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4. Universidade: espaço de produção de conhecimento e campo de lutas

4.1. A crise da universidade

Crises não são novidade na história da universidade e são um dos temas mais fre- qüentes nos debates sobre esta instituição (VIEIRA, 1989). Uma busca pelas expressões “crise da universidade” e “universidade em crise”, em páginas brasileiras na web, retornou 24.800 e 1.440 entradas, respectivamente, o que pode ser visto como um indicador da atua- lidade e efervescência desse assunto.

Charle e Verger (1996) afirmam que “desde a sua origem, a universidade sempre pareceu estar à espera de uma nova reforma” (CHARLE; VERGER, 1996, p.57). Segundo Minogue (1981), as universidades têm sido constantemente atacadas por seu isolamento do mundo. No século XVII, pensadores importantes da Idade Moderna, entre os quais o emi- nente filósofo e matemático Leibnitz, censuravam a universidade por não contribuir para aquilo que era visto como um esforço cooperativo de todos, o de trabalhar pela riqueza e pelo poder das nações, uma vez que a tradição universitária medieval era de afastamento do mundo. Esse questionamento continua sendo feito nos dias atuais, pois a universidade ainda é vista por muitos como uma instituição indiferente às necessidades humanas, e que ela deveria tornar-se mais “relevante” para a sociedade.

Também são constantes as tentativas de subjugá-la e controlá-la, ao que nem sem- pre ela resistiu. Segundo Minogue, no começo da Idade Moderna, “as universidades tinham

caído em tal deferência mecânica pela autoridade das fontes existentes, que deixaram de provocar uma reação em muitos homens inteligentes e entusiásticos” (MINOGUE, 1981, p.25). Outro exemplo dessa subjugação é dado por Kant (2008) quando, em 1798, faz uma crítica à interferência do governo da então Prússia no cotidiano das faculdades, as quais foram divididas, sem levar em conta a posição dos eruditos, em duas classes: a das três Faculdades superiores (Teologia, Direito e Medicina, nessa ordem de precedência) e a da Faculdade inferior, de Filosofia. Para Kant, as Faculdades superiores eram aquelas que governo tinha interesse em controlar, reservando-se o direito de definir, por contrato junto aos professores empossados, as doutrinas que ali deviam ser ensinadas, de modo a “ter a máxima influência sobre o íntimo dos pensamentos e os mais recônditos desígnios da vontade de seus súditos” (KANT, 2008, p.32). À Faculdade inferior, de Filosofia (que incluía dois departamentos, um de conhecimento histórico e outro de conhecimentos racionais puros) caberia ocupar-se de doutrinas “que não são aceites como princípio regulador à ordem de um superior” (KANT, 2008, p.39), ou seja, era a instância do juízo livre, autônomo, na qual eram julgadas, inclusive as ordens do governo que diziam respeito ao interesse científico. Tais princípios geravam permanente conflito entre essas faculdades, conflito que Kant considerava inconciliável e infindável e que hoje podemos ver reproduzido nas disputas departamentais dentro das universidades.

Já vimos, neste trabalho, que os princípios fundamentais propostos por Humboldt pa- ra a Universidade de Berlim - unidade entre pesquisa e ensino, autonomia administrativa e científica, e interdisciplinaridade - inspiraram a criação de muitas outras (CHARLE; VER- GER, 1996). Mas, no período entre 1860 e 1960, o modelo alemão passou ele mesmo por uma crise, tanto de crescimento, pois o aumento do número de estudantes e a conseqüente heterogeneidade dos perfis daí decorrente traziam perspectivas negativas para a universi- dade, quanto de vocação, com o ensino passando a ser mais orientado para a prática, para o utilitarismo e para a especialização. Além disso, o nazismo liquidou o caráter apolítico da universidade alemã, exigindo e obtendo a adesão à sua filosofia, e perseguindo os que não o faziam, o que causou uma evasão de professores (RIBEIRO, 1978). Na segunda metade do século XX, os problemas enfrentados pela universidade alemã eram, para Ribeiro, refa- zer seus quadros de professores e pesquisadores, recuperar seu antigo nível de excelência, dar conta da avalanche de novas matrículas e “fazer frente às exigências de uma nova civi- lização, integrando, numa unidade orgânica, a universidade técnico-científica e a universi- dade acadêmica” (RIBEIRO, 1978, p.63).

