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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

EVITAMENTO ALTO

6. A transição para o ensino superior como situação estranha

Um dos pressupostos básicos da Teoria da Vinculação é o de que as representações da vinculação e comportamentos relacionados são activados em momentos difíceis de vida (Bowlby, 1982). No seguimento desta ideia, a importância do stress na revelação das diferenças individuais é um ponto central nos procedimentos utilizados para avaliar os padrões de vinculação na infância (Ainsworth et al., 1978) e em idade pré-escolar (Cassidy & Marvin, 1992).

De forma contrastante, a activação do sistema de vinculação induzida pelo stress na adolescência e na idade adulta continua a ser uma questão largamente especulativa (Bernier, Larose, & Whipple, 2005). Apesar disso, alguns estudos realizados no âmbito da psicologia social têm contribuído com evidência a destacar. A apresentação subliminar de palavras relacionadas com ameaça (e.g., fracasso, separação) aumenta a disponibilidade cognitiva das representações das figuras de vinculação e, em especial, os indivíduos classificados como ansiosos/ambivalentes têm maior acessibilidade às representações de vinculação do que os indivíduos classificados como seguros ou evitantes (Mikulincer, Birnbaum, Woddis, & Nachmias, 2000; Mikulincer, Gillath, & Shaver, 2002).

Estudos realizados acerca das representações de vinculação e comportamento parental têm contribuído também com evidência relacionada com esta questão. Investigações conduzidas por Adam, Gunnar e Tanaka (2004) e por Phelps, Belsky e Crnic (1998) demonstraram que um comportamento parental disfuncional emerge em pais classificados como inseguros, apenas quando estes atravessam momentos de dificuldade de grau pelo menos moderado (stress, depressão). De acordo com Adam et al. (2004), os dados mencionados sugerem que é mais provável que as consequências das representações de vinculação apareçam em situações indutoras de stress.

A transição para o ensino superior é geralmente encarada como uma fase de vida positiva que envolve uma série de novas oportunidades para os estudantes. No entanto, esta transição não ocorre sem desafios, em especial para os estudantes que têm que se deslocar de casa dos pais no momento em que transitam para o ensino superior. Nestes casos, há uma quebra ainda maior com rotinas e estilos de vida prévios, assim como a adaptação a

um ambiente completamente novo que envolve desafios a nível académico, social e residencial (Fisher & Hood, 1987).

Muitos estudantes apresentam reacções expressivas a esta transição, nomeadamente as saudades de casa, fenómeno conhecido por “homesickness”. O fenómeno “homesickness” é definido como “a complex cognitive-motivational-emotional state concerned with grieving for, yearning for and being preoccupied with thoughts of home” (Fisher & Hood, 1987, p. 426). Fisher e Hood (1988) verificaram que as saudades de casa se associam a níveis elevados de psicopatologia (ansiedade, fobias, sintomas somáticos, depressão) e de fracasso cognitivo. Na mesma linha, Bloom (1987) sugere que, apesar da separação entre pais e adolescentes/jovens adultos ser um acontecimento normal, pode ser sentido pelos jovens como uma grande perda acompanhada de reacções emocionais que podem incluir nostalgia, depressão, raiva ou culpa.

Neste mesmo sentido, Larose e Boivin (1998) providenciaram algum suporte empírico para a ideia de que a transição para o ensino superior é especialmente stressante para os estudantes que se deslocam de casa dos pais, podendo assim activar o seu sistema de vinculação. Os autores verificaram um declínio no suporte social percebido com aumentos de ansiedade e de isolamento durante esta fase de transição, mas apenas em estudantes deslocados de casa dos pais. De forma consistente com estes dados, Sullivan e Sullivan (1980) verificaram que os adolescentes/jovens adultos que se deslocam de casa dos pais na transição para o ensino superior, referem o aumento, não só do amor dos pais por eles, como também do seu próprio amor pelos pais e da qualidade de comunicação entre eles.

Assim e porque a transição para o ensino superior coloca o estudante face a uma série de situações desafiantes (e.g., separação dos pais, gestão de novos ambientes físicos e sociais, início e manutenção de novas relações de vinculação), é possível encarar esta fase como uma analogia da situação estranha (Bernier et al., 2005; Kenny, 1987; Kenny & Donaldson, 1991; Lapsley et al., 2000; Rice et al.,1995).

Neste contexto, passamos a descrever alguns estudos realizados com o objectivo de investigar as relações existentes entre as relações de vinculação com as figuras parentais e a adaptação demonstrada em contexto de transição para o ensino superior.

6.1. Relações de vinculação com as figuras parentais na transição para o ensino superior

Têm sido realizados alguns estudos com vista a analisar as relações de vinculação com as figuras parentais na transição para o ensino superior (Bernier et al., 2005; Kenny & Donaldson, 1991; Wintre & Yaffe, 2000), também em contexto português (Pinheiro, 2004; Seco et al., 2005).

Por exemplo, Kenny e Donaldson (1991) investigaram as contribuições da vinculação aos pais para o funcionamento social e psicológico em estudantes Americanos do primeiro ano do ensino superior (n = 226). A vinculação aos pais foi avaliada com o Parental Attachment Questionnaire (PAQ; Kenny, 1987), a competência social com o Texas Social Behavior Inventory (TSBI; Helmreich, Stapp, & