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A Tolerância no contexto da Religião Natural versus a Religião Civil

Outra importante contribuição para compreendermos a ideia de tolerância e suas implicações vem dos escritos de Voltaire. Como um crítico agudo do modelo religioso de pensamento e das ações com propósitos religiosos, os escritos de Voltaire foram fundamentais para delinear alguns momentos deste evento histórico que chamamos de iluminismo. Se na Idade Média Deus era o centro do Universo, com a descoberta da subjetividade e dos poderes da razão humana o homem toma esse lugar central.

O Iluminismo é, em grande medida, a legitimação da humanidade em sua liberdade, em sua capacidade de, a partir de si mesma, construir a sua história. Segundo Salinas Fortes (1985, p. 9), o iluminismo (ou as Luzes) “é uma profunda crença na razão humana e nos seus poderes, revalorizar o homem significa antes de tudo encará-lo como devendo tornar-se sujeito e dono do seu próprio destino, é esperar que cada um em princípio pense por conta própria”.

Diante de tal declaração dos poderes e direitos humanos, aparece como uma reivindicação da razão humana em seu caminho natural a própria ideia de tolerância. Voltaire vai tratar em muitas de suas obras e contos, bem ao seu estilo, sobre inúmeras questões religiosas, descrevendo de que forma a religião nos ensina a tratar da política e a viver neste mundo. Uma das grandes questões que podemos elencar como pano de fundo de sua reflexão consiste em pensarmos se de fato o cristianismo melhorou nossos costumes ou não. Essa não é só uma questão de Voltaire, mas de todos aqueles que participaram desse momento histórico e que de alguma forma contribuíram com suas ideias para a revolução de 1789.

O período não apenas coloca em suspeita a religião, mas todos os conhecimentos humanos que de alguma forma expõem o seu espírito e moldam a natureza. Um exemplo expoente desta radical reflexão da construção humana do saber deu-se na resposta de Rousseau (2005) ao concurso literário que fez a seguinte questão: as ciências e as artes ajudaram a humanidade a melhorar e reestabelecer os seus costumes? A ocasião deu-se da seguinte maneira: em um jornal de viva circulação na França, de nome Mercure, havia sido anunciada, pela

Academia de Dijon, uma espécie de concurso literário aberto a todos que quisessem participar, partindo da seguinte temática: Teria o progresso das artes e das ciências contribuído para a purificação ou para a corrupção da moralidade? A resposta do filósofo genebrino, em seu tom provocador que será conhecido desde então, foi uma estrondosa negação, da qual se esperava que a pergunta fosse ao menos elogiada.

Existe para Rousseau uma diferença abissal entre a ideia de ciência e a formação das virtudes necessárias para a vida civil. Desta forma ele dispara que “[...] se nossas ciências são vãs no objetivo a que se propõem, são mais perigosas ainda pelos efeitos que produzem”. (ROUSSEAU, 2005, p. 26). Dentre os críticos franceses que promoveram cada um a sua maneira esta devassa na produção intelectual europeia, além de Voltaire e Rousseau, podemos considerar ainda Condorcet, D‟Alembert, Montesquieu, Condillac, etc. De certa forma, o que Rousseau promoveu quanto às Ciências como uma crítica demolidora, Voltaire fez o mesmo com a questão religiosa, usando dentre os vários conceitos para explicitar as suas discordâncias com a Santa Igreja, a ideia de tolerância.

No seu dicionário filosófico ao tratar do verbete tolerância, Voltaire (2008b, p. 469-470) escreve:

Que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Todos nós estamos repletos de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente nossas tolices, é a primeira lei da natureza. Que na bolsa de Amsterdã, de Londres, de Surata ou de Bassra, o guebro, o baniano, o judeu, o maometano, o deícola chinês, o brâmane, o cristão grego, o cristão romano, o cristão protestante, o cristão quacre façam suas transações juntos: que não levantem o punhal uns contra os outros na luta por ganhar almas para sua religião. Por que, pois, nos degolamos quase sem interrupção desde o primeiro concílio de Nicéia?