Os limites atuais das formulações de Humboldt são discutidos por Casper (2003), para quem a associação programática entre pesquisa e ensino freqüentemente não é cum- prida, ou então se perde pela falta de recursos, pelo deslocamento da pesquisa para centros externos à universidade ou simplesmente pela pouca preocupação dos professores com a

pesquisa. As universidades gozam, hoje, de maior liberdade para pesquisar que no século passado, mas a burocracia estatal muitas vezes inibe sua iniciativa, e o Estado, como patro- cinador de pesquisas, tende a favorecer aquelas pesquisas que são de seu interesse e as universidades que adotam determinado modelo administrativo considerado ideal pelo Esta- do. Além disso, pressões externas levam a universidade a atender demandas e estabelecer parcerias que a desviam de seu objetivo primordial. E a defesa do trabalho interdisciplinar, feita por Humboldt, defesa que hoje em dia já se tornou quase lugar-comum, é confrontada com uma organização interna das universidades, baseada em disciplinas e Faculdades, a qual representa um obstáculo à sua realização.

A esses questionamentos, Casper (2003) acrescenta outros, como o problema da massificação, que leva a um excesso de estudantes, sem que os recursos disponíveis acompanhem esse aumento, o que acaba limitando a capacitação daqueles alunos mais talentosos. Outro problema a enfrentar seria a influência da tecnologia da informação no futuro da instituição Universidade, pois, segundo esse autor, a tarefa de transmitir conheci- mento é hoje melhor desempenhada pela World Wide Web e o uso de tecnologias de apre- sentação virtual e interativa podem superar a aula nessa função. Também as limitações de espaço e tempo deixam de existir, com a implantação de universidades virtuais, ensino a distância e teleconferências, que permitem o acesso a professores e ao conhecimento pro- duzido na universidade de qualquer lugar do mundo, o que pode vir a tornar desnecessário esse espaço físico que reconhecemos como sendo um campus universitário. Para esse au- tor, o que poderia garantir a permanência da universidade seria a preservação da interação entre professores e alunos, baseada na unidade entre pesquisa e ensino.

A principal função da universidade medieval era a transmissão do conhecimento, cabendo ao professor repassar aos alunos o conteúdo de livros e textos manuscritos aos quais eles não tinham acesso (ROCHA, 2002; 2003). A disseminação do livro, ocorrida a partir do século XVIII, trouxe grandes mudanças para o ensino, abalando a proeminência do professor e representando uma séria ameaça à estrutura do ensino universitário. No século XIX, Fichte (1999) preconizava que a universidade precisava ser modificada, deixando de realizar apenas a transmissão do conhecimento, papel que seria melhor desempenhado pelos livros, ou estaria fadada a desaparecer. Para Casper (2002), as universidades pas- sam, hoje, por uma crise semelhante àquela provocada pela difusão dos livros, agora devido ao avanço das tecnologias de informação e comunicação. Isso deve exigir da universidade a reformulação de sua estrutura: a biblioteca universitária, no sentido tradicional que damos a ela, deixa de fazer sentido, pois o meio digital coloca disponível, com um clique, pratica- mente todo o conhecimento disponível no mundo, apresentado com recursos audiovisuais que sequer poderiam ser imaginados há alguns anos; novas possibilidades de pesquisa se abrem nesse ambiente, podendo ser realizados estudos exaustivos sem a necessidade de

deslocamento, seja para consulta a material de referência quando pela obtenção de dados a serem analisados; e os professores poderão ser substituídos por software educacional de qualidade e o ensino à distância.

Para Ribeiro (1978), o sistema universitário americano alcançou pujança reconhecida no século XX, mas também ele tem problemas a enfrentar. Diferentemente do que ocorreu em outros países, não seria a massificação o seu problema crucial, e sim a necessidade de elevar a exigência dos seus cursos, para satisfazer às demandas de uma sociedade alta- mente tecnológica, e crescente militarização do trabalho de pesquisa, levando ao desen- volvimento de armas de alto poder de destruição. Essa militarização do mundo acadêmico- universitário norte-americano tem, segundo Ribeiro (1978) dificultado o exercício das fun- ções tradicionais dessas instituições e provocado inquietações entre professores e rebeliões estudantis.

