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5. A metodologia da pesquisa

5.3. O Projeto Manuelzão

Segundo informações apresentadas no sítio do Projeto Manuelzão na Internet (PRO- JETO MANUELZÃO, 2008), o projeto surgiu em decorrência da constatação, por um grupo de professores da Faculdade de Medicina da UFMG, ligados à disciplina Internato em

Saúde Coletiva29, de que não bastava tratar a população a cada período que a disciplina era oferecida, sendo necessário trabalhar as causas das doenças. Para esses professores, saúde não é apenas uma questão médica, mas está diretamente relacionada às condições sociais e ao meio ambiente em que as pessoas vivem. Assim, em 1990, por iniciativa do professor Apolo Heringer Lisboa, o grupo escreveu a versão preliminar de um projeto de extensão intitulado Projeto Rio das Velhas, cujo objetivo principal era “concentrar e integrar os esforços de diversas instituições e áreas do conhecimento a fim de ‘recuperar a saúde’ de um ecossistema” (LISBOA, 1990, p.2). Tal projeto deveria ser apresentado à Câmara departamental do Departamento de Medicina Preventiva e Social, à Congregação da Facul- dade de Medicina e à Câmara de Extensão, na Reitoria da UFMG. A expectativa era de que o projeto fosse implantado em junho de 1991, mas, segundo informado pelo professor Apolo, em entrevista realizada nesta pesquisa de doutorado, o projeto levou sete anos para ter força para começar, porque ninguém acreditava na proposta. Assim, apenas em janeiro de 1997 ele foi institucionalizado como um projeto de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG, já com o nome de Projeto Manuelzão, com o objetivo de promover a revitalização da bacia do Rio das Velhas, um dos afluentes do Rio São Francisco. Seu nome foi inspirado no vaqueiro Manuel Nardi, grande conhecedor do sertão mineiro, imortalizado na obra do escritor Guimarães Rosa como Manuelzão, que apoiou o projeto desde sua implantação (LISBOA, 2005).

O Projeto Manuelzão atua nos 51 municípios da bacia do Rio das Velhas30, incenti- vando a participação e o comprometimento das pessoas, construindo relações com o poder público e o empresariado e atuando na educação ambiental e na pesquisa, de modo que, em cada canto da bacia, as pessoas atuem pelas questões locais e se percebam parte de um sistema em que cada ação reflete no todo. A escolha da bacia hidrográfica do Rio das Velhas foi uma forma de superar a percepção municipalista das questões ambientais, permi- tindo uma análise sistêmica e integrada dos problemas e das necessidades de interven- ções. Para tal, o Projeto Manuelzão firmou parceria com o Governo do Estado e com os mu-

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Trata-se de disciplina obrigatória da grade curricular do curso de Medicina da UFMG, originalmente denominada ‘Internato Rural’, na qual os estudantes passam três meses em municípios do interior do estado e na região metropolitana de Belo Horizonte, desenvolvendo atividades de medicina preventiva e social, não só de assistência, mas também de planejamento das ações de saúde. Fonte: http://internatorural.medicina.ufmg.br.

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Entre os quais a capital do estado, Belo Horizonte. A bacia estende-se por uma área de mais de 30 mil quilômetros quadrados e engloba mais de 4,5 milhões de habitantes.

nicípios ao longo da bacia e mobilizou a população, com a criação dos Núcleos Manuelzão, espalhados ao longo da bacia31.

Este percurso histórico levou o Projeto Manuelzão a extrapolar os limites estritos das atividades acadêmicas de um grupo de professores da UFMG e, desde 2000, ele se organi- zou como Instituto Guaicuy - SOS Rio das Velhas/Projeto Manuelzão, já reconhecido como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, pelo Ministério da Jus- tiça, em 2002. O Instituto Guaicuy tem trabalhado em parceria com a Fundação de Desen- volvimento da Pesquisa - FUNDEP, construindo experiências, estrutura e história na gestão das águas da bacia do Rio das Velhas.