Nestas primeiras palavras em que busca esclarecer a ideia de tolerância, Voltaire já nos dá uma dimensão do seu significado e de sua abrangência global. Tendo como ponto de partida a intolerância religiosa, ele percebe na ideia de tolerância a capacidade que povos diferentes têm não apenas de conviver entre si nas suas diferentes religiões, mas em suas distintas culturas. O comércio pode nos dar uma dimensão do quanto é vantajoso não atravessarmos as crenças religiosas em meio às transações do mercado. Qual a justificativa que temos, por exemplo, de

não negociar com nosso vizinho porque ele frequenta a Sinagoga? Ou por qual razão nego uma informação durante um passeio na rua porque a pessoa que me abordou usa um turbante? Se a razão é um atributo universal, uma marca característica de todos os homens, como é possível vermos e marcarmos tanta diferença entre todos aqueles que de alguma forma convivem conosco?

O Iluminismo é uma aposta na civilização humana, e em que a razão, já que a religião falhou, possa nos dar as indicações dos melhores caminhos para podermos de fato formar uma comunidade. Todos deverão ser respeitados não pelo credo particular que praticam, mas pela razão pública que demonstram. Voltaire nos traz um exemplo complexo sobre a questão da tolerância,

O povo judeu era, reconheço, um povo realmente bárbaro. Degolavam sem piedade todos os habitantes de um infeliz e pequeno país sobre o qual não tinham mais direito do que sobre Paris e Londres. Entretanto, quando Naaman é curado de sua lepra por se ter banhado sete vezes no Jordão; quando, para testemunhar sua gratidão a Eliseu, que lhe ensinou esse segredo, lhe diz que vai adorar o Deus dos judeus por reconhecimento, reserva-se a liberdade de adorar também o Deus de seu rei; pede licença a Eliseu e o profeta não hesita em concedê-la. Os judeus adoravam seu Deus; mas nunca se surpreendiam de que cada povo tivesse o seu. (VOLTAIRE, 2008a, p. 470).

O que está demonstrado anteriormente, é que não poderíamos esperar do judaísmo outra coisa, exceto um movimento de cooperação religiosa com outros povos, e a adoração a outros deuses. Afinal, foram alguns judeus que promoveram todo o espetáculo da Via Crucis e acabaram por sacrificar com requintes de crueldade aquele que se dizia o próprio Deus encarnado na terra. Esse tipo de postura, que leva a comportamentos extremos e radicais, é de fato característica historicamente atribuída aos povos judeus. A sua marca, ao estabelecerem comunidades herméticas e permanecerem com seus valores tradicionais, demonstra que não há abertura dos judeus para o mundo, e o resultado pleno desse tipo de comportamento só pode ser a intolerância.

O estilo de Voltaire, e a forma como ele expõe seu pensamento não é aquele tradicionalmente visto na filosofia. Como um investigador profundo da natureza humana, as ações e fatos que envolvem os homens e suas escolhas dizem mais sobre a humanidade do que a sua própria forma de pensar. Por essa razão,

excluindo o Dicionário Filosófico, a noção de tolerância atravessa toda a sua obra, e os temas religiosos, como marcas profundas de uma forma de pensar histórica, estão sempre presentes. Não é de se surpreender que ao mesmo tempo ele elogie os povos judeus e com perspicácia demonstre a mediocridade das ações e dos pensamentos de alguns cristãos, afirmando que “de todas as religiões, a cristã é, sem dúvida, aquela que mais deve inspirar a tolerância, embora até hoje os cristãos tenham sido os mais intolerantes de todos os homens”. (VOLTAIRE, 2008a, p. 471). Justificativas religiosas e as razões que tomam a fé como valor único para a tomada de decisões políticas são a base para o comportamento violento dos fiéis entre si, e de toda uma religião contra a outra. O valor religioso não pode ser universalizado, eis a crítica de que propunha Voltaire, e por outros meios os iluministas em geral. Afinal, no lugar da fé – um sentimento privado e individualista - existe uma razão que possa ser considerada universal. Esta sim seria o valor supremo pela qual os outros valores poderiam então ser estabelecidos. Somente sob a guarda de uma razão universal e de um homem considerado racional, seja a qual povo ele pertença, é que a liberdade e finalmente a tolerância podem se afirmar. Quando a intolerância utiliza-se da razão para atingir os seus fins, assim como, quando a razão utiliza-se da intolerância para alcançar seus objetivos, não há outro resultado neste processo senão a violência, e consequentemente, a intolerância.

