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Capítulo 3 – Tornar-se adolescente

1. Desenvolvimento cognitivo e psicossocial

1.2. A teoria do desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson

A teoria do desenvolvimento psicossocial de Erik Erickson (1902-1994) baseia-se numa lógica de oito etapas sucessivas (estádios), inter-relacionadas, que se vão transpondo desde o nascimento até à morte e que confluem na formação de uma personalidade única e total (princípio epigenético) tendo como conceito central a Identidade. Partiu da

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Teoria de Freud sobre o desenvolvimento psicossexual e apresenta como pano de fundo o contexto sociocultural em que o indivíduo se encontra, pois um ser em relação é influenciado e influencia os outros.

Erickson (1987) considera que cada um dos estádios coincide com momentos de crise/crescimento onde se inter-relacionam fatores biológicos, individuais e sociais. Cada estádio é caracterizado por um momento de crise do ego, crise esta que pode ter um desfecho positivo (crescimento interno, ego mais rico e forte) ou negativo (ego mais fragilizado e pobre) determinando assim um processo de crescimento mais ou menos saudável. Independentemente do desfecho obtido, o indivíduo tenta essencialmente encontrar o equilíbrio entre os dois polos opostos e ultrapassar a crise com sucesso. Após a vivência de cada crise, a personalidade individual vai sendo construída tendo em conta a forma como cada uma dessas crises/conflitos internos do ego foram resolvidas (sucessos ou fracassos). A forma de resolução de cada estádio influencia o estádio seguinte. Relembrando os estádios de desenvolvimento e a faixa etária correspondente: ‘Confiança básica versus Desconfiança básica’ (Latência - do nascimento a 1 ano); ‘Autonomia versus Vergonha e Dúvida’ (Infância - do 1 aos 3 anos); ‘Iniciativa versus Culpa’ (Pré-Escolar - dos 3 aos 6 anos); ‘Mestria versus Inferioridade’ (Escolar - dos 6 aos 12 anos); ‘Identidade versus Confusão de Papeis’ (Adolescência - dos 13 aos 18 anos); ‘Intimidade versus Isolamento’ (Adulto jovem); ‘Produtividade versus Estagnação’ (Adulto); ‘Integridade versus Desespero’ (Idoso).

Consideraremos apenas o estádio cinco ‘Identidade versus Confusão de papéis’ por ser aquele que engloba a fase do ciclo vital da adolescência.

De acordo com Erikson (1976) a principal tarefa deste estádio é a resolução, com sucesso, da crise de identidade pessoal considerando o Eu a forma como me vejo a mim próprio e a forma como sou visto pelos outros, abarcando uma dupla vertente de identificação pessoal, e é nas representações que o adolescente tem/faz de si próprio que se encontram o autoconceito e a autoestima. Estes aspetos da identidade pessoal serão abordados mais à frente.

Para que a personalidade individual consiga atingir uma forma estável é necessário que o seu desenvolvimento se faça tendo por base alicerces fortes e sólidos tais como o tipo de relação que os adolescentes estabelecem com a família e com os amigos. A Teoria da Aprendizagem Social, desenvolvida por Bandura (1977), assenta no pressuposto de que a aprendizagem de competências sociais acontece como um processo natural de imitação dos modelos que se encontram disponíveis para o indivíduo e que se mantém pela vida fora. Assim, quanto mais significativos forem esses modelos maior é a

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influência dos mesmo no estabelecimento de relações interpessoais e no desenvolvimento de habilidades sociais. As pessoas conseguem adquirir comportamentos e aprender as regras sociais através da modelação e observação direta. Esta aprendizagem pode ou não ser operacionalizada na prática, dependendo de processos cognitivos que incentivam ou não a reprodução dos comportamentos aprendidos.

Sprinthall e Collins (2008), consideram que todo este processo é difícil e confuso para o adolescente pois vê-se entre dois sistemas principais em constante mudança. Tem que aprender a lidar de uma forma eficaz, por um lado, com as suas transformações internas (transformações cognitivas e glandulares) e por outro lado com as regras externas, por vezes incoerentes e em constante mudança. Os adultos incutem no adolescente a importância da responsabilidade, a necessidade de obedecer a regras e normas instituídas e o respeito pelos mais velhos. O adolescente constata que os adultos muitas vezes seguem códigos de conduta diferentes e até opostos às normas sociais. São infiéis nas relações amorosas e frequentemente o certo e o errado estão apenas relacionados com as circunstâncias do momento e não com o seu sistema de valores. É nesta contradição e mudança, nesta ‘luta’ constante que ele vai estabelecendo os seus valores éticos e morais caminhando no sentido de afirmar a sua própria identidade. Para que o processo de formação da identidade se complete, Erikson (1976) considera que é necessário atravessar uma ‘moratória psicológica’, período em que o adolescente tenta desempenhar outros papéis e estabelece relações variadas tentando assim um distanciamento dos papéis e responsabilidade da vida adulta. É um período de pausa durante o qual o indivíduo procura explorar de uma forma mais completa quer a realidade objetiva quer o seu eu psicológico. Serve para se testar a si próprio, em situações experienciais diversas obtendo assim um conhecimento cada vez maior de si próprio. Todo este processo se desenrola no seio do grupo de colegas, suporte privilegiado que permite experimentar as diversas possibilidades que não seriam aceites pelos adultos. No final desta etapa do desenvolvimento psicossocial, Erickson espera que o adolescente consiga responder à pergunta Quem sou eu? Para que se consiga obter resposta a esta questão importa desenvolver um pouco dois conceitos fundamentais: o autoconceito e a autoestima.

