• Nenhum resultado encontrado

A Terceiridade da Matriz Verbal

No documento marinaaparecidasadalbuquerquedecarvalho (páginas 138-142)

4.3 A Matriz Verbal

4.3.3 A Terceiridade da Matriz Verbal

Por fim, alcançamos a 3.3 Dissertação. A proposta da Santaella (2005) é restringi- la à escrita, em que suas características aparecem de forma mais ideal, pois as dissertações orais são memorizações das escritas para a autora. A Dissertação posiciona-se na Terceiridade, pois é conceituação, leis gerais e formulações abstratas, em que prevalece o intelecto: as operações mentais são traduzidas em leis, tipos gerais, conceitos, ocorrências repetitivas e, portanto, hábitos.

A autora diz, ainda, que o raciocínio é deliberado e consciente, e, por isso não pode ocorrer sem consciência, de acordo com um método ou hábito geral. As modalidades foram construídas em cima dos três tipos de raciocínio e argumento: abdução, indução e dedução. Já a configuração da dissertação é como uma malha diagramática, em que expressões como “assim também”, “por outro lado” desenham o movimento do pensamento.

Algumas GRMs da Folha trazem textos claramente apresentados como dissertativos, mas elementos de dissertação também aparecem durante a reportagem, já que os três tipos de discurso não são estanques. Nestes, encontramos a presença de 3.3.2 Dissertação relacional, a qual é correspondente à indução, em que os dados teóricos, baseados em suposições, funcionam na prática, fazendo com que a experiência contribua com a teoria para tentar comprovar essa teoria. Lembrando que a indução pressupõe que, se um fato é verdadeiro para uma coleção completa, também será para uma amostra retirada randomicamente.

Na submodalidade 3.3.2.1 comentário dos fatos, os fatos são transformados em ideias, fazendo com que possam ser compreendidos. “(...) Quando bem realizado, o discurso é guiado pelo bom-senso dos julgamentos do enunciador” (SANTAELLA, 2005, 355). O bom senso nasce das generalizações permitidas por uma observação profunda, a partir de um bom repertório de conhecimento. É o que acontece, por exemplo, no sétimo capítulo de O Golpe e

a Ditadura, intitulado “E se”, em que são feitas diversas conjecturas sobre o que teria sido diferente se o golpe não tivesse acontecido, se Jango tivesse resistido, entre outros questionamentos. A partir de uma observação profunda dos fatos históricos, são propostas ideias para o ocorreria se os acontecimentos tivessem sido outros.

Já a submodalidade 3.3.2.2 uso dos exemplos, está relacionada ao uso de exemplos da experiência para fortalecer as ideias defendidas. Pode resultar em uma generalização apressada problemática, não observando que a parte exemplificada nem sempre corresponde ao todo, como nas inferências falsas. Também tornam mais concretos e ilustram discursos muito abstratos. Está presente no início do quarto capítulo Em Crime sem Castigo, de forma a fortalecer a tese de que os produtos contrabandeados podem fazer mal à saúde:

“Jackson Vieira de Souza, 21, morreu em 2004 após injetar doses de anabolizante nos braços para inflar os músculos. Os rins do brasiliense pararam após usar o produto vindo, ilegalmente e sem se submeter a nenhum controle de qualidade oficial, da Argentina. O estudante mineiro Carlos (nome fictício), 23, quase teve o mesmo destino após usar produto semelhante durante um mês e ter um infarto em 2013.

(...) São efeitos do contrabando no dia a dia do consumidor que, sem saber de seus potenciais riscos, alimenta esse mercado ilegal”.

Os exemplos aparecem também no quarto capítulo de Morte Invisível, quando os repórteres narram a história de um taxista que se separou da esposa e se afastou dos filhos, fatos que causaram, além de estresse, um problema de circulação. A partir desse exemplo, os jornalistas mostram como a atividade de um profissional do trânsito pode ser problemática.