O mesmo Ribeiro (1978) faz também uma análise da situação da universidade latino- americana, expressão que engloba desde organizações enormes, compostas por diversas faculdades que atendem a milhares de estudantes, a escolas precárias que se autodeno- minam universidades. Para ele, o atraso em relação a outras nações levou a uma primeira reforma, iniciada em 1918, em Córdoba, visando uma modernização que tornasse a univer- sidade “mais democrática, mais eficaz e mais atuante quanto à sociedade” (RIBEIRO, 1978, p.122), o que, segundo Paula (2005) trouxe para a universidade a atribuição de atuar como instrumento do desenvolvimento regional/nacional, inserindo a extensão como o terceiro pilar de um tripé hoje considerado indissociável: ensino, pesquisa e extensão.

Segundo Ribeiro (1978), o ideário de Córdoba já estaria em parte superado e os postulados ali definidos (cogoverno estudantil; autonomia política, docente e administrativa; eleição dos dirigentes; concursos públicos para seleção de docentes; docência com man- dato; gratuidade; defesa da democracia; liberdade docente; implantação de cátedras livres; e freqüência livre às aulas) não seriam mais suficientes para garantir às universidades lati- no-americanas a necessária renovação. Entretanto, diversas iniciativas de renovação estrutural das universidades latino-americanas fracassaram, e projetos que seguiam a orien- tação norte-americana foram implantados em algumas universidades, classificadas pelo autor como “extremamente precárias”. Mas os reais desafios que exigiriam um posiciona- mento da universidade latino-americana são, para Ribeiro (1978), a opção entre esponta- neidade e planejamento e a opção entre o compromisso com a nação e a postura tradicional de isolamento.

Um dos ideais da universidade seria sua função democratizadora, pois o direito à educação passou a ser visto como parte da cidadania, processo que teve início com a edu- cação básica e se ampliou até atingir a educação superior, ficando o sistema universitário responsável por dar a todos a oportunidade de participar da sociedade por meio do exercício

de funções profissionais (SCHWARTZMAN, 1981). Além disso, ela deveria proporcionar um pensamento crítico e conhecimentos técnicos para permitir aos indivíduos participar plena- mente do mundo tecnologizado que o futuro descortina, assim como oferecer a esses indiví- duos uma profissão de prestígio e remuneração adequada. Para Schwartzman, “na versão moderna dos economistas, a universidade seria a instituição que dotaria cada um de capital humano que produziria cada vez mais riquezas e iria, gradativamente, acabando com as desigualdades e aumentando o desenvolvimento do país” (SCHWARTZMAN, 1981, p.98). A crise desse ideal da universidade teria sido desnudada pela primeira vez, segundo esse au- tor, pelas explosões estudantis de 1968, que ocorreram nos países ocidentais mais desen- volvidos e reivindicavam reformas em suas universidades, colocando em dúvida a própria lógica de funcionamento do sistema universitário, inclusive o princípio da autoridade do pro- fessor, base da meritocracia universitária de então. Bourdieu, em sua obra Homo Academi-

cus, que Loiq Wacquant descreve como “uma análise impiedosa dos determinantes sociais

da produção intelectual da universidade francesa - e portanto dele mesmo, como um acadê- mico” (WACQUANT, 2002, p.96), apresenta os acontecimentos de maio de 1968 como uma crise que começou dentro do campo universitário e se expandiu para outros setores da sociedade (BOURDIEU, 1988).

Segundo Bourdieu (1988), uma das causas da crise de maio de 1968 foi a desva- lorização dos diplomas acadêmicos, em conseqüência do grande crescimento do número de alunos nas universidades. Essa desqualificação, intolerável para os mais privilegiados, afe- tou especialmente jovens vindos das classes dominantes que não haviam conseguido con- verter seu capital cultural herdado em capital acadêmico e nem obter o máximo rendimento de seus títulos escolares no mercado de trabalho, mesmo contando com o capital econô- mico e social de suas famílias. Observava-se também uma perda das posições profissionais por parte de professores que atuavam nos setores menos favorecidos das populações universitárias, os quais tinham uma expectativa de acessar postos na alta educação, mas viam-se relegados às faixas mais baixas da hierarquia universitária, o que gerava neles desapontamento e revolta. Ocorreu, então, de acordo com Bourdieu, um sincronismo, uma coincidência temporal, entre agentes que ocupavam posições equivalentes em campos dife- rentes (estudantes e professores da baixa hierarquia), engajando-os no mesmo jogo, em posições idênticas, no caso, o protesto contra a ordem estabelecida, vista pels dois lados como responsável pela situação que vivenciavam.

