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Como ocorre na prática

No documento marinaaparecidasadalbuquerquedecarvalho (páginas 78-82)

3.2 As redações convergentes e o trabalho multidisciplinar

3.2.2 Como ocorre na prática

O repórter Marcelo Leite diz que, na seção Tudo Sobre, a ideia é tentar uma integração plena entre texto, foto, vídeo e infografia, o que promoverá um hibridismo de códigos, originando uma comunicação sinestésica, conforme defendemos na introdução.

Então, isso envolve uma série de decisões sobre o que colocar no texto, o que apresentar no vídeo, o que reservar para a fotografia, para as legendas. E isso não pode ser só o repórter de texto a decidir. Ele tem que discutir com o editor, com o responsável pelas imagens, quais infografias.

Assim, para o repórter especial, o trabalho em equipe é essencial. Por isso, conforme dissemos, Marcelo relata que há encontros para reunir profissionais da arte, do vídeo, da fotografia, de forma que todos discutam em conjunto como construir a matéria. Editores de vídeos, por exemplo, podem sugerir as imagens necessárias para se produzir o audiovisual, como imagens de cobertura, aquelas que aparecem enquanto o entrevistado fala, referindo-se ao assunto tratado por ele. Segundo Marcelo, são imagens que muitas vezes um repórter de texto nem imagina necessárias. “Se você não tiver um planejamento e se o repórter de texto não se dedicar também a pensar sobre isso junto com os outros elementos da equipe, na hora de editar começa a faltar muitas coisas. Então, a edição fica mais pobre”, conclui.

Além disso, como coordenador do projeto, Marcelo participa ativamente da hibridização dos códigos, tendo acesso a todos os elementos que estão sendo produzidos e, assim, conseguindo uma visão geral da reportagem. É o coordenador que, junto com o fotógrafo e o editor de imagem decide quais fotos serão utilizadas em formato grande, que ocupa toda a tela, ou aquelas que vão entrar dentro de uma galeria. Marcelo também assiste aos vídeos após a edição, junto com o editor e, eventualmente, também com o fotógrafo ou cinegrafista que fez as imagens e o editor de arte, para verificar se os personagens relevantes realmente ganharam destaque, se as informações colocadas em forma de texto no vídeo são suficientes e se não está havendo redundância. Junto com o repórter e editor de arte, Marcelo também opina sobre a construção das infografias e da programação da reportagem. O coordenador edita ainda todo o conteúdo de texto.

O repórter Marcelo Soares tem uma visão similar à de Marcelo Leite. “Nestes especiais em que a imagem, o vídeo, todos estes elementos são muito fortes, não tem como não trabalhar junto para não ter redundância”, opina. Segundo ele, o manual da Folha já orienta: o que pode ser dito em imagem, não deve vir em texto. Assim, ele ressalta que deve haver muita coordenação entre os elementos e, portanto, também de toda a equipe.

O editor de vídeo Douglas Lambert diz que, para realizar seu serviço em A batalha de Belo Monte, contou, principalmente, com a parceria do coordenador Marcelo Leite. Primeiramente, Douglas assistiu todas as gravações, decupou o material bruto, descreveu todas as cenas filmadas, colocando em uma tabela que foi entregue a Marcelo. Após ler todo o material, o coordenador apresentava as ideias de vídeo, que Douglas montava e passava para o pessoal de Design e Desenvolvimento posicionar na página.

Já os profissionais de Design e Desenvolvimento relatam que, durante a produção da GRM, entre as reuniões regulares, os envolvidos na construção da reportagem procuram a equipe para conversar sobre as possibilidades de artes, infográficos, layouts e animações. “Então, nós temos conversas paralelas para começar a montar um esboço da estrutura desse projeto. Não são só essas reuniões fixas”, explica Rubens Alencar. Para Ângelo Dias, a interação entre todos os profissionais é necessária para que o projeto transcorra bem, pois os programadores precisam estudar as ideias apresentadas e confirmar se podem ser colocadas em prática, conforme apontado também na pesquisa de Canavilhas et al (2016), algo que não tem como ser feito somente durante o tempo das reuniões regulares, pois demanda um raciocínio mais demorado.