Vamos ao caso de Jean Calas, descrito em detalhes no Tratado sobre a Tolerância,

Tratava-se, nesse estranho caso, de religião, de suicídio, de parricídio; tratava-se de saber se um pai e uma mãe haviam estrangulado o filho para agradar a Deus, se um irmão havia estrangulado seu irmão, se um amigo havia estrangulado um amigo, e se os juízes tinham do que se recriminar por levado à morte na roda um pai inocente ou terem poupado uma mãe, um irmão, um amigo culpados. [...] era reconhecido por todos aqueles que viveram com ele como um bom pai. Era protestante, assim como sua mulher e todos os seus filhos, exceto um que havia abjurado a heresia e a quem o pai concedia uma pequena pensão parecia tão distante desse absurdo fanatismo que rompe todos os laços da sociedade que aprovou a conversão de seu filho Luis Calas e que tinha em sua casa havia trinta anos uma criada católica zelosa, a qual havia criado todos os seus filhos. (VOLTAIRE, 2008a, p. 15-16).

Esse julgamento é emblemático, pois segundo Voltaire (2008a), contém todos os elementos que podemos atribuir a uma falta extrema da tolerância religiosa. A idolatria, o fanatismo, a fé exacerbada e a intolerância são fatos consumados durante toda a história desse julgamento e são os grandes motivadores para que Calas seja condenado. Nem em sua morte o fanatismo deixou de aparecer já que a morte pela roda é sem dúvida uma das invenções mais cruéis relacionadas à religião, ao Estado e ao sistema judiciário. Um dos maiores obstáculos da tolerância são o ídolo, o idólatra e a idolatria que, segundo Voltaire (2008a), vem do grego eidos (figura) e eidolon (a representação de uma figura) e latreuein (servir, reverenciar, adorar): “o termo adorar é latino e tem varias acepções diferentes: significa levar a mão à boca falando com respeito, curvar-se, ajoelhar-se, saudar e, enfim, comumente, prestar um culto supremo”. (VOLTAIRE, 2008a, p. 323). A idolatria nesse caso promove a suspensão da razão e a renúncia da utilização de uma lógica universal. O filósofo demonstra que

Um fanático do povo gritou que Jean Calas havia enforcado seu próprio filho Marco Antônio. Esse grito, repetido, tornou-se unanime num instante; outros acrescentaram que o morto devia pronunciar abjuração do protestantismo no dia seguinte; que sua família e o jovem Lavaisse o haviam estrangulado por ódio contra a religião católica; no momento seguinte, ninguém duvidava mais; toda a cidade foi persuadida que, entre os protestantes, é um ponto de honra e de religião que um pai e uma mãe devem assassinar seu filho, desde que queira se converter. Os espíritos, uma vez perturbados, não se consegue mais detê-los. (VOLTAIRE, 2008a, p. 17).

Voltaire (ibid, p. 258) define que “o fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que a raiva é para a cólera”. E isso é o que podemos vislumbrar no comportamento do povo descrito anteriormente. Em uma reação em cadeia, a multidão sedenta de justiça e procurando compreender o absurdo daqueles acontecimentos, não teve dúvidas senão aceitar o que a primeira voz lhes propôs, e assumir essa posição como uma verdade absoluta. A questão é: por que foi tão fácil persuadir a população que ali estava de que o fato de ser protestante torna Jean Calas um assassino? E mais grave ainda: um protestante que assassinou seu próprio filho?

A questão é investigar como notícias desse porte, que fazem referências às formas de ser, ao caráter, à privacidade, à ideologia e às escolhas de uma pessoa, podem se tornar o bode expiatório de toda uma comunidade e canalizar a raiva e o ódio adormecidos em cada indivíduo que ali vive. Podemos pensar por exemplo, na comunidade escolar, que é comum que se enquadre as pessoas (estudantes, professores, funcionários) em determinados rótulos, que por sua vez, vão se tornar símbolos do seu caráter e do seu modo de ser. Como esse tipo de violência, essas identidades atribuídas, esse falar mal, esse rotular, se dá no espaço que aposta no cultivo da razão, e se coloca como um espaço civilizador?

