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Capítulo 3 – Tornar-se adolescente

2. O papel da família na formação da identidade do adolescente

2.1. Adolescentes e relação familiar

Os estudos mais representativos realizados aos adolescentes portugueses integram-se na investigação da OMS/HBSC (Health Behaviour in School-aged Children) e pretendem conhecer os estilos de vida dos adolescentes e os seus comportamentos nos vários contextos de vida. Portugal iniciou a sua participação em 1998 como membro associado aos restantes 43 países que fazem parte do grupo. Os estudos realizam-se de quatro em quatro anos tendo-se efetuado o primeiro estudo nacional em 1998, o segundo em 2002, o terceiro em 2006 e o último e mais recente em 2010 (disponíveis em

http://aventurasocial.com/), e têm a coordenação de Margarida Gaspar de Matos e Daniel Sampaio. Conforme referido anteriormente, os últimos dados reportam-se a 2010, estudo do qual fazem parte 139 escolas públicas de Portugal Continental e Madeira, os 5050 adolescentes participantes no estudo frequentavam o 6º, o 8º e o 10º anos de escolaridade. Relativamente à opinião dos adolescentes acerca da relação que estabelecem com a família, nomeadamente facilidade na comunicação, um elevado número de participantes considera mais fácil o diálogo com a mãe do que com o pai, comparativamente aos dois sexos são os rapazes que têm mais facilidade em falar com o pai. Outro resultado importante de 2002 e 2006 é que os estudantes que apresentam um baixo índice no consumo de substâncias são os que têm maior facilidade de conversar com os pais e estes sabem muito acerca dos seus amigos, da escola, como ocupam os tempos livres e como gastam o dinheiro (Camacho, 2009).

Em suma, podemos afirmar que é na família que se desenvolvem as primeiras relações afetivas e sociais e é onde ocorrem as primeiras aprendizagens. É a família que educa a criança de acordo com o contexto e padrões culturais onde está inserida. A influência da família no desenvolvimento do adolescente inicia-se muito antes desta fase do ciclo vital e tem repercussões importantíssimas. Verificámos que a forma como se estabelece a comunicação entre pais e filhos, como é exercido o poder parental e a educação dos filhos vai determinar a maneira como estes se irão formar enquanto pessoas. Dependendo do estilo parental adotado, assim, as características pessoais dos filhos se vão desenvolvendo de uma forma mais ou menos positiva. Relembrar que os pais que ensinam os filhos com limites claros e padrões de conduta flexíveis, que comunicam de

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uma forma aberta, que respeitam a opinião dos filhos, que explicam as decisões que tomam e que estabelecem com eles um relacionamento afetivo caloroso vão permitir que os seus filhos desenvolvam positivamente o seu autoconceito e autoestima, as suas competências e responsabilidade sociais e a sua independência e autonomia.

3. A socialização

Com a passagem da infância para a adolescência dá-se um alargamento do mundo social do adolescente. Enquanto na infância o tempo era quase todo passado com a família, na adolescência a situação inverte-se pois o adolescente passa mais tempo com os amigos ou até sozinho do que com a família. Neste percurso, a maneira como se estabelecem as relações interpessoais vai também sofrendo modificações e fatores como a atração física, os comportamentos de amizade, sociabilidade e competência são importantes ao nível da aceitação social. Quanto maiores as capacidades cognitivas de compreensão interpessoal maior a probabilidade de os adolescentes serem socialmente competentes, uma vez que vão desenvolvendo uma capacidade cada vez mais complexa e apurada acerca de si mesmos, dos outros e das relações interpessoais estabelecidas. Neste sentido, Robert Selman (baseado nas ideias de Piaget) desenvolveu vários estudos sobre o desenvolvimento cognitivo ao nível social, com o propósito de compreender a forma como as crianças e os adolescentes entendem as relações sociais e se constroem nas mesmas. Assim, Selman (1980 citado em Sprinthall & Collins, 2008) identificou vários níveis de reposta de acordo com as soluções apresentadas pelas crianças e adolescentes quando confrontados com situações problema ou conflitos do foro interpessoal. Elencou cinco níveis de capacidade para assumirem a perspetiva do outro que designou de ‘Níveis de Compreensão Interpessoal’. Em cada nível identificou dois tipos de conceitos, os que as crianças e adolescentes têm sobre as pessoas e os que têm das relações entre as pessoas. Estes níveis de compreensão interpessoal não são estanques havendo faixas etárias em que se sobrepõe, uma vez que há vários fatores relacionados com o desenvolvimento pessoal a ter em conta. Os níveis de compreensão interpessoal são: Nível Zero, onde está patente uma ‘Indiferenciação e uma perspetiva egocêntrica’ (até aos 6 anos de idade); Nível Um, em que considerou a existência de uma ‘Diferenciação e uma perspetiva subjetiva’ (dos 5 aos 9 anos); Nível Dois, com ‘Auto reflexividade ou perspetiva recíproca’ (dos 7 aos 12 anos); Nível Três, ‘Assunção mútua de perspetivas’ (dos 10 aos 15 anos) e o Nível Quatro, ‘Assunção profunda e sócio simbólica de perspetivas’ (dos 12 anos até idade adulta).

