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1 MODERNIDADE, CONTEMPORANEIDADE E CAMPOS SOCIAIS

1.2 A TRANSIÇÃO E O ‘FIM’ DA HISTÓRIA: A PÓS-MODERNIDADE

Muitos pesquisadores apontam os anos 60 como o início da pós-modernidade. No final da década de 1970, o debate sobre o tema fica mais acirrado, especialmente por causa da

10 Sérgio Paulo Rouanet faz uma reflexão sobre o que ele chama de ‘razão enlouquecida’ no artigo intitulado Iluminismo ou Barbárie, disponível em seu livro Mal-estar na Modernidade, lançado em 1993 pela editora Companhia das Letras (SP).

crise cultural que já vinha com a guerra fria. Com isso, a pós-modernidade começa a se caracterizar no debate em torno da cultura (arquitetura, pintura, romance, cinema, música e outros enfoques), estendendo-se aos campos da filosofia, economia, política, família ou mesmo da intimidade, tornando ainda mais nítido o sentido de campos sociais, ressaltando- se a fragmentação como característica dessa nova era – marcada por crises e transformações em diversos setores. Amparando-se em Krishan Kumar11 (1997), Fridman (1999) cita alguns exemplos:

Crise ecológica, impasse histórico do socialismo, informatização, ‘tribalismos’, declínio da esfera pública e da política, expansão dos fundamentalismos, novas formas de identidade social ou instantaneidade da comunicação e suas imensas repercussões não são fenômenos explicáveis através do recurso à "totalidade unificadora", o que dá origem a esforços de compreensão que seguem em variadas direções. (FRIDMAN, 1999, p. 358)

Enquanto condição histórica, a sociedade pós-moderna é considerada a fase tardia do capitalismo e diz respeito à economia, à política e à sociedade-cultura que começam a emergir com a crise do taylor-fordismo. Sendo uma condição histórica não se pode negar as contradições – produtivas e não-produtivas – que lhes são inerentes. Portanto, a pós- modernidade é vista como um período impregnado por problemas de todas as ordens, mas também de positividades/possibilidades (SIQUEIRA, 2003). É considerada, ainda, a sociedade pós-moderna como a lógica cultural do capitalismo tardio:

O que "tardio" geralmente transmite é mais um sentido de que as coisas são diferentes, que passamos por uma transformação de vida que é de algum modo decisiva, ainda que incomparável com as mudanças mais antigas da modernização e da industrialização, menos perceptíveis e menos dramáticas porém mais permanentes, precisamente por serem mais abrangentes e difusas. Isso significa que a expressão capitalismo tardio traz embutida também a outra metade, a cultural (JAMESON12, 1996, p. 24-25 apud FRIDMAN, 1999)

Enquanto teoria social, a pós-modernidade desenvolveu-se nos anos de 1980 na Europa e nos Estados Unidos a partir de novas reflexões sobre as características e significados da modernidade e a chegada da pós-modernidade. A clássica obra A condição pós-moderna, de Lyotard, publicada em 1979, representa o marco inicial dos debates sobre a temática e apresenta o problema da legitimação do conhecimento na cultura contemporânea. Ainda nos

11 A obra de Krishan Kumar usada nas reflexões de Fridman sobre as crises pós-modernas é intitulada Da

sociedade pós-industrial à pós-moderna, editada por Jorge Zahar, em 1997, Rio de Janeiro.

12 Fridman também consulta o livro Pós-modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio, de Fredric JAMESON (São Paulo, Ática, 1996).

anos 80, muitos outros pensadores como Marshall Berman, Alain Touraine, Jüngen Habermas e Frederic Jameson, tentaram entender a era pós-moderna, seja pela ótica marxista (Jameson), pós-socialista (Touraine) ou lamentando a interrupção do projeto moderno iluminista, um “projeto inacabado”, cujos desacertos deveriam servir de lição para a compreensão do mesmo (Habermas).