A crise do ideal de democratização do acesso ao ensino superior ficou ainda mais clara a partir de estudos que mostraram que, apesar de existir uma grande relação entre educação e renda, existe também uma relação entre renda da família de origem e educa- ção, o que torna a educação um mecanismo de reprodução de um sistema de desigualdade e estratificação social já existente (SCHWARTZMAN, 1981).

Ribeiro (1978) aborda a crise enfrentada pelas universidades modernas, por ele caracterizada como conjuntural (por ser efeito da transição da transição de uma civilização industrial para um outro tipo de civilização), política (pelo conflito de setores da sociedade na definição de como deve ser a universidade), estrutural (o quadro institucional vigente não é capaz de oferecer soluções para os problemas enfrentados pela universidade atual), intele- ctual (a universidade precisa voltar seu olhar para si mesma, para conhecer as forças que a influenciam e as mudanças que nela se fazem necessárias) e ideológica (universidades podem ser instrumento de mudança social ou de manutenção do status quo). Segundo Trin- dade, o que se vislumbra, nos dias atuais, é uma universidade em crise, pois “os mecanis- mos seletivos desenvolvidos, de financiamento da pesquisa científica ou social, básica ou aplicada, querem restringir a universidade à sua função tradicional de formar profissionais polivalentes para o mercado” (TRINDADE, 2001, p.22), posição partilhada por Lyotard, para quem, no contexto da deslegitimação da ciência, as universidades e as instituições de ensi- no superior (IES) passaram a ser solicitadas apenas para formar competências, e não mais ideais.

Santos (1997) defende que, na contemporaneidade, a sociedade e o Estado desa- fiam a universidade a realizar profundas mudanças estruturais, mas sua rigidez funcional e organizacional dificulta a adaptação a essas novas condições. Aos três grandes objetivos tradicionais da universidade, a pesquisa (a busca sistemática da verdade), a educação (fun- cionando como centro de cultura) e o ensino (a transmissão da verdade), foram agregadas outras funções, a partir da proliferação das universidades, do aumento da população estu- dantil e docente, e da inclusão de novas áreas do saber ao ensino e à pesquisa: educação geral pós-secundária; fornecimento de mão-de-obra qualificada; educação e treinamento especializados; seleção para empregos de alto nível; mobilidade social para filhos de ope- rários; prestação de serviços; aplicação de políticas nacionais; e preparação para liderança. As contradições inevitáveis entre algumas dessas funções e as estratégias de sua ocultação e compatibilização criam pontos de tensão no relacionamento das universidades com o Estado e com a sociedade, bem como no interior das próprias universidades, resultando em crises das quais as três principais seriam: a crise da hegemonia, a mais ampla delas, que advém da contradição entre conhecimentos exemplares (científicos e humanísticos, alta cul- tura, pensamento crítico, formação de elites) e conhecimentos funcionais (padrões culturais médios e conhecimentos instrumentais para formação de mão-de-obra qualificada); a crise de legitimidade, decorrente da contradição entre a hierarquização dos saberes especiali- zados (por meio de restrições de acesso e credenciação de competências) e a reivindicação social pela democratização da universidade: a universidade deixa de ser uma instituição consensualmente aceita pela sociedade; e a crise institucional, conseqüência da contradição entre a autonomia institucional da universidade na definição de seus valores e objetivos e as

crescentes tentativas para impor-lhe modelos organizacionais e critérios de produtividade vigentes em empresas ou critérios de responsabilidade social (SANTOS, 1997; 2004a). San- tos (1997) previa que essas crises se acentuariam em curto prazo, trazendo instabilidade para a instituição universitária.

Retomando essas previsões, dez anos depois, Santos (2004a) ressalta a confirma- ção das crises enfrentadas pela universidade, principalmente a crise institucional, por causa da redução do compromisso político do Estado com as universidades e com a educação, e sua conseqüente descapitalização, da redução da autonomia da universidade e sua merca- dorização, e da transnacionalização do mercado de serviços universitários. A universidade perdeu seu lugar hegemônico de produção e disseminação do conhecimento científico e se transformou em alvo fácil de crítica social. As relações entre o conhecimento e a sociedade alteraram-se, o que pode ser visto de forma clara na comercialização do conhecimento cien- tífico. A produção do conhecimento universitário, que era autônoma (os próprios pesquisa- dores definiam quais eram os problemas relevantes, as metodologias e os ritmos da pes- quisa) e desvinculada de sua aplicação pela sociedade, o que se traduzia em certa ‘irres- ponsabilidade social’, passou a ter como princípio organizador a possibilidade de aplicação, resultando em um conhecimento pluriversitário, contextual e transdisciplinar, pois sua contextualização “obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento” (SANTOS, 2004a, p.41).