O ex-editor adjunto de arte Mário Kanno considera tão importante o trabalho em equipe que, para ele, as matérias da seção Tudo Sobre não funcionam na estrutura hierarquizada tradicional de uma redação, assim como já propõem os autores anteriormente apresentados que falam sobre as redações convergentes. Kanno explica que, em um trabalho em equipe, existe a figura do chefe, mas a convivência entre todos é melhor, com responsabilidades compartilhadas e compromisso entre as pessoas. Cada um dos profissionais envolvidos (de imagem, vídeo, texto, ilustração, infografia, designer e programação) possui um talento específico que apresentará soluções diferentes durante o projeto. “É o mais próximo do que vamos ver, hoje em dia, nas empresas que estão dando certo”, conclui.

Em O Tempo, a função de organizar os diferentes profissionais que participam da produção, assim como os códigos que serão produzidos, é da coordenadora de cross media, Karol Borges, conforme já citamos anteriormente. Para executar essa tarefa, Karol diz que utiliza o Google Drive, onde ela faz um esqueleto da estrutura da reportagem, cria um documento para que os repórteres adicionem seus textos e ela possa editar, monta uma pasta de fotos e adiciona as informações sobre os locais onde cada imagem vai entrar. Também no Google Drive, os repórteres vão acrescentando dados para as artes e os infografistas e ilustradores criam ilustrações para montar videográficos, as quais a coordenadora já repassa para Bruno Grossi, responsável por esse serviço.

O secretário de redação Murilo Rocha considera o trabalho em conjunto importante principalmente na hora de definir os diferentes códigos da reportagem já que, para ele, essas decisões não podem vir apenas dos editores ou da própria coordenadora de cross media, mas precisam contar com os repórteres, a partir do que apuraram e também de outras reportagens que acessaram e tomam como exemplo. Nesse sentido, ele ressalta a importância do pessoal da arte:

Porque, às vezes, realmente ele [repórter] tem uma ideia que o pessoal da infografia diz: “impossível fazer essa infografia nesse tempo, nesse tamanho. Se fizer, vai ficar uma coisa muito pesada”. Às vezes, nós temos ideias que parecem mirabolantes, achamos fantástico, mas não tem como executar. Tem que estar sempre conversando. Esse é um trabalho em conjunto.

A repórter multicódigos59 Natália Oliveira também exerce suas funções em conjunto com os diferentes profissionais. Ela diz que conversa com o fotógrafo para que pensem juntos, desde a produção até edição, o que eles criarão como vídeo. O mesmo vale para a produção de videográficos realizada por Bruno Grossi, que monta um esquema do que será a animação e mostra a Natália para que ela aprove ou sugira alterações. A repórter ressalta também a importância do Google Drive, que pode ser acessado pelos envolvidos na construção da GRM, de modo que todos tenham a chance de sugerir um código interessante para retratar cada assunto, a cada momento. Durante a apuração, Natália destaca o trabalho em conjunto com o fotógrafo. “O vídeo do dia das mães60, por exemplo, (...) minha ideia era gravar filhos e mães separados. E aí, quando fomos gravar, o fotógrafo falou comigo: ‘eu acho que ficaria melhor gravar junto, porque depois, nas imagens, a pessoa pode não entender quem é quem’”, lembra Natália, alegando que o comentário foi muito relevante.

