• Nenhum resultado encontrado

5.1 Bullying – Uma das (muitas) faces da violência na escola

5.1.1 o cyberbullying

A evolução tecnológica mudou nossas formas de ver e viver no mundo. Antes, as pessoas usavam as cartas para se comunicarem, para emitir suas opiniões, para dar as boas e más notícias... Basta ver nos antigos textos filosóficos, alguns até citados aqui, nos quais os intelectuais redigiam suas teorias a partir de cartas, e recebiam críticas ou elogios das suas ideias, da mesma forma. Em muitos romances, acompanhamos a nostalgia das escritas das cartas e poemas de amor, e a angústia enquanto se esperava a resposta. Se antes as pessoas precisavam de dias e até semanas para percorrer caminhos; hoje, bastam algumas horas para atravessarmos o país, e até mesmo o Atlântico. O avanço das tecnologias encurtou caminhos, diminuiu distâncias, aumentou o acesso à informação, e também possibilitou a aproximação das pessoas. Depois do telefone com fio, o computador doméstico e a internet, vieram o telefone celular, o computador portátil, a internet sem fio (wifi, 3G, 4G, etc.), os smartphones, os tablets, e uma gama de redes sociais e aplicativos (orkut, facebook, twitter, snapchat, instagram, messenger, whatsapp, skype, e a lista continua a crescer...).

Se por um lado, “o telefone [e todos os novos recursos de comunicação que surgiram depois dele] gerou e continua a gerar verdadeiras fortunas para as companhias de telecomunicação [e, mesmo assim] isso não altera o fato de que as redes de telefonia permitem uma comunicação planetária e interativa” (LÉVY, 1999, p. 12), por outro lado, o excesso e o uso quase mecânico desses meios de

comunicação instantâneos causam problemas e males muitas vezes irreversíveis na vida das pessoas. Neste mundo virtual, neste ciberespaço16, as formas gratuitas de violência se multiplicam, se sofisticam, e os atos de bullying se expandem, recebendo neste mundo virtual o nome de cyberbullying.

O cyberbullying é considerado por muitos pesquisadores como mais prejudicial e agressivo do que o bullying tradicional, pois além de maltratar, difamar e violentar o outro de forma sistemática e repetitiva, ele faz isso de forma virtual, por meio de mensagens amplamente difundidas pela internet. Um dos motivos que contribui para o aumento deste tipo de violência é a sensação de impunidade que se tem no ambiente virtual. Existe uma ideia que perpassa o senso comum, que estabelece a internet e todos os seus ambientes virtuais como espaços de pura liberdade. Atrás da tela do seu computador ou de qualquer dispositivo móvel, existe uma sensação generalizada de proteção e invisibilidade. Esse sentimento então, torna-se o alimento vital não apenas para aqueles que procuram sua liberdade de expressão, mas também para cometer crimes de toda ordem.

Esses dispositivos vão para além de ser uma simples arma nas mãos do agressor, mas tornam-se a extensão de seu próprio corpo, dado que

de Marx a McLuhan, a mesma visão instrumentalista das máquinas e da linguagem: são intermediários, prolongamentos, media-

mediadores de uma natureza idealmente destinada a tornar-se o corpo orgânico do homem. Nesta perspectiva „racional‟, o próprio corpo é apenas um medium. (BAUDRILLARD, 1981, p. 139).

Diante do acesso onipresente da internet e suas possibilidades, os ambientes virtuais acabam por tornar-se mais uma oportunidade de encontro entre o agressor e a vítima. Nesse caso, não há mais hora e nem local para que essa violência ocorra, o que estava restrito quase que exclusivamente aos muros da escola e seu entorno agora se propaga sem limites, adentrando o lar dos envolvidos, na medida em que eles vão estabelecendo os seus laços sociais por meio da internet.

16 “o ciberespaço (que também chamarei de „rede‟) é o novo meio de comunicação que surge da

interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam este universo”. (LÉVY, 1999, p. 17).

As novidades do cyberbullying são muitas e aterrorizantes. Há inúmeras notícias nas mídias de jovens que criam perfis falsos em suas redes sociais, e por um pseudônimo e ainda na ilusão do seu anonimato, dispara todo tipo ofensas, injúrias, calúnias, e constrangimentos contra os seus alvos. Essa agressividade corrobora com aquilo que já manifestamos anteriormente sobre a estreita relação entre o anonimato e a sensação de anonimato. Os perfis fakes tornam-se mais um recurso, e acabam por dificultar muitas vezes o acesso das autoridades aos agressores.

Outra novidade deste tipo de violência se dá no âmbito das comunidades virtuais. Um determinado número de pessoas que se reúne por sua livre escolha em torno de interesses que lhes são comuns, cujo objetivo é a busca da identidade através de seus coletivos, é a matriz deste tipo de comunidade. Se na escola, diante de uma briga, ou até mesmo ao testemunhar um momento de humilhação pública de um colega por outros, os espectadores assistem por vezes de forma passiva este horrendo espetáculo, podemos afirmar que no ambiente virtual isso ocorre da mesma forma.

Ao compartilhar arquivos e conteúdos depreciativos, mesmo sem terem sido os autores dessas violências, podemos apontar uma certa cumplicidade daqueles que espontaneamente contribuíram para dividir e espalhar a “notícia”. Essa modalidade de espectador da violência, e ao mesmo tempo, incentivador deste tipo de ação por meio de compartilhamentos e likes é o que se denomina como coagressor. Existe também responsabilidade daqueles que, mesmo sem se envolver diretamente nos processos de agressão aos colegas, de alguma forma incentivam os agressores a continuarem, tendo em vista que o seu compartilhamento representa a aprovação social e conivência com o que está sendo dito.

Esse tipo de violência virtual é representativa do espectador pós-moderno, que ao mesmo tempo, é extremamente tolerante com a violência, e intolerante com aqueles que a sofrem. A sua capacidade de compartilhar momentos de aflição e humilhação de outrem, não é a mesma de dividir responsabilidades sobre aquilo que está sendo exposto publicamente. O coagressor é uma peça fundamental na engrenagem que mantém o cyberbullying, correspondendo à uma salva de aplausos cada vez que ele decide compartilhar esse tipo de conteúdo.

O cyberbullying transporta os terrores das desastrosas convivências do ambiente escolar para dentro da casa do agredido. O resultado factível deste processo é que não existe mais nenhum ambiente totalmente seguro. A nossa vida virtual tornou-se nos dias de hoje, tão fundamental quanto a vida física, ou real. Aliás, tanto o mundo virtual o quanto o mundo real são partes importantes de uma mesma realidade da qual somos partícipes, e estabelecemos nossas relações sociais e o desenvolvimento de nossos afetos.