Questionam-se, hoje, a distinção dada ao conhecimento universitário e, como fundo disso, a própria relação entre ciência e sociedade, deixando essa última de ser apenas obje- to da primeira para ser também sujeito nessa relação (SANTOS, 2004a). Isso desestabiliza a especificidade da universidade, por questionar sua hegemonia e sua legitimidade. Tam- bém contribuíram nesse processo: o desmonte da idéia de projeto nacional, especialmente as políticas econômicas e sociais, nas quais se inclui a educação, desmonte esse patroci- nado pelo neo-liberalismo econômico, e as novas tecnologias de informação e comunicação, que multiplicaram as fontes de informação e abriram novas possibilidades de ensino e aprendizagem a distância, que dilui a territorialidade da universidade, antes evidente no conceito de campus.

Apesar dos clamores pela democratização da universidade, a educação superior, em qualquer sociedade, conservadora ou progressista, é um bem de acesso restrito a uma minoria e a universidade tem como um de seus mais importantes papéis a formação de uma elite intelectual e dos quadros dirigentes da sociedade (VIEIRA, 1989; RIBEIRO, 1978). Mas Santos (2004a) lista algumas idéias mestras que poderiam orientar a transformação da uni- versidade pública, no sentido de uma reforma criativa democrática e emancipatória, envol- vendo a própria universidade pública, o estado nacional e os cidadãos: mudar radicalmente o mundo universitário, buscando novas alternativas de pesquisa, de formação, de extensão

e de organização; lutar pela definição da crise, centrando na busca da recuperação da legiti- midade, e pela definição de universidade, procurando distinguir claramente o que é ensino superior e o que é universidade; reconquistar a legitimidade, por meio de ações relaciona- das à democratização do acesso, pela participação das comunidades e organizações sociais na definição e execução de projetos de pesquisa, pela promoção do diálogo entre o saber produzido na universidade com outros saberes que circulam na sociedade, pela vincu- lação da universidade à educação básica e secundária, pela relação universidade-setor capitalista privado, sem tirar dela o controle sobre sua agenda de pesquisa, e pelo reforço da responsabilidade social da universidade; buscar uma globalização alternativa à globali- zação neoliberal da educação; e regular o setor universitário privado, função essa que cabe- ria ao Estado. Ele conclui que, apesar de perder sua hegemonia, a universidade do século XXI continua sendo uma instituição necessária, pelos conhecimentos que produz, pela for- mação que promove e por constituir-se em um espaço público de discussão e crítica. Para ele, a universidade pública é um bem público e, como tal, precisa abandonar o elitismo e o corporativismo que sempre a caracterizaram (SANTOS, 2004a).

A crise da universidade (financeira, política, de conteúdo etc.) existe, mas não parece estar restrita a essa instituição, trata-se de uma crise mais geral, relacionada ao colapso de instituições sociais, as quais não satisfazem mais aos interesses da ordem social vigente e ainda não assumiram uma conformação que lhes permita atender às necessidades emer- gentes (VIEIRA, 1989). O movimento de 1968, por exemplo, estava inserido em uma situação socioeconômica de queda no nível de emprego e no valor dos salários, mostrando que “a educação universitária pode ser pouco rendosa, intelectualmente frustrante, pessoal- mente extenuante” (SCHWARTZMAN, 1981, p. 101). Para Schwartzman (1981), a crise da universidade não é circunstancial, e sim uma crise de objetivos e metas, pois alguns dos seus antigos ideais precisam ser abandonados e outros precisam ser buscados por outros meios, levando a uma nova agenda que priorize os seguintes pontos: a democratização e cidadania, multiplicando os meios de educação e informação na sociedade, priorizando o conteúdo, em vez do título; a liberdade de ensino e experimentação, em relação a currí- culos, seleção e credenciamento; controle de qualidade e desburocratização, visando uma maior flexibilidade do sistema educacional, porém evitando o abuso e a irresponsabilidade no ensino; tratamento diferenciado das funções da universidade, aceitando a eventual incompatibilidade entre as funções a ela atribuídas (formação profissional, formação e