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Os interpretantes de Pierce e as dimensões de Ferrés e Piscitelli

No documento marinaaparecidasadalbuquerquedecarvalho (páginas 167-172)

O nosso trabalho também quer analisar as reações dos usuários diante da GRM. Para isso, utilizamos o conceito de interpretante proposto pela Semiótica de Charles S. Peirce e as dimensões da competência midiática desenvolvidas por Ferrés e Piscitelli (2015).

5.4.1 Os interpretantes para Peirce

Para Peirce (CP 6.347), o interpretante está no signo, é um potencial dele, ainda que não ocorra, de fato, a interpretação, assim ele não depende de como uma mente interpretadora específica o vê. Os interpretantes podem ser divididos em imediato, dinâmico e final, o que não significa a existência de três interpretantes separados, e sim, três aspectos ou estágios de ocorrência (CP 8.343). Essa divisão está baseada nas categorias fenomenológicas de Peirce.

O interpretante imediato, como Primeiridade, está relacionado à potencialidade de interpretações do signo, mas que ainda não ocorreram, ou seja, todas as possibilidades de interpretação que um signo pode gerar. “O interpretante imediato consiste na qualidade da impressão que um signo está apto a produzir, não a nenhuma reação real”, esclarece Peirce (CP 8.315).

O dinâmico, como Secundidade, é existencialidade e, portanto, o efeito que o signo de fato produziu no processo interpretativo. “O interpretante dinâmico é qualquer interpretação que qualquer mente realmente faça de um signo. (...) O significado de qualquer signo para qualquer um consiste na forma como ele reage ao signo (CP 8.315)”. Por causa dessa característica de concretude do interpretante dinâmico, Santaella (2008) considera que este é o único que trabalha diretamente em um processo comunicativo.

Por fim, o interpretante final ou normativo, visa à formação das cadeias interpretantes, “normatizando” os legissignos, os símbolos e argumentos. Para Peirce (CP 8. 343), ele é “o efeito que seria produzido na mente pelo Signo depois de desenvolvimento suficiente de pensamento.”.

Santaella (2008, p. 76) resume os interpretantes de forma a facilitar a compreensão sobre eles:

“O imediato é primeiridade, uma possibilidade inscrita no signo para significar; o dinâmico (interpretante produzido), secundidade, é o fato

empírico da interpretação ou resultados factuais do entendimento do signo; o final é a terceiridade, uma regra ou padrão para entendimento do signo”. Peirce criou uma segunda divisão dos signos, também baseada na fenomenologia: interpretantes emocional, energético e lógico. O emocional refere-se a um primeiro momento de ação do signo que causa algum sentimento. A partir disso, pode haver outro efeito, o qual determinará algum tipo de esforço físico ou mental, sendo assim, energético. No esforço mental, lógico, surge, por fim, o interpretante lógico. Todos os três tipos, conforme podemos verificar por suas características, estão ligados, respectivamente, aos níveis de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade (CP 4.536, CP 5.475).

Há duas interpretações para o posicionamento do interpretante emocional, energético e lógico na Semiótica de Peirce, as quais Santaella (2008) apresenta citando as propostas de Savan e Johansen. O primeiro propõe que esses interpretantes pertencem ao dinâmico, já que estão relacionados ao que de fato aconteceu na mente interpretadora e, desta forma, faz sentido estarem ligados ao interpretante existencial. Contudo, para o segundo autor, essa subdivisão pode ser aplicada a todos os interpretantes, sejam lógicos, dinâmicos ou emocionais, de acordo com as características de cada um. Neste trabalho, como tratamos de um processo de comunicação e, portanto, de um interpretante concreto, utilizaremos o emocional, energético e lógico apenas como uma subdivisão do dinâmico.

5.4.2 As seis dimensões da Competência Midiática

Apresentados os conceitos de interpretantes, podemos passar para as definições das dimensões da competência midiática desenvolvidas por Ferrés e Piscitelli (2015), sobre as quais falamos rapidamente na introdução. Para a análise da competência midiática, os autores propõem seis dimensões, dentro das quais estão uma série de indicadores. Estes são relacionados no âmbito da análise, ou seja, na forma como as pessoas interagem com as mensagens recebidas; e no âmbito da expressão, que significa como os indivíduos produzem e divulgam suas mensagens. As dimensões são as seguintes: Linguagem, Tecnologia, Processos de Interação, Processos de produção e difusão, Ideologia e valores e, por fim, Estética. Os autores atentam que as dimensões devem ser analisadas de forma holística e não separadamente.

A Linguagem está relacionada à forma como os usuários compreendem a utilização de diversos códigos nas mensagens e suas funções dentro delas, assim como a capacidade de utilizar diferentes formas de expressão de acordo com as diversas situações

comunicacionais, agregando valor às mensagens produzidas. A Tecnologia, por sua vez, quer verificar se os usuários compreendem o papel da tecnologia na sociedade atual, assim como conseguem utilizá-la para produzir conteúdos com múltiplos códigos e percorrer os ambientes hipermidiáticos. Em Processos de Interação, os indicadores procuram verificar a capacidade de os usuários avaliarem seu consumo de mídia, os efeitos cognitivos das emoções, quais desejos sensoriais e intelectuais alimentam, o discernimento entre emoção e racionalidade, o seu conhecimento sobre audiência e o aproveitamento do ócio midiático para aprendizagem. Essa dimensão também quer avaliar a interação com as plataformas em prol da cidadania, capacidade de colaboração e interação em ambientes plurais e os conhecimentos sobre a legislação audiovisual.

Os indicadores dos Processos de produção e difusão avaliam a compreensão dos usuários acerca dos processos envolvidos na produção e circulação de conteúdos da indústria de mídia, assim como pessoal ou coletivo. Nos casos destas duas últimas, quer saber a capacidade de trabalhar em conjunto, de transformar e produzir significados para as mensagens existentes, circular conteúdo nos meios tradicionais e redes sociais, além de trabalhar com a identidade pessoal online e com o conceito de autoria.

Em Ideologia e Valores, os indicadores apontam para questões como a competência de perceber a estruturação da realidade pela mídia, a confiabilidade das fontes, a busca por diferentes fontes de informação, a compreensão das mensagens subliminares, a percepção de estereótipos, análise da produção de uma cultura homogênea pela mídia, as oportunidades de manipulação e a capacidade de gerir as emoções tendo em vista os valores transmitidos. Quer também avaliar a capacidade oferecida pelas ferramentas de comunicação para circular valores, questionar estereótipos e, assim, comprometer-se como cidadãos. Por fim, na dimensão estética, questiona-se a capacidade de prazer a partir das formas de comunicação, reconhecimento das produções sem as mínimas qualidades estéticas, ligação entre as produções das mídias e as artísticas e identificação de inovação, originalidade, estilo, entre outras categorias estéticas, assim como a capacidade de produzir mensagens com tais características ou de se apropriar de produções artísticas para potencializar a criatividade.

5.4.3 Métodos e técnicas

Durante os encontros do Grupo de Pesquisa sobre Semiótica Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCom/UFJF), o professor doutor Franscisco José Paoliello Pimenta propôs o cruzamento

dos interpretantes emocional, energético e lógico com os indicadores das seis dimensões de Ferrés e Piscitelli (2015). A proposta foi colocada na forma da Tabela 8, pela autora, para verificar a situação das mentes interpretadoras diante das GRMs produzidas pela Folha de S. Paulo e pelo jornal mineiro O Tempo, de Belo Horizonte.No interpretante emocional, posicionamos as carcaterísticas das dimensões predominantemente do campo da percepção e do sensível. Neste caso, a dimensão da linguagem tem a ver com a percepção dos usuários sobre a utilização de diversos códigos e sobre as diferentes funções que tais códigos exercem nas mensagens. Na dimensão estética, a capacidade de prazer está relacionada às emoções possibilitadas pelos códigos.