Na submodalidade 3.3.2.3 Generalização empírica, a argumentação é embasada em dados, na maioria das vezes, estatísticos. Há forte presença de dados em todas as reportagens estudadas, tanto na matriz verbal pura quanto na híbrida, por meio dos infográficos. No segundo capítulo de Crise da Água, por exemplo, são apresentados dados para defender a insustentabilidade no entorno do sistema Cantareira:

“O Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), sediado em Nazaré Paulista (SP), estuda há mais de 30 anos o ambiente natural de regiões como a do Cantareira. De acordo com levantamento feito pela ONG, 49% do entorno da represa foram ocupados por pastos. Outros 38% ainda são florestados, e em 8% a mata está em recomposição. Os restantes 5% estão tomados por eucaliptos”.

Já em Era Uma Vez um Pequeno Guerreiro, os dados reforçam a importância do cadastro de doador de medula óssea:

“Há pouco mais de dez anos, a chance de um paciente com leucemia ou com outro tipo de doença com indicação de transplante de medula óssea encontrar

um doador compatível no Brasil era de 15%. Em 2005, o Registro Nacional dos Doadores de Medula Óssea (Redome) tinha apenas 134 mil pessoas cadastradas. Hoje são mais de 4 milhões, o que elevou a chance de encontrar um doador para 64%, conforme o Instituto Nacional do Câncer (Inca). O desafio, agora, é realizar os transplantes na mesma velocidade da identificação da compatibilidade”.

A última modalidade da dissertação, a terceiridade em seu último nível, 3.3.3 Dissertação argumentativa, está ancorada na dedução. “É, portanto, o caso típico do raciocínio matemático que parte de uma hipótese cuja verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio, e cujas conclusões são igualmente ideais” (SANTAELLA, 2005, p. 357). Esse tipo de argumentação quer provar como algo deve ser, sendo, assim, um método de predizer.

O discurso argumentativo parte de hipóteses (premissas) e vai até a comprovação das premissas na conclusão e, como um terceiro dentro da terceiridade, não deixa margens para outras interpretações a não ser aquela que está explícita no texto. “O interpretante do texto, que se produz na mente do receptor, já está expresso no texto mesmo: é a sua conclusão” (SANTAELLA, 2005, p. 358). Apesar disso, não se pode dizer que a conclusão é sempre verdadeira, mas a hipótese é de que a verdade depende apenas de que nossas conclusões estejam certas, um raciocínio demonstrativo que só se aplica a estado de coisas ideais.

A submodalidade 3.3.3.1 Argumentação opinativa é construída a partir das opiniões do enunciador e difere do “Comentário dos Fatos”, porque as “consequências são deduzidas a partir da generalização de fatos ou estados de coisas tomados como premissas” (SANTAELLA, 2005, p. 360). A dissertação caminha das inferências para premissas até se chegar às conclusões e depende do repertório do enunciador para não se tornar banal. Segundo Santaella (2005, p. 360), “(...) pode também aparecer em textos teóricos, quando o enunciador arma seu argumento tomando como matéria-prima ideias e conceitos que são discutidos tendo em vista o posicionamento do enunciador em relação a esse material, opinando sobre ele e avaliando-o”.

É o que acontece no capítulo “Opinião” de A Batalha de Belo Monte, no primeiro artigo, em que o engenheiro e economista Mauricio Tolmasquim conclui que a construção de Belo Monte é positiva a partir de premissas como o grande potencial hidrelétrico do Brasil, a usina como vetor de preservação da Amazônia, a necessidade de aumentar o fornecimento de energia por causa da demanda; o investimento nas cidades do entorno como forma de compensação que mesmo assim não faz da energia de Belo Monte menos competitiva financeiramente e, por fim, a hidrelétrica como uma das formas mais limpas de geração de

energia. Da mesma forma, o indigenista André Villas-Bôas apresenta várias premissas para concluir que a obra não deve continuar, como a inadimplência ambiental, o descaso com a população do entorno, a possibilidade de contaminação do Rio Xingu e suas consequências para a população de Altamira, a determinação da justiça para paralisar a obra, o conflito de interesses na execução da construção e a falta de fiscalização independente.

