progressivamente vai aprendendo que o mundo tem as suas regras e age tendo em conta as normas impostas, obedece, é punida se são agir de acordo com o Bem e por isso o respeito é unilateral, da criança para com o adulto. Os deveres são vistos como externos, impostos coercivamente e não como obrigações elaboradas pela consciência, tanto que na ausência da autoridade verifica-se a desordem e a indisciplina. Prolonga-se até aos 10/11 anos. As relações emocionais que prevalecem neste estádio são o medo e o afeto. A Autonomia tem predominância na faixa etária a partir dos 11 anos onde o adolescente adquire consciência moral e age de uma forma responsável, justa e de acordo com os seus princípios éticos e morais. Segue as regras e normas não por medo de punição mas como princípio orientador da sua conduta. Avalia os seus atos de acordo com a intencionalidade e não apenas pela consequência dos mesmos. O respeito mútuo e a intercooperação entre adolescentes e entre estes e os adultos constituem a base de uma moralidade autónoma. Para Piaget (1977), o desenvolvimento desta consciência moral tem por base dois aspetos fundamentais que são por um lado a cooperação, o contacto com iguais, a relação com companheiros, a importância dos pares no processo de socialização, e por outro o desenvolvimento da inteligência. Também a capacidade de se colocar no lugar do outro e de reconhecer as suas necessidades ou seja a empatia, conjuntamente com a cooperação, o respeito mútuo e o altruísmo vão tornando mais permanente o seu sistema de valores.

Após esta breve referência aos conceitos chave do desenvolvimento cognitivo durante a adolescência na perspetiva de Jean Piaget passamos para uma abordagem do desenvolvimento psicossocial de Erik Erickson uma vez que se complementam e se tocam em alguns aspetos.