De acordo com a perspetiva de Vaz-Serra e Firmino (1986), autoconceito é a perceção que a pessoa tem de si própria, sendo que esta se organiza em categorias avaliativas e depende das avaliações refletidas pelas outras pessoas, da comparação social, da autoatribuição e ainda de outros fatores socioculturais. Esta capacidade avaliativa permite construir uma retrospetiva de comportamentos em função de determinada

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situação, conseguindo o indivíduo através da autoavaliação descriminar os comportamentos mais adequados e utilizá-los em outros momentos. A capacidade organizativa do autoconceito advém da hierarquização que a própria pessoa estabelece das suas diferentes facetas tendo por base a informação de si próprio que lhe é dada pelos outros, o que torna o autoconceito num constructo multidimensional. Marsh e Shavelson (1985) consideram que o autoconceito apresenta também uma componente desenvolvimentalista, o que corresponde a uma especificidade e diferenciação maior consoante a idade avança.

Para Driever (1976 citado em Towsend, 2002) o autoconceito engloba três componentes: o Eu físico ou imagem corporal; o Eu pessoa ou identidade pessoal e a Autoestima. O Eu físico corresponde à avaliação pessoal do seu corpo e inclui atributos físicos, aparência, comportamento, sexualidade e estado de saúde-doença.

O Eu pessoal apresenta ainda as dimensões de Eu moral/ético (estabelece padrões de conduta, de comparação, julgamentos que influenciam a autoavaliação); a consistência do Eu, componente que tende a ser mais estável; e o ideal do Eu/expectativas do eu que remete para aquilo que o indivíduo deseja ser ou fazer, uma componente mais cognitiva. Origina-se através das expectativas dos outros.

A autoestima é o valor, grau de consideração ou respeito que os indivíduos atribuem a si próprios, às suas capacidades. Este sentimento de valor e de respeito engloba uma componente predominantemente afetiva que se expressa em aprovação ou desaprovação em relação a si próprio (Coopersmith, 1981; Rosenberg, 1986). A autoestima é influenciada pela forma como se é visto pelas outras pessoas significativas. Coopersmith (1981) evidenciou cinco condições necessárias para o desenvolvimento de uma autoestima positiva: i) a sensação de poder, isto é, os indivíduos sentem que conseguem controlar quase todos os aspetos da sua vida e até influenciar os outros; ii) a perceção de se ser querido, respeitado e amado pelos significativos; iii) a sensação de bem-estar consigo próprio, uma vez que as suas ações refletem o seu quadro de valores referenciais; iv) o sentido de competência relativamente às expectativas pessoais e dos outros através do estabelecimento de objetivos realistas e orientados para a realidade; v) o estabelecimento de limites consistentes permitindo uma vida estruturada. Uma pessoa com um bom autoconceito e sentido de competência pessoal consegue utilizar de forma mais construtiva o apoio dos outros na resolução dos seus problemas porque se consegue expor, falar de si próprio e discutir as suas dificuldades. O contrário também se verifica, ou seja, as pessoas com menos recursos de apoio social também procuram menos os outros e consequentemente, quando mais precisam de auxílio é quando menos

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o recebem (Hobfoll & Vaux, 1993 citado em Vaz-Serra, 2007). Muitos estudos apontam para a importância do apoio social e do apoio de outros significativos durante a adolescência e a sua relação com o autoconceito e a autoestima (Antunes & Fontaine, 2005; Harter, Waters & Whitesell, 1998), com o bem-estar físico e psicológico (Crosnoe & Elder, 2004; Helsen, Vollebergh & Meeus, 2000; Silva, Morgado & Maroco, 2012), e a sua relação com a motivação para o sucesso ou realização escolar (Wentzel, 1998).

A formação da identidade pessoal é portanto um processo dinâmico, em constante mudança, contraditório, por vezes, e integrador tendo em conta a tríade das transformações pessoais, das exigências sociais e das expetativas em relação ao futuro. Erickson (1981 citado em Sprinthall & Collins, 2008, p.202) sintetiza esta ideia ao afirmar que a formação do Eu passa pela “criação de um sentido de unicidade; a unicidade da personalidade é sentida, agora, pelo indivíduo e reconhecida pelos outros como tendo uma certa consistência ao longo do tempo – como se fosse, por assim dizer, um facto histórico irreversível”.

Este sentido de identidade e unicidade vai contribuir para que se desenvolva na pessoa uma estabilidade tal que lhe permita ser fiel, leal e capaz de confiar em si próprio, naquilo em que acredita e nos outros. Foi ao que Erickson chamou ‘senso de identidade contínua’. O senso de competência é também adquirido nesta fase através de experiências bem-sucedidas em tarefas que a sociedade considera importantes. Sprinthall e Collins (2008) consideram que todo este trajeto pessoal, mais ou menos tortuoso, vai permitir ao adolescente obter um maior compromisso com valores humanos universais, desenvolvendo o sentido moral de cuidar dos outros, de os respeitar e apreciar. Inicia-se assim uma mudança de foco, de dentro para fora de si. Estando o sentido de identidade estabelecido com sucesso nesta fase da adolescência outra tarefa se apresenta premente, como a primeira tarefa da vida adulta, a intimidade. Este conceito implica reciprocidade acerca das necessidades, pensamentos e sentimentos de duas pessoas em relação.