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Capítulo 2 – Competências sociais essenciais para relações interpessoais

4. Autocontrolo

4.2. Emoções e estratégias de autocontrolo

Apresentamos breves considerações sobre algumas emoções no que respeita ao seu conhecimento, à importância do seu reconhecimento, à aprendizagem de algumas estratégias para ajudar no processo de autocontrolo e à relevância que tudo isso tem no desenvolvimento desta competência social, o autocontrolo.

A preparação para a ação e a capacidade comunicacional são consideradas as principais funções presentes em quase todas as emoções. Lazarus (1999) entende que numa situação vivenciada como stressante estão presentes cerca de quinze emoções, e agrupa-as em tonalidades que variam desde emoções mais positivas (alívio, esperança, felicidade, amor, orgulho, gratidão, compaixão) a emoções mais negativas (cólera, inveja, medo, ciúme, ansiedade, vergonha, tristeza, culpa).

As emoções sobre as quais iremos dedicar este subcapítulo são a cólera, a vergonha o medo e a ansiedade, emoções de tonalidade mais negativa, por se revelarem as mais difíceis de gerir e por isso as importantes para o nosso programa de intervenção.

Cólera - É uma reação instintiva de luta, fundamental quando a pessoa vivencia uma situação considerada como ofensiva para si ou para os seus. Porque sentimos cólera? Porque avaliamos um acontecimento como indesejável ou irritante, feito de uma forma intencional, por provocações verbais e não verbais, contrário ao nosso sistema de valores e no momento o acontecimento parece-nos possivelmente controlável pela nossa reação de cólera. Lazarus (1999) entende que o objetivo principal da cólera é preservar a autoestima ou a consideração social da pessoa.

Os estudos indicam que um nível elevado de cólera é propenso à diminuição da perceção de soluções alternativas para o problema não nos deixando ver com clareza uma possível solução (Lelord & André, 2002).

Relembrando a perspetiva de Damásio (2005), no que concerne à ativação da resposta emocional as reações de cólera podem ser acionadas por duas vias: uma mais primitiva e

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instintiva, imediata e mais curta e uma via mais diferenciada e mais longa passando pelo córtex pré-frontal, estrutura mais recente e evoluída do cérebro humano, sendo precisamente esta via que, dependendo da complexidade situacional, nos permite controlar a cólera. Este controlo deliberado, intencional e pensado vai permitir que a pessoa consiga acalmar-se com sucesso.

Como estratégias de gestão da cólera, de acordo com Lelord e André (2002) e Goleman (2009) podemos enunciar as seguintes:

- O deslocamento como mecanismo de defesa, permite descarregar a tensão física e emocional num determinado objeto diferente do que lhe deu origem;

- Identificar a cólera no outro e não reagir da mesma forma, evitando entrar numa relação comunicacional em escalada que pode levar ao conflito aberto e à agressão física;

- Reduzir as causas de irritação, aprender a ler o ambiente que o rodeia. Se o ambiente já se encontra ‘pesado’ o melhor é saber afastar-se o suficiente e preservar ao máximo os momentos agradáveis;

- Refletir prioridades pessoais, diálogo interior de introspeção e auto-observação para um controlo eficaz de cólera logo no momento inicial e como processo capaz de interromper um processo automático de indignação;

- Considerar o ponto de vista do outro, colocar-se no lugar dele, sempre que seja útil; - Deixar passar alguns minutos para reflexão e não reagir a ‘quente’;

- Manter-se focado no comportamento que desencadeou a cólera e não na pessoa; - Interromper sempre que considere que não está a ser capaz de se autocontrolar e comunicar de forma clara a sua intenção, por exemplo: Falamos noutro momento. Estou demasiado irritado para o fazer agora;

- Afastar-se definitivamente de alguém quando se apercebe de que não consegue modificar uma situação irritante que se repete;

- Distrair-se, de preferência ficando só de modo a interromper uma sequência de pensamentos de ira que se perpetuam se continuamos na presença de outras pessoas. Por outro lado, a distração permite alterar o estado de espírito, pois é difícil continuar zangado quando se está a desfrutar de um bom momento;

- Estratégias de atividade física, relaxamento muscular e respiração profunda, uma vez que em situação de cólera todo o organismo se prepara para a luta ativando o Sistema Nervoso Simpático que, em consequência, aumenta a intensidade da excitação fisiológica.

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Como estratégias a evitar, tal como Martin e Boeck (1999), propomos:

- Explosão de cólera descontrolada, que num primeiro momento pode permitir obter o que se pretende mas a longo prazo revela-se um preço bastante elevado a pagar pelos estragos que provoca nas relações interpessoais;

- Recalcamento ou inibição completa da cólera, porque poderá produzir sintomas físicos ou doenças psicossomáticas, além disso a ira acumulada pode extravasar num momento em que a reação seja desadequada e inapropriada.