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Dada a abordagem teórica que temos vindo a desenvolver ser da faixa etária que corresponde à adolescência, entendemos importante desenvolver um pouco os dois últimos níveis de compreensão interpessoal de Selman.

Assim, no Nível Três, ‘Assunção mútua de perspetivas’ (dos 10 aos 15 anos), há a perceção de que os problemas/conflitos na relação entre duas pessoas existem na própria interação entre as pessoas e não nas pessoas em si mesmas, ou seja, a sua resolução passa por cada um sentir que ambos concordam e estão satisfeitos com a solução encontrada e assim continuam se ocuparem os lugares opostos, se um estiver no lugar do outro (Selman, 1980 citado em Assis & Vinha, 2003). Acrescentar também o facto de duas pessoas serem capazes de reconhecer a importância de resolução de conflitos como um motivo de crescimento e desenvolvimento da amizade fortalecendo-a, ou seja, o conflito é importante para cimentar a relação. Recorrem a estratégias alternativas mutuamente satisfatórias no sentido de preservarem a sua relação no tempo. A forma de resolução de problemas passa por tomar consciência dos mesmos e falar sobre eles de modo a ultrapassá-los consolidando assim a relação. Reconhecem que o seu ponto de vista pode ser único e que cada pessoa tem perspetivas próprias sobre a mesma coisa ou situação. Existe neste nível um reconhecimento sobre os vínculos afetivos estabelecidos, isto é, para além da reação afetiva imediata em situação de conflito, está também presente o reconhecimento de uma relação afetiva mais profunda que transcende a reação imediata. Resumindo, Assis e Vinha (2003) referem que a partilha mútua, a comunicação interpessoal ativa e a resolução de problemas a um nível mais verbal ou mental do que físico, são os aspetos que se salientam neste nível.

Consideramos agora o Nível Quatro ‘Assunção profunda e sócio simbólica de perspetivas’ (dos 12 anos até adulto). Selman afirma que os aspetos a salientar na resolução de conflitos passam por um certo afastamento da mutualidade desenvolvida no nível anterior, uma vez que o indivíduo mantém um compromisso de ajuda e de relação mas ao mesmo tempo distancia-se o suficiente para não perder a noção de si próprio. Tenta entender a perspetiva do outro comparando-a com o sistema social em que está inserido, ou seja, espera que o outro assuma perspetivas que a maior parte das pessoas no seu contexto social considerariam. Utiliza a comunicação não verbal aproximando-se da meta comunicação e percebe que os conflitos intrapsíquicos podem contribuir para o desenvolvimento de conflitos entre o próprio e os outros, isto é, o adolescente utiliza estratégias de introspeção e autorreflexão admitindo a ambivalência emocional e percebendo que o outro possa crescer fora de um relacionamento já existente (Selman, 1980 citado em Sônego & Zamberian, 2007).

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De acordo com os estudos de Selman a capacidade para compreender os outros e para compreender as relações interpessoais estabelecidas está mais desenvolvida nos níveis Três e Quatro. Também é possível verificar que para cada grupo etário, no que respeita ao funcionamento interpessoal, ambos os sexos têm tendência para funcionar do mesmo modo. Esta capacidade para compreender as relações interpessoais e os outros, capacidade empática, pressupõe como vimos, um desenvolvimento emocional e sociocognitivo mais complexo que vai ser catalizado pelas relações satisfatórias que se vão estabelecendo com os colegas e amigos e estas interações frequentes e positivas vão também por sua vez estimular uma maturação emocional e sociocognitiva no adolescente (Sprinthall & Collins, 2008).