Se a religião predominante durante dois mil anos insiste que do criador só vieram o homem e a mulher, está aí o pano de fundo que alimenta a intolerância contra esta escolha sexual ou qualquer outra. Em todo caso, independente da sua escolha sexual; se ele é homossexual ou não; se por várias razões ele está sempre ligado às questões da moda; se o seu comportamento de alguma maneira o leva ao isolamento e a não participação em outros grupos dentro da escola; se a sua postura restringe a sua capacidade de interação social; ao ser taxado de “bicha”, e ser inserido em um rótulo pré-estabelecido pela comunidade escolar, ele estará sofrendo sem dúvida, um ato extremo de intolerância. A partir daí a sua reação seja ela qual for, não pode ser calculada. Não apenas os rótulos de bicha, veado, estranho, esquisito, anormal, diferente ou bizarro, todos esses comportamentos que acusam um determinado individuo de possuir uma moralidade própria, e recusar a moralidade vigente do grupo, também são geradores da intolerância e da exclusão. O que Voltaire ressalta é o caráter irracional desse comportamento, e o quanto ele está distante de um ideal político de liberdade.

Ainda quanto a esta necessidade de rotular o outro, o diferente, aquele que é considerado inferior à si, Elias e Scotson (2000, p. 27) salientam que,

Nos países de língua inglesa, como em todas as outras sociedades humanas, a maioria das pessoas dispõe de uma gama de termos que estigmatizam outros grupos, e que só fazem sentido no contexto de relações específicas entre estabelecidos e outsiders. „Crioulo‟, „gringo‟, „carcamano‟, „sapatão‟ e „papa-hóstia‟ são exemplos. Seu poder de ferir depende da consciência que tenham o usuário e o destinatário de que a humilhação almejada por seu emprego tem o aval de um poderoso grupo estabelecido, em relação ao qual o do destinatário é um grupo outsider, com menores fontes de poder.

Todos esses termos simbolizam o fato de que é possível envergonhar o membro de um grupo outsider, por ele não ficar à altura das normas do grupo superior, por ser anômico em termos dessas normas. Nada é mais característico do equilíbrio de poder extremamente desigual, nesses casos, do que a impossibilidade de os grupos outsiders retaliarem com termos estigmatizantes equivalentes para se referirem ao grupo estabelecido.

Se hoje, podemos atribuir a um vazio existencial que é sentido profundamente pelas pessoas em relação ao mundo, dado que todos os desejos e prazeres foram estupidamente reduzidos a um ideal de consumo, na época anterior as luzes, o vazio se manifestava de forma violenta, no fanatismo e na idolatria. Ambas motivações dão origem a um só tipo de comportamento que se resume à violência, à exclusão e à intolerância extrema.

É claro que todo indivíduo privado que persegue um homem, seu irmão, porque não é de sua opinião, é um monstro. Isso é algo incontestável. Mas o governo, mas os magistrados, mas os príncipes, como deverão proceder com relação àqueles que têm um culto diferente do seu? (VOLTAIRE, 2008a, p. 471).

As instituições e seus representantes desempenham um papel fundamental na máquina que gera a exclusão social. É possível que seus mecanismos sociais, essas invenções burocráticas, esses legitimadores da civilização possam desempenhar um papel contrário? “a discórdia é o grande mal do gênero humano e a tolerância é seu único remédio”. (VOLTAIRE, 2008a, p. 473).

A defesa da tolerância em Voltaire tem como pano de fundo a proposta de um mundo mais civilizado. Ao reconhecer a humanidade e seus limites, a sua distância e o seu desconhecimento absoluto de Deus, Voltaire coloca todos em pé de igualdade. Todos nós comungamos da mesma natureza, uma natureza humana e racional, e ao mesmo tempo, mantemos a mesma relação com o criador. Essa relação, segundo Voltaire, é de puro desconhecimento com relação a Deus e à natureza, e à ocasião de não conhecermos então as suas regras e o seu funcionamento, não temos noção da sua ciência, e nem consciência da sua beleza, o que ocasiona o erro. Errar se torna uma atividade humana, e esta explicaria os motivos pelos quais a tolerância é algo não apenas aceitável, mas necessário.

