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Capítulo 2 – Competências sociais essenciais para relações interpessoais

2. Assertividade

A palavra assertividade tem origem do latim assertus, particípio passado do verbo asserere, que significa clamar direitos sobre algo, reivindicar, afirmar, defender.

A assertividade desenvolveu-se a partir dos finais da década de 60 e início da década de 70 do século passado, nos Estados Unidos da América e teve na sua origem uma inspiração humanista ocidental e uma corrente psicológica comportamentalista. Com os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King, a luta pelos valores de liberdade e de realização pessoal fez renascer os movimentos contra culturais americanos que ao longo das décadas anteriores vinha ganhando grande importância social. A defesa dos próprios direitos e a salvaguarda dos direitos dos outros, mediadas pela comunicação humana, ganham forma pelo aparecimento do comportamento assertivo (Azevedo, 1999).

Assertividade é uma forma de comunicar com um estilo próprio, é uma escolha. É um conjunto de comportamentos emitidos por uma pessoa em contexto de interação social, no qual a pessoa exprime os seus sentimentos, desejos, opiniões ou direitos pessoais de uma forma clara, direta e honesta. Neste tipo de interação assertiva os interlocutores têm ambos papéis ativos e o objetivo é ganhar/ganhar através da negociação. É ser capaz de afirmar por gestos e palavras o que realmente pensa, sente e quer deixando espaço, simultaneamente, ao outro a fazê-lo da mesma forma, se assim o entender. Os sentimentos e o bem-estar do outro são tidos em consideração (Alberti & Emmons, 1983; Galassi & Gallasi, 1977).

Em poucas palavras, ser assertivo significa afirmar por palavras e gestos o que penso, sinto e quero, de forma clara e honesta, sem ameaças ou ataques e sem me sentir mal por isso, deixando espaço ao outro para fazer o mesmo. Castanyer (2004) considera que o facto de uma interação resultar satisfatória depende de nos sentirmos valorizados e respeitados e isto, por sua vez, não depende tanto dos outros, mas do facto de possuirmos uma série de competências para responder corretamente e uma série de convicções (…) que nos façam sentir bem connosco próprios. (p.21)

A autora relaciona a assertividade com a autoestima. Aponta que quanto maior for o valor, o respeito e o carinho que temos por nós próprios mais fácil é a relação com os outros, estando assim associada a um desempenho social bem-sucedido. No entanto não é possível, nem conseguimos, ser sempre assertivos em todas as situações e com todas as pessoas, pois nem sempre temos a energia necessária ou o desejo de nos expormos ou de expressar os nossos direitos. A assertividade ou comunicação assertiva é por isso

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uma questão de opção e requer uma aprendizagem contínua e um treino sistemático (Jardim, 2007; Riley, 2004).

Na literatura, encontramos descritos vários tipos de estilos comunicacionais, que as pessoas adotam em determinadas situações e que podem, também, variar na mesma pessoa: o comportamento assertivo, o comportamento agressivo, o comportamento passivo (ou não assertivo) e o comportamento manipulador (ou passivo-agressivo). Para melhor ilustrar as caraterísticas de cada um dos estilos comunicacionais iremos descrever cada um deles tendo por base o comportamento observável (verbal, não verbal e para verbal), os padrões de pensamento, os sentimentos e emoções e as consequências de cada comportamento (Azevedo, 1999; Caballo, 2008b; Castanyer, 2004).

Comportamento Assertivo

- Comportamento observável não verbal: Postura direita e descontraída, ombros direitos, movimentos casuais com as mãos, ar pensativo, sério, interessado, atencioso, sorriso genuíno, mantém contato visual.

- Comportamento observável para verbal: Voz clara, firme agradável, suave, mantém o tom de voz, risos associados ao humor.

- Comportamento observável verbal: Gostaria; Quero; Penso; Sinto; Acho; Não gosto; O que pensa?; Como poderemos resolver isto?; Concorda?; Compreendo; Obrigada; (…). - Padrões de pensamento: Conhecem e acreditam nos próprios direitos. Têm crenças racionais. Não há espaço para dominação, dissimulação ou dependência. Importa a resolução de conflitos através da negociação (ganhar/ganhar).

- Sentimentos e emoções: Autoestima saudável; Satisfação nos relacionamentos; Respeito por si próprio; Sensação de controlo emocional.

- Consequências: Desarmam quem os atacar. Os outros sentem-se respeitados e valorizados. Esclarecem equívocos. São considerados pessoas boas mas não tontas.

Comportamento Agressivo

- Comportamento observável não verbal: Postura direita, tensa, rígida, ombros para trás, queixo levantado ou para a frente. Rosto tenso, sobrancelhas carregadas, olhos fulminantes e muito abertos ou semicerrados. Aponta com o dedo, bate na mesa. Discurso preciso e calculado recorrendo a insultos ou ameaças.

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- Comportamento observável para verbal: Tom de voz alto ou baixo, áspero. Riso sarcástico. Interrompe o outro com frequência.

- Comportamento observável verbal: Vai porque eu quero; Não sabe; Deveria; Deve estar a brincar…; Cale-se; Quem manda aqui sou eu; Tem que fazer senão…; (…).