Em 3.3.3.2 Argumentação comparativa, “confrontam-se idéias, conceitos e generalizações simbólicas para identificar seus pontos em comum e suas oposições e, a partir da observação desses aspectos, determinar a validade de suas conclusões” (SANTAELLA, 2005, p. 360-361). São exemplos textos com questões polêmicas que apresentam prós e contras para se chegar a uma conclusão ou que discutem o estado da arte para justificar uma pesquisa. É o caso do primeiro artigo do capítulo “Artigos” de O Golpe e a Ditadura que mais se aproxima dessa submodalidade.

Nele, o colunista da Folha Matias Spektor apresenta as mudanças no país durante a ditadura tanto para o bem quanto para o mal. Por um lado, houve o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a urbanização do país, a participação na política externa por meio da luta contra o comunismo e o apoio por parte dos EUA. Por outro lado, a relação com esse país foi esfriando, já que os militares, com o tempo, defenderam uma política industrial protecionista e também acreditavam que não estavam sendo bem tratados pelos norte-americanos. Além disso, o congresso dos EUA começou a denunciar a tortura no Brasil e, por fim, já não eram os principais aliados da ditadura, fazendo com que os militares procurassem novos apoiadores pelo mundo. Somado a isso, gastou-se uma fortuna com projetos nucleares que, depois, foram levados para a clandestinidade; como consequência, o governo viu-se internacionalmente isolado, o que debilitou seu poder de barganha. Por fim, o regime quadruplicou a dívida externa e sofreu sanções comerciais.

Diante disso, o colunista conclui: “O Brasil da ditadura ficou mais rico, sem dúvida alguma. Contudo, ao sair do poder, os militares deixaram o país numa posição internacional mais fraca, dependente e injusta do que era possível imaginar em 1964”.

Concluímos que a descrição indicial pode ser utilizada pelo repórter para descrever não só o que vê, pois isso a fotografia poderia fazer com mais fidelidade, mas também suas percepções e imagens mentais sobre os assuntos tratados, de forma a repassá-las ao leitor, enriquecendo e diferenciando a matéria. A descrição conceitual deve ser utilizada para esclarecer e explicar conceitos de forma a facilitar a compreensão, principalmente quando são temas mais inéditos, que não se referem ao cotidiano da maioria das pessoas.

A narrativa espacial proporcionada pela hipermídia também pode ser melhor aproveitada, talvez na forma de pirâmede deitada, conforme a proposta de Canavilhas (2007), que veremos no próximo capítulo. Para além da distribuição do conteúdo das GRMs em capítulos ou seções, talvez fosse interessante uma forma de espacialização mais eficiente, que apresentasse os conteúdos com seus desdobramentos em camadas, de forma a permitir que o usuário seja levado ao que considera mais importante por meio de links, por exemplo76. Ou, ainda, pode se desenvolver alguma forma que promova outras relações mais diagramáticas, em que a estrutura do hipertexto corresponda à estrutura do que está sendo tratado.

Se construídas em cima de uma sucessividade cronológica, as GRMs se aproximarão das notícias, com apresentação geral do fato, confronto e pós-confronto. No entanto, podem também aparecer de forma a engajar mais o público por meio da causalidade imediata e da causalidade mediatizada, fazendo com que o usuário se prenda à leitura para conhecer as possíveis consequências de um fato. Isso é potencializado na segunda submodalidade, cuja causa e consequência não são imediatas.

O comentário dos fatos e o uso de exemplos podem ser usados de forma a ampliar as vozes das GRMs, dando espaço para que diferentes pessoas possam comentar e exemplicar os fatos de acordo com seus diversos pontos de vista. O uso de exemplos também pode aproximar os fatos muito abstratos das GRMs às realidades mais cotidianas, facilitando a compreensão e permitindo uma sensibilização, como no caso do uso de anabolizantes em Crime sem Castigo. Conforme vimos, os dados, sustentam a argumentação, não só por meio de texto, mas também na linguagem híbrida da infografia. A dissertação argumentativa, como Terceiridade genuína, promove uma argumentação que leva o usuário a um raciciocínio mais lógico. Além disso, em seu último nível, não ocorre a hibridização com a lógica de nenhuma outra matriz e, por isso, é aplicada unicamente como discurso.

No documento marinaaparecidasadalbuquerquedecarvalho (páginas 138-142)