Segundo Polignano (2005), as pesquisas e diagnósticos realizados pelo projeto per- mitiram dimensionar melhor o complexidade dos problemas relacionados com a degradação ambiental da bacia do Rios das Velhas, o que resultou em uma divisão em subprojetos, cada um direcionado para um dos fatores impactantes. A relação desses subprojetos, com seus objetivos, parceiros, ações e resultados, está apresentada no Apêndice 8, permitindo observar a diversidade de atividades que o projeto executa e o forte envolvimento de seto- res externos à universidade.

A questão ambiental não se restringe ao campo da Medicina, no qual se iniciou o Projeto Manuelzão, por isso ele incrementou suas atividades de pesquisa, criando o Núcleo Transdisciplinar e Transinstitucional pela Revitalização da Bacia do Rio das Velhas - NUVE- LHAS, uma equipe de biólogos, geólogos e geógrafos (professores e estudantes da UFMG e pesquisadores) que buscam soluções conjuntas para os problemas da bacia. O núcleo agrega atividades de pesquisa de diversas áreas, como o biomonitoramento e o geoproces- samento.

Em 2003, o Projeto Manuelzão ganhou grande visibilidade na mídia com a realização da “Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas”, na qual foram percorridos os 801 Km do rio, desde a nascente, em Ouro Preto, à foz no São Francisco (MAFRA, 2005). A Expedição, que durou 29 dias, foi recebida, em cada parada, pelas comunidades locais. O relato da descida está publicado em forma de livro32. A partir dessa expedição, o Projeto Manuelzão esboçou o horizonte de revitalizar o Rio das Velhas até o ano de 2010, compromisso conhe- cido como Meta 2010: navegar, pescar e nadar no Rio das Velhas em sua passagem pela região metropolitana de Belo Horizonte, que é, hoje, um dos projetos estruturantes do Go- verno do Estado de Minas Gerais. O escopo do projeto prevê ações de saneamento, como a

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Existem, hoje, cerca de 50 Núcleos, organizados por sub e micro-bacias do Rio das Velhas ou nas localidades situadas na calha do rio. Assessorados pelo Projeto Manuelzão, esses Núcleos têm por objetivo trabalhar as questões ambientais da região que abrangem.

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implantação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), incremento do programa Caça- Esgoto, da Copasa, e ampliação de redes coletoras, além de empreendimentos e interven- ções conjuntas com prefeituras do trecho metropolitano da bacia, entre Itabirito e Jequitibá. Em 2008, o balanço do projeto da Meta 2010 (PROJETO MANUELZÃO, 2008) já registrava avanços: as primeiras obras do Programa de Recuperação Ambiental e Saneamento dos Fundos de Vale e dos Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte - DRENURBS foram inauguradas; a Estação de Tratamento de Esgoto do Ribeirão do Onça estava em obras para fazer o tratamento secundário dos efluentes, resultando em uma despoluição mais eficaz; o conhecimento das pessoas acerca da Meta 2010 cresceu; e o início significativo da volta do peixe ao Rio das Velhas. A volta do peixe, símbolo dessa revi- talização, tem sido confirmada por pesquisadores e também por pessoas que vivem muito próximo ao rio, como os pescadores.

Em maio de 2009, a expedição pelo Rio das Velhas foi repetida, com o objetivo de verificar se as ações em relação à bacia estavam produzindo resultados, e mostrou que espécies de peixes, como o dourado e matrinxã, que precisam de águas limpas, já estão sendo reencontradas próximas a Belo Horizonte, no baixo e médio Velhas. Segundo o coordenador do projeto Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa, essa é uma vitória da parceria entre a sociedade civil e o Governo de Minas (AGÊNCIA MINAS, 2009).

Em 2005, o Projeto Manuelzão inaugurou uma nova agenda, a cultural. De 11 a 15 de novembro, foi realizado o FestiVelhas Manuelzão, o Festival de Arte e Cultura da Bacia do Rio das Velhas, na cidade de Morro da Garça. A segunda edição do FestiVelhas ocorreu em Jequitibá, no período de 6 a 9 de setembro de 2007. Um dos produtos do FestiVelhas é um catálogo dos artistas selecionados para o Festival. Em 2009, teve lugar a terceira edição do Festival, desta vez acompanhando a expedição que desceu o rio, sendo distribuído em cinco encontros de cultura durante os finais de semana do mês de maio, nas cidades de Ouro Preto, Santa Luzia, Curvelo, Várzea da Palma e Belo Horizonte.

E, em 11 de dezembro de 2007, foi realizado, no auditório da Faculdade de Medi- cina, um evento em comemoração aos 10 anos do Projeto Manuelzão, que contou com a presença de cerca de 230 pessoas, todas elas envolvidas com o projeto. Na ocasião, foi feito o lançamento de um livro que narra a trajetória do projeto33.

A vocação interdisciplinar do Projeto Manuelzão está explicitada já na proposta do Projeto Rio das Velhas (ver Anexo 8), que tinha como segundo objetivo (o primeiro era a recuperação do ecossistema do rio) levar à prática da integração ensino-trabalho-pesquisa, sendo que “a proposta concentraria esforços interdisciplinares e mobilizaria recursos huma-

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nos, materiais, políticos e técnico-científicos de múltiplas instituições” (LISBOA, 1990, p.2). E o documento que propõe a criação do Projeto Manuelzão (ver Anexo 9), em 1997, amplia essa vocação, quando se refere ao desenvolvimento de um trabalho com eixo temático úni- co, numa mesma região e com um mesmo objetivo, para acadêmicos, docentes, instituições públicas e população, eixo que denominam objetivo pontual convergente, e que “assegurará ao trabalho uma dinâmica e ao mesmo tempo um caráter estrutural multidisciplinar e trans- disciplinar” (LISBOA, 1997, p.7).

5.3.1. Estrutura organizacional

O Projeto Manuelzão está sediado na Faculdade de Medicina da Universidade Fede- ral de Minas Gerais, onde uma equipe diversificada de profissionais fomenta e coordena atividades em toda a bacia do Rio das Velhas. Sua estrutura principal está apresentada na figura 5.

A coordenação é exercida por professores da Faculdade de Medicina. Na área admi- nistrativa, o Projeto conta com secretaria, departamento jurídico, departamento financeiro e setor de transportes.

FIGURA 3 - Estrutura organizacional do Projeto Manuelzão

Fonte: PROJETO MANUELZÃO, 2009

O grupo de Planejamento da Meta 2010 é responsável pelas ações relativas à meta operacional de navegar, pescar e nadar no Rio das Velhas na região metropolitana de Belo Horizonte em 2010. Já o Grupo de Gestão, Educação e Mobilização Social - GEM tem o papel de fomentar na bacia hidrográfica do Rio das Velhas a participação social no debate sobre assuntos que dizem respeito à água, disseminar novos paradigmas ambientais e influ- enciar no processo de educação e formação dos habitantes da bacia, para que se tornem

sujeitos ecológicos. Trabalha de maneira transdisciplinar, participando do processo de ges- tão dos subcomitês de bacia hidrográfica e do processo de apoio e acompanhamento dos Núcleos Manuelzão.

O NUVELHAS agrega atividades de pesquisa na busca de soluções para os proble- mas da bacia e está instalado no campus Pampulha, em uma ala do prédio da Unidade Administrativa 3.

A área de Comunicação cuida do Centro de Informação e Documentação, do setor de publicações e do sub-projeto ‘Manuelzão dá o recado’, responsável pelas atividades de comunicação e divulgação do trabalho do projeto. Funciona como um projeto de ensino conduzido por um professor do curso de Comunicação Social, com a participação de alunos do curso. O Apêndice 9 sintetiza a produção do projeto e permite constatar a importância da comunicação no trabalho de mobilização por ele realizado, fato estudado por Mafra (2005).