- Padrões de pensamento: “Agora só conto eu, o que tu pensas/sentes não me interessa”. “Se não for assim fico demasiado vulnerável”. “De outra maneira ninguém me respeita”. Tudo se restringe a ganhar ou perder. Crenças irracionais.

- Sentimentos e emoções: Ansiedade crescente, solidão, sensação de incompreensão, culpa e frustração. Baixa autoestima, sensação de falta de controlo, irritação crescente que se estende a mais pessoas e mais situações. Honestidade emocional.

- Consequências: Rejeição ou evitamento pelos outros, solidão. “Círculo vicioso”.

Comportamento Passivo

- Comportamento observável não verbal: Postura contraída, ombros encolhidos, muitos movimentos com as mãos. Rosto tenso, sobrancelhas levantadas, evita o contato ocular. - Comportamento observável para verbal: Voz sumida e apagada, hesitações, pára no meio do discurso, silêncios. Riso nervoso e forçado

- Comportamento observável verbal: Talvez; Quem sabe…; Desculpe, mas…; Realmente, não é importante; Não se incomode; Não tem importância; Não vale a pena…; Pergunto-me se poderíamos…; Não gosto de criar problemas…; (…).

- Padrões de pensamento: Evitam incomodar ou ofender os outros. Sensação constante de ser incompreendido, manipulado, ignorado. Muita energia mental e pouca exterior. Crenças irracionais.

- Sentimentos e emoções: Insegurança, sentem-se pessoas sacrificadas, culpabilidade, ansiedade e frustração. Fuga, submissão e dependência em relação aos acontecimentos e aos outros. Baixa autoestima e desonestidade emocional

- Consequências: Perda de autoestima e do apreço das outras pessoas. Pouco respeitados, fazem os outros sentirem-se culpados ou superiores. Problemas somáticos, ansiedade, depressão, acessos repentinos de agressividade. Solidão e sensação de falta de controlo.

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Comportamento manipulativo

- Comportamento observável: Tom de voz baixo, pouca clareza no discurso. Incongruência entre a comunicação verbal e não verbal. Pressiona/força o outro. Compara desfavoravelmente/evita indiretamente a tarefa. É mais hábil em criar conflitos, do que em reduzir as tensões existentes. Apresenta discursos diferentes, conforme o interlocutor. Não se aproxima quando há debate: fala baixo e por "segredinhos". Consegue os seus objetivos sem se afirmar abertamente. Explora as vulnerabilidades do interlocutor. Desculpas para obter compaixão.

- Comportamento observável verbal: Nunca pensaria tal coisa…; Não diria a mais ninguém…; Diz-se por aí…; Você é que sabe, mas…; Tenho muito gosto em resolver isto se puder contar com…; Não foi bem isso que eu pretendi dizer…; É só a sua opinião…; (…).

- Padrões de pensamento: Baixo respeito e desvalorização pelos outros.

- Sentimentos e emoções: Chantagem emocional, simpático em demasia, existe alguma forma de lisonja, insinuação, chantagem, sarcasmo. Desconfia das intenções do outro. - Consequências: imediatas a perda de credibilidade e a longo prazo o fracasso, pois perde a capacidade de estabelecer relações com os outros com base na confiança recíproca.

De acordo com os estilos comunicacionais expostos, podemos afirmar que as caraterísticas da comunicação humana na relação interpessoal são os aspetos que se destacam em cada um deles. Assim, para um comportamento resultar assertivo é necessário colocar em prática várias habilidades que se enquadram no âmbito da comunicação verbal, não verbal e para verbal pois a linguagem corporal fala mais alto. De acordo com os estudos relativos à comunicação não verbal sabe-se que apenas conseguimos transmitir por palavras 7% dos pensamentos, 38% por sinais para verbais e 55% pelo corpo (Silva, 2002). Daqui se infere a importância que tem o reconhecimento destes sinais no outro e a tomada de consciência para o fazermos de uma forma assertiva. Vamos agora descrever sumariamente para cada uma das formas de comunicação os componentes mais importantes no comportamento assertivo:

Relativamente às palavras expressas verbalmente, devem ser de interesse para ambos os interlocutores, mantendo a atenção focada na interação, deve existir condescendência e expressão de afetos positivos. Deve existir congruência entre o verbal e o não verbal. A duração do tempo da fala não deve ser em demasia nem de menos. Dar feedback e fazer perguntas mostra interesse pelo outro e a clareza na mensagem esclarece equívocos.

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No que se refere às caraterísticas da comunicação não verbal, não podemos esquecer que está impregnada de significados e também é uma forma de expressão emocional. Na pessoa assertiva é importante o olhar e a sua reciprocidade, a expressão facial e o sorriso, a postura corporal mais direita e descontraída, a gestão do espaço relativamente à distância mantida na interação, que deverá ser de proximidade e ao mesmo tempo confortável para os interlocutores. Os gestos devem transmitir segurança e espontaneidade, os movimentos de cabeça revelam interesse e atenção.