Vergonha - É uma emoção aprendida tendo por base as normas sociais e o contexto cultural em que a pessoa se insere. Manifesta-se quando a pessoa não consegue alcançar as metas a que se auto propôs ou quando existe essa perceção, entendida como fracasso pessoal. O comportamento subjacente a esta emoção é sempre avaliado negativamente, não só pela pessoa como pelo grupo em que esta se encontra. Relativamente aos sinais corporais expressos salienta-se o rubor facial, baixar o olhar e inclinar a cabeça para a frente. Qual a utilidade desta emoção? A vergonha torna os outros mais condescendentes. Sabemos que crianças que exprimem vergonha são menos castigadas do que as outras. A vergonha torna-nos simpáticos e recebemos mais ajuda dos outros por isso, mas também mostra as nossas fraquezas. O objetivo da vergonha é regular os comportamentos sociais protegendo-nos no grupo, quer ao nível da identidade, quer ao nível da integridade física, porque nos ajuda a cumprir as regras sociais e contribui para acalmar a ira dos outros com quem nos confrontamos. Quando se é muito envergonhado ou quando essa emoção é expressa muitas vezes, corre-se o risco de se ser avaliado como inofensivo, pouco interessante, pouco sedutor ou pouco digno de confiança (Lelord & André, 2002).

Como estratégias para gestão da vergonha, propomos:

- Falar dessa emoção, a pessoas que conhece bem, em quem confia para ter a certeza de compreensão e ajuda;

- Refletir nas situações em que sente vergonha e refletir sobre as suas crenças;

- Voltar a falar com as pessoas com quem se sente envergonhado ou voltar a enfrentar as situações que lhe provocam vergonha. A fuga irá tornar crónica esta emoção tornando a interação social cada vez mais difícil.

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Medo - O medo é uma emoção, uma reação instintiva de luta, fuga ou imobilização, quando nos encontramos perante uma ameaça real de perigo. Seguidamente, desencadeia-se uma reação de stresse pela excitação simpática e parassimpática nos níveis de adrenalina e noradrenalina, na qual aumentam os batimentos cardíacos e os ciclos respiratórios, o sangue dirige-se para os músculos e órgãos nobres, as pupilas dilatam-se, a atenção e a concentração focalizam-se na situação de perigo. Em situações de medo intenso podem observar-se diarreia, incontinência urinária e desmaio como uma resposta parassimpática. Tudo é ignorado exceto a preocupação de escapar com vida. O medo tem um forte impacto fisiológico no qual o organismo entra num estado de alerta total preparando a pessoa para agir (lutar ou fugir) ou para não fazer nada “(…) fazer de morto é uma das reações incluídas no programa emocional relacionado com (…) o medo, que nos foi transmitida através do processo evolucionário” (Martin & Boeck, 1999, p.57). Anatomicamente, o sistema de ativação do medo encontra-se nas amígdalas cerebrais, e serve para nos alertar para a possibilidade de risco eminente ou para nos proteger de um perigo real ao permitir-nos enfrentá-lo. Em situação de perigo a amígdala é ativada imediatamente, mesmo antes de nos consciencializarmos da situação. O corpo reage primeiro e só depois pensamos sobre a decisão a tomar. A intensidade do medo deve ser proporcional ao risco, o que permitirá uma reação útil e adaptada ao contexto de perigo. Por vezes essa reação está desregulada e manifesta-se de forma disfuncional, como no caso das fobias e do pânico.

De acordo Lelord e André (2002), algumas estratégias para gestão do medo são: - Aceitar, não ter vergonha de ter medo e não procurar suprimi-lo totalmente; - Identificar em que situações tem medo excessivo;

- Procurar informação sobre o que suscita medo; - Técnicas de relaxamento respiratório e muscular;

- Dessensibilização sistemática pelo confronto progressivo dos medos começando pelos menos importantes. O tempo de confronto deve ir aumentando progressivamente durante um período de tempo regular.

Ansiedade - É uma sensação vaga ou difusa, percebida como negativa, sobre algo que está para acontecer. Ao contrário do medo, a ansiedade é invocada em situações de stresse em que a ameaça é subjetivamente sentida, onde existe a antecipação do perigo e este não é real. Como não existe um objeto concreto torna-se difícil identificá-lo e lidar com ele diretamente, tornando-se assim a ansiedade no próprio elemento stressor (Vaz-

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Serra, 1999). No entanto, níveis baixos de ansiedade são adaptativos, quando a reação ansiosa é de curta duração, é autolimitada e está relacionada com o estímulo que lhe deu origem. Os sintomas físicos que acompanham esta emoção são a boca seca, taquicardia, suor, nó na garganta, desarranjo intestinal (sintomas vegetativos).

Tal como o medo, níveis de ansiedade excessivos e permanentes, como resposta a uma situação stressante que se prolonga no tempo, podem dar origem a distúrbios físicos e psiquiátricos.

