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1 MODERNIDADE, CONTEMPORANEIDADE E CAMPOS SOCIAIS

1.4 TEORIA DOS CAMPOS SOCIAIS: RELAÇÕES DE FORÇA E DE PODER

1.4.3 Relações de Poder e o Poder Simbólico

O poder político é uma das formas mais expressivas de poder. Do latim potere, a palavra poder significa o ato de deliberar, mandar e agir sobre algo e/ou alguém; seria a faculdade de exercer a autoridade, a soberania, a posse do domínio, da influência ou da força. Rompendo com as concepções clássicas deste termo, o filósofo Foucault (1979) diz que o poder não pode ser localizado em uma instituição ou no Estado, não devendo ser considerado como algo que o indivíduo cede a um soberano, mas sim como um exercício relacional, uma relação de forças.

Foucault (1979) explica que, sendo uma relação, o poder não estaria em nenhum lugar específico, mas em todas as partes dela. Portanto, para este autor, não existe o poder propriamente dito, mas práticas ou relações de poder: é luta, relação de força, situação estratégica, afrontamento.

A visão de estratégia é fundamental para entender o poder, pois se exercita através dos discursos de diferentes dispositivos disponíveis para impor esse poder. Em A Ordem do

Discurso onde são abordados os perigos dos discursos, Foucault (1996, p. 8-9) trabalha a hipótese de que a produção do discurso, na sociedade, é, ao mesmo tempo, “controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada, temível materialidade”.

Dentre outros procedimentos de controle e de delimitação do discurso, esse filósofo ressalta os sistemas de exclusão, que se exercem, de certa forma, a partir do exterior e “dizem respeito sem dúvida à parte do discurso em que estão implicados o poder e o desejo”

(FOUCAULT, 1971, p. 10). No universo da política, o discurso tem força explícita e funciona como uma estratégia onde ‘dizer é fazer’, ou seja:

[...] fazer crer que se pode fazer o que se diz e, em particular, dar a conhecer e fazer reconhecer os princípios de di-visão do mundo social, as palavras de ordem que produzem a sua própria verificação ao produzirem grupos e, desse modo, uma ordem social”. (BOURDIEU, 2006, p. 185-186)

A voz do político seria a voz que tem reconhecimento, legitimidade e representa um grupo. Portanto, o campo político é o lugar de concorrência pelo poder através da concorrência, como diz Bourdieu, pelos profanos, “ou melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos” (BOURDIEU, 2006, p. 185). O campo político é essencialmente o campo do poder, o campo de lutas e da representação legítima dessas lutas, sendo, portanto, um campo relacional, onde todos desempenham um papel. Bourdieu (2006) esclarece que a sociedade, segundo a 'decisão interativa' (Teoria do Jogo20), é o grande campo de negociação, o palco onde são montadas as estratégias do jogo, o espaço para o jogo de classes, de relações.

Bourdieu (2006) chama a atenção para o fato de que, num estado do campo em que se vê o poder por toda a parte, é preciso saber descobrir onde ele é menos visível e também mais ignorado. “O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2006, p.7-8). Para este sociólogo, o poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (em particular do mundo social) supõe uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número e da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências.

Dessa forma, o poder simbólico é o poder que permite impor significados no mundo, manter ou subverter a ordem e é reconhecido pelo público através da crença na legitimidade das palavras de quem as pronuncia. É uma forma transformada, ou seja, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e de fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, desse modo, a ação sobre o mundo, portanto, o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico da mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. (BOURDIEU, 2006, p.14)

20 Os autores desta teoria são Robert J. Aumann e Thomas C. Schelling, vencedores do prêmio Nobel de Economia 2005.

O poder simbólico é considerado, ainda, um poder de construção da realidade, que tende a estabelecer um sentido imediato do mundo. Como diz esse sociólogo, é como se fosse um poder ‘quase mágico’, uma vez que consegue alcançar aquilo que é obtido pela força (física ou econômica) sem que aquele que lhe está sujeito esteja consciente dessa dominação, ou seja, a sua violência (simbólica) é ignorada. Assim, o poder simbólico está sempre presente na luta entre dominados e dominantes, a qual ocorre através dos conflitos simbólicos da vida cotidiana.

Para Bourdieu (2006), o poder simbólico se define em uma relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, ou seja, na própria estrutura do campo em que se produz e reproduz a crença, é um crédito que aquele que lhe está sujeito dá a quem o exerce. Nesta relação, explica este teórico, o que está em jogo é o monopólio da violência simbólica, ou seja, o poder de impor instrumentos de conhecimento e de expressão arbitrários, embora sejam ignorados como tais. Desta forma, o poder simbólico, conforme explicado anteriormente, está na relação de determinação entre quem exerce o poder e quem lhe está subordinado - e não nos sistemas simbólicos propriamente ditos.