No entanto, para a repórter Joana Suarez, que é do impresso, mas também faz produções com múltiplos códigos, o trabalho em equipe se limita mais ao planejamento da reportagem, quando há a reunião para se pensar como será a GRM. Fora isso, ela diz que não sobra tempo para acompanhar a edição dos vídeos realizada pelos fotógrafos, por exemplo, e que ela somente consegue acabar de escrever o texto e passar para uma próxima matéria. “O Lincon [Zarbietti] é uma pessoa legal, porque, como ele é jornalista, consegue pensar na

59 A denominação “repórter multicódigos” é nossa e foi escolhida, porque a repórter se dedica, principalmente, à construção da GRM em O Tempo. As demais denominações, como coordenadora de cross media, repórter especial, secretário de redação, editora de digital, entre outros, são jargões das próprias redações.

60 Disponível em: <http://www.otempo.com.br/cidades/cora%C3%A7%C3%A3o-de-m%C3%A3e-sem-lugar- para-discrimina%C3%A7%C3%A3o-nem-preconceito-1.1294465> e

<http://www.otempo.com.br/cidades/depois-da-aceita%C3%A7%C3%A3o-da-fam%C3%ADlia-o-medo-do- mundo-1.1295133>. Acesso em 05 jul. 2017.

narrativa. Tem outros fotógrafos que não conseguem, (...) ficam pensando na parte técnica e não criam uma narrativa. Você não consegue entender o que aconteceu”, explica Joana. Ela acrescenta que os fotógrafos também não dispõem de muito tempo para pensar e fazer a edição.

Joana até confessa que gostaria de participar mais dos trabalhos com vídeos para conseguir passar seus sentimentos também por meio desse código, o que ela garante fazer pelo texto. Para a repórter, as ideias que serão retratadas são as do fotógrafo que editará o vídeo e nem sempre refletem o que ela havia imaginado: “(...) quando eu vejo o vídeo, não é nada do que eu pensei. ‘Nossa, eu teria usado um outro momento que a personagem falou, eu teria feito uma imagem da personagem dessa maneira’”, comenta a repórter, explicando seus pensamentos quando o vídeo fica pronto. Ela relata que dá sugestões enquanto o fotógrafo grava, mas que isso não adianta, “porque é ele que está pensando em como vai fechar o vídeo”.

No momento de apuração, o fotógrafo Lincon Zarbietti também ressalta a importância do trabalho conjunto, dizendo que o repórter pode dar sugestões para as gravações e o fotógrafo para apuração e perguntas que estão sendo feitas aos entrevistados. No entanto, Lincon reconhece que o repórter faz um trabalho mais solitário após apuração, dizendo que este chegará na redação e produzirá os textos. Em relação ao trabalho de fotografia, após a produção das fotos, ele diz que, em conjunto com a equipe do portal, verifica como será o layout da reportagem e qual foto e vídeo poderá ser encaixado em cada local.

O fotógrafo também conversa com o repórter para uma troca de ideias sobre o que poderá entrar no vídeo e no texto e que, após essas discussões, ambos podem mudar de ideia sobre o que retratar por meio dos códigos que cada um vai utilizar. Lincon relata que não há uma interferência direta do outro profissional, apenas essa troca de ideias. “Quando está se encaminhando para o final, o repórter vê o vídeo todo. E fala assim: ‘legal, mas gostei disso, não gostei disso’, e aí eu faço as mudanças, mas, geralmente, tem uma base que vai ficar”, acrescenta. Ele também se lembra da importância do saber jornalístico, defendendo que esse conhecimento pode ser aprendido dentro da redação, para se contar uma história utilizando o vídeo.

Já as webdesigners Aline Medeiros e Larissa Ferreira relatam que, a partir dos temas dos especiais, orientam repórteres e fotógrafos na produção das reportagens, um trabalho em conjunto necessário, porque, segundo elas, os jornalistas ainda estão bem imaturos em projetos da web. “Por exemplo, no futebol, precisamos de muitas imagens.

Então, eles levantam as imagens. Ou, então, falamos: ‘esse tipo de modelo de navegação, por exemplo, vocês devem usar menos texto, mais imagens’”, explica Larissa Ferreira.

No documento marinaaparecidasadalbuquerquedecarvalho (páginas 78-82)