Enquanto reação cultural, Fridman (1999) diz que a pós-modernidade apresenta fortes tendências ao Irracionalismo (o fundamentalismo contemporâneo e a sociedade de consumo são exemplos dessa indicação), as quais convivem em um universo cultural de

colonização pela estética da ciência e da ética. Este autor ressalta que certas concepções se destacam e podem ser tomadas como referência no debate sobre a pós-modernidade, como as caracterizações da sociedade do conhecimento (ou sociedade da informação) e da sociedade da imagem, onde tudo vira espetáculo, onde a mídia tem um papel fundamental na produção de narrativas que criam um universo de ilusão: o "espetáculo" midiático atinge as diversas esferas sociais, produzindo uma "realidade à parte" ou o "hiper-real", segundo a expressão de Baudrillard (1991) e que veremos mais adiante. Em sua abordagem sobre modernidade e o campo dos media, o catedrático professor português Adriano Rodrigues (1999) fala também sobre o aspecto das diversas expressões que caracterizam os tempos atuais:

Desde que, no final dos anos 60, Daniel Bell utilizou a expressão “sociedade pós- industrial”, várias outras expressões têm sido propostas para designar a nossa época. Cada uma destas designações sublinha um aspecto particular das transformações que têm marcado o nosso tempo e depende, por conseguinte, da perspectiva adoptada por cada autor para as entender. Mas a utilização das designações sociedade pósindustrial, pós-moderna, pós-racional, pósiluminista, tal como a expressão fim da história, proposta por Fukuyama13, possuem como lugar comum o facto de serem expressões negativas, de sublinharem o fim ou a perca das características da experiência do passado. A única excepção que eu conheça a esta concepção negativa das designações epocais é a de “sociedade da informação”, que surgiu sobretudo a partir do final dos anos 80. Ao contrário das designações anteriormente evocadas, esta última expressão está associada a uma visão positiva e optimista das mudanças do nosso tempo. (RODRIGUES, 1999, p. 2-3)14

Uma das teses de Boaventura de Sousa Santos (2005b), apresentada no clássico Pela

Mão de Alice, sugere que vivemos, hoje, uma situação que se apresenta como de crise ou vazio, mas que é, na verdade, uma situação de transição.

A sua extinção (do paradigma cultural da modernidade) é complexa porque é, em parte, um processo de superação e, em parte, um processo de obsolescência. É superação na medida em que a modernidade cumpriu algumas de suas promessas e, de resto, cumpriu-as em excesso. É obsolescência na medida em que a modernidade está

13 Rodrigues refere-se aqui ao escritor Francis Fukuyama e a sua polêmica obra: O Fim da História e o Último

Homem.

irremediavelmente incapacitada de cumprir outras das suas promessas. [...] Como todas as transições são simultaneamente semi-cegas e semi-invisíveis, não é possível nomear adequadamente a presente situação. Por esta razão, tem lhe sido dado o nome inadequado de pós-modernidade. Mas, à falta de melhor, é um nome autêntico na sua inadequação. (SANTOS, 2005b, p. 76-77)

Bauman15 (1998 apud FRIDMAN, 1999) também não fala em ruptura e considera a “pós-modernidade” como a condição atual da modernidade, reforçando, então, a visão de Boaventura de Sousa Santos descrita acima.

A pós-modernidade é a modernidade que atinge a maioridade, a modernidade olhando-se a distância e não de dentro, fazendo um inventário completo de ganhos e perdas, psicanalizando-se, descobrindo as intenções que jamais explicitara, descobrindo que elas são mutuamente incongruentes e se cancelam. A pós- modernidade é a modernidade chegando a um acordo com a sua própria impossibilidade, uma modernidade que se automonitora, que conscientemente descarta o que outrora fazia inconscientemente. (BAUMAN, 1998 apud FRIDMAN, 1999)

Giddens (1991), que, além da expressão ‘modernidade reflexiva’, também adota a expressão ‘modernidade tardia’ ou ‘radicalizada’, defende a tese de que não convém chamar este estado da modernidade como pós-modernidade, mas considerá-lo como o resultado de um processo autoelucidativo do pensamento moderno:

A ruptura com as concepções providenciais de história, a dissolução da aceitação de fundamentos, junto com a emergência do pensamento contrafatual orientado para o futuro e o “esvaziamento” do progresso pela mudança contínua, são tão diferentes das perspectivas centrais do Iluminismo que chegam a justificar a concepção de que ocorreram transições de longo alcance. Referir-se a estas, no entanto, como pósmodernidade, é um equívoco que impede uma compreensão mais precisa de sua natureza e implicações. As disjunções que tomaram lugar devem, ao contrário, ser vistas como resultantes da auto-elucidação do pensamento moderno, conforme os remanescentes da tradição e das perspectivas providenciais são descartados. Nós não nos deslocamos para além da modernidade, porém, estamos vivendo precisamente através de uma fase de sua radicalização. (GIDDENS, 1991, p. 158)