Jean Calas, como huguenote, tinha naturalmente a sua visão de mundo e a sua concepção de Deus, pelo qual, de uma forma ou outra, exercia e mantinha a sua fé. Isto, sem dúvida, para Voltaire, fora um dos motivos pelos quais Calas acabou sendo condenado. Já que sua prática religiosa determinou no seu julgamento a sua condenação. A grande questão que se coloca deste episódio descrito por Voltaire (2008a) foi que, mesmo diante das evidências sólidas de que seu filho havia cometido suicídio; mesmo diante das práticas de tolerância apresentadas pela conduta de vida do próprio Jean Calas, mesmo diante da multidão de testemunhas que não confirmam a presença do pai durante a morte do filho; mesmo diante de uma história de vida cuja conduta é ilibada; mesmo assim, Jean Calas foi brutalmente assassinado após ser condenado pela maioria dos magistrados que acompanhavam seu julgamento. O que Voltaire coloca em questão é que Calas teve sua condenação por ser de religião protestante, de cunho calvinista, e não pela acusação de ter matado seu filho.

Quando a motivação para o enfrentamento das ideias termina pela proposta de destruição do opositor, a intolerância está instaurada, e o estado de exceção torna-se existente de fato. A justiça nesse caso teve seu peso e sua força balizados por um sentimento religioso, de cunho católico, o que ocasionou no fundo uma ação de perseguição religiosa, e porque não dizer, de terrorismo do Estado. Como é possível vivermos em uma república em que a liberdade de expressão e de pensar dos cidadãos tornam-se apenas enunciados admiráveis da sua Constituição? Se permitirmos que o Estado tenha poder sobre nossas vidas, que inclusive decida quando devemos viver ou morrer, taxando seus cidadãos com as marcas da exclusão e da heresia, então estamos legitimando a intolerância através das instâncias políticas existentes. Foi por essa razão que Voltaire não se calou diante de tal fato, que seria não apenas horrendo, quando proposto de um homem para outro, e de uma ação de poder desproporcional que propõe punir de forma exemplar maneiras de pensar e visões de mundo distintas das que são normalmente aceitas pelo Estado.

O que Voltaire (2008a) pretende naturalmente na sua crítica à intolerância é denunciar a religião, no sentido de que ela não consegue ou não pretende alcançar aquilo que prega aos seus fiéis. A ideia de perdão, por exemplo, tão propalada e anunciada pelos cristãos, muito utilizada como moeda de troca nas relações

humanas, bem evidenciada como uma virtude daqueles que merecem a vida eterna e a ida para o céu, parece ser um ideal inalcançável aos religiosos cristãos. O exercício de perdoar seria a primeira atitude de um sujeito de fato tolerante. Poderíamos pensar como Aristóteles (2003) em sua Ética a Nicômaco, ao introduzir no livro II o tema das virtudes e de que forma elas podem ser apreendidas ou ensinadas – ou não – que a prática do bem e da justiça não pode ser a ação de um dia só.

Para ser bom e justo, e ser reconhecido enquanto tal, devem fazer parte do nosso dia-a-dia, dos nossos atos, da nossa forma de pensar, e até mesmo do nosso vocabulário, as virtudes do bem e da justiça. Essa ação cotidiana de sempre cometer ações ligadas a uma noção de bem (o bem universal), é o que será a marca definitiva do caráter do indivíduo, mesmo se um dia ou outro, por alguma razão qualquer possamos fazer escolhas ruins, e que coloquem em dúvida a moralidade das nossas ações. Dessa forma, o bem torna-se um hábito, e feito de forma inconsciente, sempre alcançará o seu objetivo, que é o de cometer a ação mais justa. Portanto, a pessoa que consideramos como um mau caráter, não pode ser considerada má porque agiu sem idoneidade em um dia apenas de sua vida, mas é