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1 MODERNIDADE, CONTEMPORANEIDADE E CAMPOS SOCIAIS

1.5 POLÍTICA, MÍDIA E PODER: A DISPUTA ENTRE OS CAMPOS SOCIAIS

1.5.2 Campo Midiático: efeitos estratégicos na luta pelo poder

Nos estudos da Comunicação, é freqüente a abordagem sobre velhos e novos paradigmas, enfocando-se vários aspectos, contextos, características, temas e conceitos, dentro outros. Um importante instrumento de investigação sobre a influência que a mídia exerce na sociedade é a Agenda Setting31, desenvolvida pela Sociologia da Comunicação. Sua

30 Um exemplo de assuntos mais específicos é a antiga discussão sobre a transposição do Rio São Francisco. 31 A Teoria da Agenda Setting foi formulada na década de 1970 por Maxwell McCombs e Donald Shaw e compreende o poder de influência dos meios de comunicação sobre a opinião pública através da escolha da pauta feita por estes. O termo ‘Agenda Setting’ significa pauta de fixação, através da qual a mídia pode até não dizer o que público deve pensar, mas determina com muita eficácia sobre o que se deve pensar, discutir, opinar. Para mais informações sobre a Agenda Setting, consultar Mauro Wolf em “Teorias da Comunicação” (Lisboa: Presença, 1987). Neste livro, o autor aborda sua abordagem divide-se em quatro tópicos: Mass media: contextos

essência é agendar e/ou selecionar a informação a ser divulgada, ou seja, determinar a pauta para a opinião pública.

Ao destacar determinados temas e descartar ou ignorar outros, a mídia pode direcionar atenção do público para os assuntos que selecionou, ou seja, para o que seus profissionais consideram que seja importante ou de interesse coletivo. No entanto, ao preterir certos assuntos que também poderiam ser considerados de interesse público, a Agenda Setting nos remete a uma questão abordada pela Análise de Discurso (tema do próximo capítulo desta pesquisa), a de que os silêncios também são portadores de sentidos – até porque a escolha de fatos e/ou assuntos que vão virar notícia coloca em questão, ainda, a autonomia profissional, a manipulação, distorção voluntária e involuntária da informação, dentre outros fatores condicionados à mensagem e recepção.

No que se refere à mensagem, as notícias sobre política são um ótimo exemplo de efeitos a longo prazo, uma vez que o campo midiático influencia na formação da opinião pública a respeito da luta pelo poder travada no campo político. Neste contexto, a mídia costuma fazer a chamada espetacularização da notícia para atingir o seu público alvo, no caso o receptor da mensagem. O processo de agendamento faz parte da rotina midiática, compreendendo a seleção, disposição e incidência de notícias, como também a sua inclusão ou exclusão no noticiário.

Agendar é colocar na ordem do dia, é transformar em notícia fatos que até então não o eram. Agendar implica excluir ou incluir, considerar ou não, dar voz ou não, publicizar ou não, e, dependendo do modo como tudo isto se articula, os dispositivos de comunicação propõem efeitos de sentidos. (LIMA, 2002)

Por ser uma inerente ao fazer midiático, o processo de agendamento constitui-se uma das regras da mídia. Dentre outras regras, destaca-se a pretensão da impessoalidade (sujeito na 3ª pessoa), da imparcialidade (ouvir todos os lados) e da credibilidade (ao tornar público o que era segredo). Em comparação ao campo político, o campo midiático tem a funcionalidade como regra similar, mas a sua temporalidade é significativamente diferente. O tempo verbal é considerado uma das marcas do campo midiático, uma vez que tem a capacidade de definir como ocorre a relação com aquilo que está sendo relatado.

Cada campo constrói representações da realidade feitas para a sociedade, a qual entende que os atores do campo têm propriedade e autoridade sobre o tema abordado que gera tais representações. No entanto, o campo midiático ocupa um lugar central na sociedade. Dá e paradigmas na pesquisa sobre os Mass media e as novas tendências da pesquisa, enfocando os efeitos a longo prazo, passando pela sociologia dos emissores ao newsmaking - sendo nestes dois últimos o maior foco à Agenda Setting.

visibilidade aos vários campos de conhecimento, como a economia, a política, a cultura, dentre outros. É por intermédio da imprensa, por exemplo, que a sociedade toma conhecimento das atividades do presidente da República, dos movimentos sociais e do cotidiano do país. Acompanha, inclusive ao vivo, os debates no Congresso Nacional, confrontos, guerras e muitas outras ações.