Ao adotar essa linha de pensamento, Giddens (1991) reforça a sua rejeição ao termo ‘pós-modernidade’ e recorda a seguinte definição de um dicionário de cultura moderna: "Pós- modernismo: esta palavra não tem sentido. Use-a frequentemente”. Fridman (1999) chama a atenção para o fato de que não se vai muito longe com a desqualificação do conceito, mas acredita que a ideia de pós-modernidade presta-se a piruetas intelectuais inócuas ou ainda a fecundas interpretações isoladas, o que não garante uma apreensão mais profunda da origem das discussões nem o esclarecimento adequado do que está em jogo.

15As reflexões de Zygmunt Bauman podem ser conferidas em seu livro O mal-estar da pós-modernidade, editado pela Jorge Zahar em 1998, Rio de Janeiro.

No ensaio intitulado Modernidade e Pós-modernidade: em direção à uma

compreensão paradigmática, pesquisadores da Universidade de Brasília16 sugerem que o pós- moderno caracteriza-se por trazer uma dissolução na categoria do novo e não por se tratar de uma novidade em si ou uma experiência de "fim da história" - onde a noção de um processo histórico unitário se dissolve e onde a história dos eventos, a história dos vencedores, se torna apenas uma "estória" entre outras. O nivelamento da experiência no plano da simultaneidade e da contemporaneidade produziria uma des-historicização da experiência.

Este contexto tem se desenvolvido à medida que ‘o progresso se tornou uma rotina’ (VÁTTIMO, 1996). Ainda naquele ensaio, diz-se que, quanto mais aumentam as possibilidades do homem de dispor tecnicamente da natureza, de alcançar novos resultados, menos "novos" se tornam estes resultados, configurando-se, assim, em um processo de exaustão: onde a novidade é cada vez menos nova, menos revolucionária, permitindo apenas que as coisas prossigam do mesmo modo. Enquanto o modernismo e suas vanguardas exprimiam a ambiguidade da exaltação da novidade permanente e do desconforto com relação ao mundo das mercadorias, o pós-modernismo revela uma nova dinâmica da sociedade:

Sustento, portanto, que vivemos em uma cultura pós-moderna. A pós-modernidade não abandona os imperativos de racionalidade crítica, ao contrário, leva a crítica às mais profundas conseqüências, questionando os conceitos e pressupostos da modernidade. E há boas “razões” para isso, que se revelam pela própria crise na cultura moderna. As “razões” da pós-modernidade são “razões” para que se reavaliem os “desacertos do projeto”, para que sejam revistas as noções mais fundamentais da modernidade, incluindo o próprio conceito de “Razão”. (FRIDMAN, 1999, p. 13)

Esse momento da "modernidade avançada" é caracterizado por uma dinâmica especifica produzida pela reflexibilidade, pessoal ou institucional, segundo Giddens (1991). Nesse estágio da Modernidade, os indivíduos utilizam informações, com frequência, para lidar com o seu cotidiano. A reflexividade seria a cognoscitividade dos atores sociais e uma postura ativa com relação às condições de existência. “Desse ponto de vista, a linguagem é um fator fundamental na constituição das atividades concretas da vida e base do exame e reforma das práticas sociais por força da informação renovada”. (FRIDMAN, 1999, p. 13)

Assim, a sociedade da informação é vista pela disseminação do conhecimento a todos os planos da vida social. Informação e conhecimento sempre foram cruciais no crescimento econômico e a evolução tecnológica determina, em grande parte, a capacidade produtiva da

16 Esse ensaio pode ser consultado na seção “Hipertexto – o universo em expansão”, integrante do sítio eletrônico da Faculdade de Comunicação da UNB e disponibilizada no seguinte endereço virtual: <http://vsites.unb.br/fac/ncint/site/parte13.htm>.

sociedade e seus padrões de vida. Tudo é movido por “uma rede global de interação que gera concorrência e consumo” (CASTELLS, 1999, p. 88). Um consumo estimulado, principalmente, através da imagem, numa sociedade onde tudo vira espetáculo.