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4. Universidade: espaço de produção de conhecimento e campo de lutas

4.3. Universidade e pesquisa no Brasil

4.3.1. A trajetória da pesquisa no Brasil

A pesquisa é, hoje, uma atividade importante e de prestígio, exercida em algumas universidades e centros de pesquisa, que “produz conhecimentos novos que circulam em certos meios, que são aplicados ou difundidos” (SCHWARTZMAN, 2005, p.1). Nas universi- dades que se dedicam a esse tipo de atividade, a pesquisa, em si, se torna uma atividade prioritária. Para Schwartzman (2005), existem modos diferentes de produzir conhecimentos científicos, os quais coexistem na atividade de pesquisa, mas com a predominância de um ou outro de acordo com a época. Até a década de 1930, a pesquisa profissional no Brasil seguia a visão positivista, que privilegia a aplicação tecnológica do conhecimento técnico- científico, considerada o instrumento necessário para que o país se tornasse moderno, ra- cional e eficiente. Na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo - USP e da Academia Brasileira de Ciências, levando ao surgimento de um novo tipo de pesquisa- dor, o conceito de ciência positivista foi substituído pelo de ciência pura, aquela em que a cultura passa a ocupar lugar de destaque e na qual predomina “a idéia de uma comunidade de pesquisadores livres e independentes, aonde a exploração das fronteiras do desconhe- cido tem precedência sobre a prioridade da aplicação e da pesquisa voltada para fins determinados” (SCHWARTZMAN, 2005, p.2). Já nos anos 1950, a ciência passa a ser vista como poder do Estado, o qual se torna o grande financiador das pesquisas, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPQ e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF.

Essa visão se fortalece no período militar, quando o “milagre econômico” aumenta a capacidade de arrecadação de impostos do governo federal, o mesmo acontecendo com os recursos públicos alocados para a pesquisa, os quais são concentrados em grandes proje- tos, inclusive militares. O CNPQ passa a se chamar Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico e passa a fazer parte do Ministério do Planejamento Econômico, juntamente com a Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, criada nesse período. Essa é também a época dos Planos Nacionais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que planejam e integram a pesquisa em projetos de desenvolvimento de longo prazo, e da cria- ção da pós-graduação nas universidades brasileiras, seguindo o modelo norte-americano. Assim, coexistem duas políticas diferentes, uma orientada para a formação de recursos hu- manos para a educação superior, desenvolvida pelo Ministério da Educação, e outra voltada para os grandes projetos tecnológicos, de interesse dos militares (SCHWARTZMAN, 2005). A crise do início dos anos 1980, com a perda de controle do processo inflacionário e a saída de cena do regime militar, levou à deterioração desse modelo (SCHWARTZMAN, 2005). Apesar da restauração da democracia não ter trazido nenhuma nova visão sobre a pesquisa, foi nesse período que a pressão de cientistas resultou na criação do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT e na concentração da maior parte dos recursos destinados à pesquisa no pagamento de bolsas e salários para pesquisadores, o que viabilizou o cresci- mento da pós-graduação, juntamente com a exigência de professores titulados nas univer- sidades e a inclusão da pesquisa como um dos critérios de avaliação da CAPES. Schwartz- man (2005) chama a atenção, entretanto, de que esse último fator, com suas metas quan- titativas e indicadores específicos, apesar de reforçar o sistema de mérito e estabelecer uma referência de qualidade para os cursos de mestrado e doutorado, pode levar à predomi- nância do formalismo da atividade científica sobre o seu conteúdo.

Mudanças ocorridas no cenário internacional da ciência e tecnologia, a partir dos anos 80, desenharam uma nova realidade para as políticas e atividades científicas e tecno- lógicas no país, trazendo um novo modo de produção científica, mais pragmático, interdisci- plinar e relacionado aos interesses comerciais e empresariais (SCHWARTZMAN, 1995). Suas principais características seriam: a aproximação entre ciência, tecnologia, indústria e mercado, decorrente das necessidades de inovação de produtos e processos e de novas qualificações; preocupação com questões de propriedade intelectual, acompanhando a expansão de uma verdadeira indústria do conhecimento; o ritmo acelerado da inovação tecnológica e da competição no mercado; a globalização da atividade científica, pois a velo- cidade e os baixos custos dos fluxos internacionais de informação colocam pesquisadores e centros de pesquisa em constante interação e contato direto, o que proporciona um ambi- ente de comunicação e padrões de produção científica global, independente dos ambientes culturais e sociais de cada país.

A partir da década de 1990, a pesquisa científica é incentivada a se vincular mais for- temente ao setor produtivo, fazendo parte de um sistema de inovação mais amplo que inclui ainda o setor produtivo e empresarial, numa espécie de retorno à concepção utilitarista do início de sua existência (SCHWARTZMAN, 2005, 2007). Entretanto, apesar de existir uma

pressão para que a área científica busque resultados e parcerias, a pesquisa no Brasil continua fechada dentro das universidades e institutos mantidos pelo governo, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos, nos quais 70% dos recursos para pesquisa são aplicados por empresas. Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE mostrou que apenas 7% das empresas no país recorrem à universidade, número que é quatro vezes maior nos países da Europa (ANTUNES, 2007), o que corrobora afirmação de Schwartzman, de que “o grande comprador e usuário da pesquisa científica e tecnológica não é necessariamente o setor produtivo privado, mas o setor público” (SCHWARTZMAN, 2007, p.363). Esse autor argumenta que é preciso sair do modelo milita- rista de pesquisa, mas que é também necessário cuidar para não se restringir à pesquisa burocrática e ritualista dos anos 1990.