Como os demais campos, o objetivo do campo midiático é a disputa pelo poder e, por isso, este campo impõe sobre os diferentes campos sociais um conjunto de efeitos que estão ligados, em sua forma e eficácia, à sua estrutura própria segundo a sua autonomia com relação às forças externas. Com a autonomização32 e constituição modernas dos campos sociais, ressalta Rodrigues (1999), institui-se aquilo a que se dá o nome de publicidade - no sentido de tornar público, resultado da compatibilização entre a legitimidade de um campo com a legitimidade dos diferentes campos sociais. Isto resulta da fragmentação da experiência induzida pelo processo moderno de especialização e da imposição desta lógica ao conjunto da sociedade.

Segundo Rodrigues (1999), as particularidades do campo midiático refletem-se na natureza da sua origem, “das funções que desempenha, da sua legitimidade, do seu sistema de sanções, do seu regime de funcionamento, da sua simbólica, do seu corpo social e do seu sistema de acreditação”. Para este autor, é na natureza tensional da relação entre os diferentes campos sociais que está a origem da emergência e da progressiva autonomização do campo dos media – consumada, segundo ele, a partir da “coalizão entre os domínios científico e técnico da modernidade”.

A natureza do campo dos media está, por conseguinte, intimamente associada ao desempenho das funções de regulação indispensáveis à gestão das relações entre os diferentes campos sociais. Deste ponto de vista, o campo dos media vive do despoletamento, da exacerbação ou da naturalização das tensões derivadas do facto de os diferentes campos sociais concorrerem entre si com vista à mobilização do conjunto da sociedade para o respeito das suas ordens de valores e ao pretenderem impor as suas regras de comportamento. (RODRIGUES, 1999)

Rodrigues explica que essa autonomização do campo dos media obedece, por conseguinte, a imperativos de natureza, ao mesmo tempo, lógica e estratégica, mobilizando os indivíduos e o conjunto da sociedade em torno de valores comuns, contrariando a tendência fragmentadora da modernidade que a autonomização dos campos sociais implica. Deste ponto de vista, o campo dos media é considerado um aliado poderoso da pretensão mobilizadora dos outros campos sociais.

É que, não podendo já contar com os mecanismos da repressão física, em virtude dos ideais modernos de emancipação do sujeito, os campos sociais contam doravante com os mecanismos retóricos da linguagem para o convencimento e a mobilização em torno dos valores e das regras que o campo dos media se encarrega de criar, promover e impor ao conjunto da sociedade. (RODRIGUES, 1999)

Se por um lado o campo midiático faz essa mobilização em torno de valores comuns, por outro lado gera os dispositivos de percepção da realidade. Deste modo, constitui a própria experiência do mundo moderno, assegurando a sua percepção para além das fronteiras que delimitam o mundo vivido das comunidades tradicionais. Enquanto dispositivos, os órgãos dos sentidos desencadeiam sensações, os processos sensoriais que nos tornam, de algum modo, presentes no mundo.

Para Rubim (2001), buscar e produzir ‘efeitos de mídia’ nos acontecimentos de rua, praça, parlamento aparece como dispositivo fundante da produção de sentidos políticos: “um ato vale politicamente não só – ou mesmo primordialmente – pelo efeito induzido nas suas circunstâncias convivenciadas, mas (também) pelas repercussões que produz à distância na realidade-mundo, através da mediação operada pela comunicação midiática”.

Rubim (2001) acrescenta, ainda, que os ‘efeitos de mídia’ podem ser construídos pelo acionamento de uma diversidade de dispositivos de produção de sentidos, destacando as recorrências à espetacularização, como também as aproximações às lógicas midiáticas de representação da realidade e os investimentos em critérios de divulgação de notícias.

Tomando o campo midiático como referência, Martino (2003, p. 89) fala da dificuldade de se transmitir os fatos tal qual a própria realidade: “o que ‘é’ não é o que ‘vemos’, e o que ‘vemos’ não é o que ‘falamos, até porque códigos diferentes são passíveis de interpretações referenciais diferentes”. Este autor acrescenta que um enunciado não se refere apenas à realidade de primeira ordem (o que ele considera como aquilo que é passível de percepção consensual ou de refutação de experiências repetidas), mas também a dois elementos identificados por Habermas: alguma coisa que existe no mundo social, enquanto totalidade das relações legitimamente estabelecidas, e a alguma coisa que existe no mundo subjetivo do locutor, como totalidade das experiências subjetivas manifestáveis, às quais o locutor tem acesso privilegiado33.

Comparando-se o locutor com um agente político, pode-se dizer que no campo político pode funcionar essa mesma ‘lógica’. No entanto, seja neste ou no campo midiático, a

33 Em sua pesquisa, Martino consultou duas obras de Habermas: Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984; e Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 2001 – sendo esta considerada a sua obra mais importante por introduzir uma nova visão sobre as relações entre linguagem e sociedade.

representação resulta, ainda, das ações e interesses distintos dos atores que influenciam nas esferas de decisão e participam das disputas simbólicas.