Por fim, a comunicação para verbal, que se refere a qualquer som emitido que não as palavras, ou seja, o que acompanha a forma como falamos e cujos componentes são o volume que deve ser harmonioso e sem oscilações, o tom de voz uniforme e bem modulado, a velocidade das palavras que deve manter-se constante, nem muito rápida nem muito lenta (Caballo, 2008b; Castanyer, 2004; Silva, 2002). Convém relembrar que os aspetos aqui focados não são universais e mais uma vez devem estar em consonância com as pessoas, o contexto em que a relação acontece e com a cultura em que estão inseridas.

É relevante a referência a Robert Alberti e Michel Emmons que escreveram o seu primeiro livro sobre a comunicação assertiva Your Perfect Right, em 1970 nos Estados Unidos da América, com o propósito de ajudar as pessoas a serem capazes de defender os seus direitos e a comportarem-se de forma assertiva, sem se sentirem culpadas por isso, desenvolvendo uma autoexpressão mais eficaz. Consideram dez pontos-chave para a comunicação assertiva, que passamos a enumerar: 1 – Autoexpressão; 2 – Respeito pelos direitos dos outros; 3 – Honestidade; 4 – Diretividade e firmeza; 5 – Existência de benefício para ambos, agindo de igual para igual; 6 – Comunicação verbal; 7 – Comunicação não verbal; 8 – Não universalidade, apropriado para a pessoa em determinada situação; 9 – Socialmente responsável; e 10 – Aprendido, não inato (Alberti & Emmons, 1983).

Galassi e Galassi (1977) consideram que as habilidades sociais abordadas no treino assertivo se agregam em três grandes categorias: a autoafirmação, a expressão de sentimentos positivos e a expressão de sentimentos negativos, e que estas por sua vez abarcam várias classes de resposta. A autoafirmação engloba as classes saber defender os seus direitos, recusar pedidos, expressar uma opinião pessoal, lidar com as críticas, pedir mudança de comportamento. A expressão de sentimentos positivos agrega as classes de resposta dar e receber elogios, fazer pedidos, iniciar e manter uma conversa e expressar afeto. A expressão de sentimentos negativos inclui saber expressar incómodo, desagrado e raiva. Os autores consideram que o défice de assertividade pode ter por base um conjunto de fatores que influenciaram na aprendizagem da pessoa não

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assertiva, como a punição, o reforço, a modelação, a falta de oportunidade, a incerteza ou desconhecimento em relação aos próprios direitos, as crenças pessoais e os padrões culturais onde a pessoa se insere.

Os principais objetivos do treino assertivo passam por uma mudança efetiva de comportamento através do desenvolvimento de um conjunto de respostas assertivas aos vários níveis (verbal, não verbal e para verbal), pelo reconhecimento de respostas dos vários estilos comunicacionais (passivo, agressivo, manipulativo e assertivo), pela valorização dos próprios direitos e dos direitos dos outros, pela identificação e modificação de pensamentos irracionais presentes em situações específicas, pela identificação das situações em que a utilização do comportamento assertivo é benéfica e pela promoção do comportamento assertivo nos outros. Assim, entendemos que a operacionalização desta competência social se revê no treino de determinadas classes de resposta ou componentes das habilidades sociais como por exemplo manifestar opinião, recusar um pedido, lidar com as críticas, defender os seus direitos, tomar decisões.

Na literatura consultada encontramos descritos variados resultados positivos sobre os programas de treino e aprendizagem de competências sociais que englobam o treino assertivo. Da grande variedade de estudos desenvolvidos com crianças, adolescentes e estudantes universitários podemos referir o desenvolvimento positivo ao nível das suas relações interpessoais (Bulkeley & Cramer, 1990; Coplan et al., 2010; Durlak et al., 2007; Harrell, Mercer & De Rosier, 2009; Jones & Lavallee, 2009; Minto, Pedro, Netto, Bugliani & Gorayeb, 2006; Silva & Murta, 2009), na diminuição da agressividade e conflitos interpessoais (Vieira, [s.d.]), como medida preventiva na adoção de comportamentos de risco (Almanza & Pillon, 2004; Falcone, 2000a; Matos & Equipa Técnica Mulidisciplinar, 2008; Murta et al., 2009, Qualter, Brown, Munn & Rotenberg, 2010; Gorayeb, Cunha-Neto & Bugliani, 2003 citados em Wagner & Oliveira, 2007), em adolescentes com distúrbio de ansiedade (Fischer, Masia-Warner & Klein, 2004; Luiz, Gorayeb, Júnior & Domingos, 2005) na promoção do sucesso académico em estudantes universitários (Bolsoni-Silva, Loureiro, Rosa & Oliveira, 2010; Del Prette & Del Prette, 2003; Dias, 2010; Jardim, 2007) e o desenvolvimento da assertividade e da autoestima em estudantes de enfermagem e de medicina (Lin et al., 2004).

Todos estes estudos revelam a importância do comportamento assertivo como preditor de um desenvolvimento saudável e de uma vivência social apropriada com bons níveis de autoestima e autoconfiança. Assim, o treino assertivo revela ser uma boa estratégia ao nível da promoção da saúde e de comportamentos saudáveis, o que confirma a eficácia das técnicas utilizadas.

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