Como estratégias de gestão da ansiedade sugerimos a utilização das técnicas de relaxamento muscular progressivo de Jacobson, de relaxamento autogénico de Schultz e do controlo da respiração abdominal. Estas técnicas apresentam aspetos comuns no que se relaciona com a redução da atividade do sistema nervoso simpático, através da redução da tensão muscular, dos batimentos cardíacos e da respiração. Vaz-Serra (1999) propõe a utilização destas estratégias no controlo da ansiedade, sobretudo quando predominam os sintomas vegetativos.

Resumindo, o autocontrolo emocional passa por reconhecer e aceitar as próprias emoções e para alcançar este propósito importa estar atento, ter a perceção e consciência do que se passa connosco e à nossa volta, impedindo que de alguma forma as emoções nos dominem. A identificação emocional consiste em perceber que determinadas reações fisiológicas e determinados pensamentos em determinadas situações dizem respeito a determinadas emoções ou formas de sentir, por isso reconhecer as emoções será tanto mais fácil quanto mais bem informados estivermos acerca delas. As emoções revelam a forma como avaliamos o que nos acontece. Aceitar que por vezes temos reações que não gostaríamos de partilhar contribui para o crescimento pessoal e maturidade emocional. A observação atenta do outro pode também facilitar o autocontrolo emocional, pois existem expressões faciais involuntárias que acompanham as emoções e isso permite-nos perceber o que o outro está a sentir no momento e assim antecipar a nossa própria reação emocional. Ainda neste sentido, importa saber desfocalizar-se do próprio discurso para se focalizar nas reações do outro facilitando a compreensão na interação pessoal e melhorando a comunicação humana. Interessa saber tirar partido do potencial existente através de atitudes positivas como a força de vontade, a capacidade de auto motivação, atitude otimista e discurso positivo. Entendemos assim que estas habilidades comunicacionais são determinantes para o treino e operacionalização da competência social autocontrolo, onde também de inclui ser capaz de falar em público, de responder apropriadamente a provocações, de interagir com figuras de autoridade, de ter atitudes de compromisso e de iniciar/encerrar

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relacionamento. Izard et al. (1998 citados em Vaz-Serra, 1999) destacam a importância das emoções

no desenvolvimento de uma personalidade saudável, da competência social e do eventual aparecimento de psicopatologia. As aptidões que uma pessoa possui para compreender e regular as emoções são consideradas mais importantes em determinar o ajustamento do indivíduo e a sua competência em geral do que o seu próprio QI. (p.228)

Dos resultados das investigações relacionadas com autocontrolo salientamos a importância do conhecimento das emoções, em crianças, e a sua relação com a promoção do sucesso académico e o estabelecimento de relações interpessoais positivas (Machado et al., 2008), a habilidade para identificar emoções, em adolescentes, está positivamente relacionada com o suporte social e com as experiências afetivas/vivências emocionais (Ciarrochi, Heaven & Supavadeeprasit, 2008) e as relações positivas que jovens institucionalizados estabelecem com os funcionários da instituição mostram-se preditoras de uma base segura no desenvolvimento do autocontrolo (Mota & Matos, 2010). Por tudo isto consideramos, o autocontrolo, uma competência importante para fazer parte de um programa de treino com adolescentes.

Em síntese, podemos afirmar que a pesquisa desenvolvida e apresentada neste capítulo permitiu aprofundar conhecimentos sobre as quatro competências sociais empatia, assertividade, cooperação e autocontrolo, assim como contribuir para a compreensão dos aspetos fundamentais inerentes ao desenvolvimento das mesmas. A empatia facilita e promove o aprofundar de relações com os outros, e pode ajudar a experienciar novos sentimentos e a mudar comportamentos. A assertividade é uma questão de autoconhecimento e acima de tudo é uma escolha. Leva a um amadurecimento pessoal e relacional baseado numa comunicação clara, objetiva e honesta. Encontra-se estritamente ligada à autoestima e a um autoconceito positivo, e baseia-se no respeito por nós próprios e pelos outros. As pessoas têm formas mais ou menos estáveis de comunicar que se reportam essencialmente à predominância de um dos seguintes estilos comunicacionais: estilo agressivo, passivo, manipulativo ou assertivo. Relativamente à cooperação, percebemos que existe um conjunto de condições necessárias à sua consecução, como por exemplo trabalhar para objetivos comuns e que, para alcançar o trabalho cooperativo é necessário o desempenho de vários papéis nos participantes do grupo. A aprendizagem cooperativa reveste-se de uma grande importância para

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promover nos adolescentes atitudes de ajuda, partilha e compromisso. Quanto ao autocontrolo, considerámos algumas teorias numa perspetiva explicativa das emoções. Identificámos a cólera, a vergonha, o medo e a ansiedade como principais emoções para uma compreensão mais aprofundada e sugerimos algumas estratégias para gestão do autocontrolo emocional.

O desenvolvimento de competências sociais integra as diversas fases da vida da pessoa, estando em maior evidência a sua aprendizagem durante a infância e a adolescência. Neste sentido e tendo em conta os objetivos deste estudo importa uma referência ao desenvolvimento pessoal, mais concretamente na fase da adolescência, aspeto que será focado no capítulo seguinte.

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