No interpretante energético, estão os itens das dimensões ligados predominantemente às ações ou atitudes dos usuários diante da GRM. A dimensão da linguagem foi relacionada à reação dos usuários diante dos códigos que necessitam de interação e à capacidade da audiência para transformar e agregar valor às mensagens das GRMs, utilizando ferramentas (como Photoshop, por exemplo). Esta última, também é uma prerrogativa da dimensão da Tecnologia, a qual inclui, ainda, questões relacionadas aos ambientes hipermidiáticos, como a facilidade na navegação, o percurso feito para percorrer a GRM e a influência da velocidade da internet na interação com a matéria. Em Processos de Interação, os itens abordados procuram compreender a capacidade de colaboração e interação dos usuários por meio de comentários e compartilhamento das matérias. É desta mesma forma que também procuramos utilizar a dimensão dos Processos de produção e difusão para verificar a capacidade de transformar e produzir significados para as GRMs, fazendo os novos conteúdos circularem na rede.

No interpretante lógico, posicionamos os itens das dimensões predominantemente ligados ao desenvolvimento de raciocínio. Em Processos de produção e difusão tentamos verificar a compreensão dos usuários sobre a produção e circulação de conteúdos da GRM, questionando sobre conhecimento das ferramentas e recursos financeiros utilizados nessas reportagens. Em ideologia e valores, procuramos saber se os usuários compreendem que as GRMs estruturam uma realidade, podem disseminar mensagens subliminares e serem meios de manipulação, questionando se eles reconhecem a opinião ou ponto de vista do meio de comunicação na reportagem. Por fim, na dimensão estética pedimos a opinião sobre a qualidade das artes, fotos e vídeos para verificar se os usuários reconhecem minimamente as qualidades estéticas.

Tabela 8 - Cruzamento dos interpretantes emocional, energético e lógico com as dimensões da competência midiática

Define como ocorreram os cruzamentos para a produção dos formulários e apresentação do conteúdo Fonte: Grupo de Pesquisa sobre Semiótica Aplicada do PPGCom/UFJF

83 Ressaltamanos que Estética, nesta tabela, refere-se a uma das seis dimensões da competência midiática, conforme descrito no item 5.4.2 As seis dimensões da Competência

Midiática desta dissertação.

Emocional Energético Lógico

Linguagem - Efeito na utilização de vários elementos; - Interação com os diferentes elementos; - Transmissão da mensagem a partir de

vários elementos;

- Utilização de ferramentas para modificação da reportagem.

- Tipos de interpretação a partir de vários elementos.

Tecnologia - Facilidade na navegação com diversos

códigos;

- Percurso feito para percorrer a matéria; - Influência da velocidade de internet na interação com a matéria;

- Utilização de ferramentas para modificação da reportagem.

Processos de Interação Comentário ou compartilhamento das

matérias

Processos de produção e difusão Comentário ou compartilhamento das

matérias

Conhecimento sobre ferramentas e recursos financeiros para a produção dessa reportagem.

Ideologia e valores Opinião ou ponto de vista do meio de

comunicação na reportagem.

Foi enviado um formulário do Google, por mensagem privada, para usuários que comentaram nas publicações do Facebook ou curtiram as mesmas das matérias analisadas nesta dissertação, conforme exposto na introdução. Por meio desta ferramenta, aplicamos um questionário (Apendice O), uma forma de observação direta extendida em que não há a necessidade da presença do entrevistador, conforme define Marconi e Lakatos (2003). Com isso, quisemos obter o maior número de respostas, procurando pessoas que acessaram as GRMs estudadas independentende de estarem ou não fisicamente próximas da pesquisadora. O instrumento apresentava uma série de perguntas abertas, as quais permitiram os entrevistados opinarem livremente, e fechadas, por meio das quais os entrevistados podiam escolher opções como “sim”, “não”, “não sei” ou “talvez”.

No total, dos 425 questionários enviados, recebemos 43 preenchidos (25 da Folha e 18 de O Tempo), entretanto, somente 39 (23 da Folha e 16 de O Tempo) puderam ser aproveitados, pois foram descartados aqueles que não compreenderam as perguntas e responderam de forma totalmente diversa ou aqueles que somente preencheram as questões em que se escolhia uma opção, sem discorrer sobre o que estava sendo solicitado. Foi o caso de um paraguaio que gentilmente respondeu ao questionário, mas pode ter enfrentado dificuldades relativas ao idioma. As questões se basearam na Tabela 8.

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