No Brasil, um fator fundamental para o desenvolvimento da atividade de pesquisa foi a construção e desenvolvimento do Sistema Nacional de Pós-Graduação - SNPG, que con- tou com um elemento essencial: os Planos Nacionais de Pós-Graduação - PNPGs, docu- mentos formulados pelos organismos e agências nacionais encarregados da política nacio- nal de pós-graduação e de ciência e tecnologia, com o objetivo de traçar diretrizes para o desenvolvimento científico, tecnológico e educacional do país (CURY, 2004).

De acordo com Cury (2004), o I PNPG (1975-1979) tornou o processo de expansão da pós-graduação, até então espontâneo, objeto de planejamento estatal, considerando a pós-graduação como subsistema do sistema universitário, e integrando seu crescimento às políticas de desenvolvimento social e econômico. Suas principais diretrizes foram: institucio- nalizar o sistema de pós-graduação, consolidando-o como atividade regular no âmbito das universidades e garantindo-lhe financiamento estável; elevar os padrões de desempenho e racionalizar a utilização de recursos; e buscar uma estrutura mais equilibrada entre áreas e regiões. Para isso, foram propostas a concessão de bolsas para alunos de tempo integral, a capacitação dos docentes das universidades e a admissão de novos docentes.

O objetivo central do II PNPG (1982-1985) continuou a ser a formação de recursos humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa e técnicas visando ao aten- dimento dos setores público e privado. Mas sua ênfase era na qualidade do ensino superior e da pós-graduação, para o que foram buscados a institucionalização e o aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação, e a participação da comunidade científica.

Já o III PNPG (1986-1989) expressava uma tendência vigente àquela época, que era a conquista da autonomia nacional. Dentro dessa perspectiva, a ênfase principal desse plano foi no desenvolvimento da pesquisa pela universidade e a integração da pós-gradua- ção ao sistema de ciência e tecnologia. Esse plano estabelece a universidade como ambien- te privilegiado para a produção de conhecimento, enfatizando o seu papel no desenvolvi- mento nacional. Seus objetivos foram: a consolidação e a melhoria do desempenho dos

cursos de pós-graduação; a institucionalização da pesquisa nas universidades para assegu- rar o funcionamento da pós-graduação; e a integração da pós-graduação ao setor produtivo.

O IV PNPG (2005-2010) foi elaborado com a colaboração dos representantes de todos os segmentos que atuam na pós-graduação: universidades e pró-reitorias, sociedades científicas, coordenadores de programas e cursos de pós-graduação, representantes de área da CAPES, comitês assessores do CNPQ, comitês gestores dos fundos setoriais do MCT, Associação Nacional de Pós-Graduandos e setor empresarial. Seu objetivo principal é o crescimento equânime do SNPG, com o propósito de atender, com qualidade, as diversas demandas da sociedade, visando ao desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social do país. Aprovado em 5 de janeiro de 2005, tem ainda como objetivo subsidiar a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas para as áreas de educação, ciência e tecnologia.

Assim, a política de pós-graduação no Brasil tentou inicialmente capacitar os docen- tes das universidades, depois se preocupou com o desempenho do sistema de pós-gradua- ção e, finalmente, voltou-se para o desenvolvimento da pesquisa na universidade, já pen- sando na pesquisa científica e tecnológica e no atendimento das prioridades nacionais, mas sempre se preocupando com os desequilíbrios regionais e com a flexibilização do modelo de pós-graduação. O resultado dessa estrutura acadêmica tem permitido a ampliação significa- tiva da comunidade científica nacional e um expressivo crescimento de sua produção inte- lectual. A pós-graduação nacional tem exercido ainda um papel dinamizador na ampliação e renovação de campos específicos do saber (CURY, 2004).

Para Schwartzman (2007), três fatores interligados permitem compreender a influ- ência da economia, que atualmente depende de conhecimentos científicos e tecnológicos, na produção de conhecimentos: a mudança de escala e dos processos de trabalho, que passaram a envolver um número muito grande de pesquisadores, levando o mundo da pesquisa a adotar doutrinas e concepções organizacionais típicas da atividade industrial; a transformação dos valores, com a agregação de novas formas de avaliação de mérito e qualidade, como a utilidade industrial e comercial, a correção política e o exercício do poder; e a preocupação exacerbada com a propriedade do conhecimento produzido, acompanhada pela redução da liberdade de escolha dos pesquisadores sobre os temas a pesquisar. Em função de tudo isso, Schwartzman (2007) defende que o sistema de pesquisa no Brasil pre- cisa passar por uma reorganização, no sentido de abrir as instituições de pesquisa à socie- dade e torná-las mais flexíveis, por meio do estabelecimento de parcerias e pela adoção de procedimentos de avaliação que combinem a excelência acadêmica com a aplicação dos trabalhos. Isso incluiria também a integração das instituições de fomento à pesquisa aos setores da sociedade que fazem uso do conhecimento resultante das pesquisas, como, por exemplo, por meio dos fundos setoriais para financiamento de pesquisas.

Uma vez discutida a situação da universidade no mundo e no Brasil, faz-se neces- sário, então, buscar identificar qual seria o papel da instituição universitária na instauração da prática transdisciplinar, o que será feito na próxima seção.