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1 MODERNIDADE, CONTEMPORANEIDADE E CAMPOS SOCIAIS

1.4 TEORIA DOS CAMPOS SOCIAIS: RELAÇÕES DE FORÇA E DE PODER

1.4.1 Funções, Legitimidade, Natureza: o Campo Social

Rodrigues (1999) explica que um campo social desempenha dois tipos de funções dentro do seu domínio específico de competência: funções expressivas ou discursivas e funções pragmáticas ou técnicas. As funções expressivas ou discursivas consistem no exercício da competência legítima por parte de um campo social para enunciar os princípios, os valores e as regras que têm curso dentro do domínio da experiência sobre o qual tem competência. Já as funções pragmáticas ou técnicas consistem no exercício da competência

legítima por parte de um campo social para intervir, com eficácia, com vista à criação, à inculcação, à manutenção, ao sancionamento e ao restabelecimento da sua ordem de valores.

É bom lembrar que as funções pragmáticas de um campo social são consideras, por conseguinte, de natureza pedagógica e terapêutica. As funções de natureza pedagógica têm a ver com a inculcação da sua legitimidade ao conjunto da sociedade, ao passo que as funções terapêuticas têm a ver com a intervenção destinada ao restabelecimento da sua ordem de valores própria. (RODRIGUES, 1999, p. 21).

Quanto à legitimidade dos campos sociais, uma das características fundamentais de um campo social é o fato de deter uma legitimidade exclusiva, tanto para enunciar as regras que devem ser observadas por todos, como para fazer uma intervenção no domínio da experiência sobre o qual detém competência. Rodrigues (1999) chama a atenção para o fato de ser importante fazer a distinção entre duas modalidades de legitimidade de um campo social: a própria e a vicária. Por legitimidade própria, explica este pesquisador, entende-se a que um campo social possui dentro do seu domínio próprio da experiência, ao passo que a legitimidade vicária é aquela que um campo social possui num domínio da experiência que não lhe é próprio, por delegação de outro campo social – o que pode causar tensão e conflitos.

O campo tem seus agentes, os quais criam o espaço que só existe pelos próprios agentes e pelas relações objetivas entre estes. Essas relações objetivas seriam constitutivas da estrutura do campo em questão, a qual é determinada pela distribuição do capital num dado momento.

Em outras palavras, os agentes caracterizados pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço. Mas, contrariamente, cada agente age sob a pressão da estrutura do espaço que se impõe a ele tanto mais brutalmente quanto ao seu peso relativo seja mais frágil. Essa pressão estrutural não assume, necessariamente, a forma de uma imposição direta que se exerceria na interação - ordem, ‘influência, etc. (BORDIEU, 2004, p. 24)

Bourdieu também explica que os agentes sociais têm disposições adquiridas - o que ele chama de habitus, ou seja, maneiras de ser permanentes, capazes de levar os agentes a resistir e/ou opor-se às forças do campo. Com isso, ao contrário de submeter suas disposições às estruturas, tentam alterar tais estruturas de acordo com as suas disposições.

Os agentes sociais estão inseridos na estrutura e em posições que dependem do seu capital e desenvolvem estratégias que dependem, elas próprias, em grande parte, dessas posições, nos limites de suas disposições. Essas estratégias orientam-se seja para a conservação da estrutura, seja para a sua transformação. (BOURDIEU, 2004, p. 29)

As ações são estratégias que se dão sempre relacionalmente, uma vez que pretende provocar resultados em outros atores. A estrutura dessas relações determina o que os agentes podem e/ou não podem fazer e consiste nos princípios do campo. É a posição que os agentes ocupam nessa estrutura que “determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de posição” (BOURDIEU, 2004, p. 23). Citando o campo científico como exemplo, este autor esclarece que a posição que os agentes ocupam indica “de onde eles falam” e é a partir dessa posição que eles fazem os fatos ou o próprio campo em questão.

Ressalte-se que é muito difícil ‘manipular’ um campo. “As oportunidades que um agente singular tem de submeter as forças do campo ao seus desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, ao seu capital de crédito científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do capital” (BOURDIEU, 2004, p. 25) entre os diferentes agentes desse campo. Assim, cada campo seria o lugar de constituição de uma forma específica de capital.

Em relação à natureza dos campos sociais, Rodrigues (1999) diz que a especificidade de um campo social consiste na averiguação do domínio da experiência sobre o qual é competente e sobre o qual exerce uma competência legítima.

Por campo social entendo uma instituição dotada de legitimidade indiscutível, publicamente reconhecida e respeitada pelo conjunto da sociedade, para criar, impor, manter, sancionar e restabelecer uma hierarquia de valores, assim como um conjunto de regras adequadas ao respeito desses valores, num determinado domínio específico da experiência. (RODRIGUES, 1999, p. 20)

Quanto à regularidade e aos regimes de funcionamento dos campos sociais, Rodrigues (1999) chama a atenção para o fato de que um campo social apresenta regimes diferenciados de funcionamento, classificados como ‘acelerados’ e ‘lentos’. Quando mobiliza o conjunto dos domínios da experiência em torno das suas regras próprias, sobrepondo-se ao funcionamento dos outros campos sociais, diz-se que o regime de funcionamento é acelerado. Assim, por exemplo, por ocasião das revoluções, o campo político apresenta um regime acelerado de funcionamento, mobilizando os demais campos.

Quanto ao funcionamento lento de um campo, diz-se do regime que vigora em período normal, durante o qual se estabelece um relativo equilíbrio entre a mobilização de um campo com a mobilização dos campos restantes. Rodrigues (1999) ressalta que o equilíbrio dos regimes de funcionamento dos campos sociais é, no entanto, sempre relativo e instável.

Devido à natureza autônoma de cada um dos campos, cada um tende a sobrepor a sua lógica e os valores que entende regular à lógica e aos valores dos outros campos, a acelerar o

seu próprio regime de funcionamento – especialmente pela ocorrência de fenômenos exógenos que tornam vulneráveis sua própria ordem de valores.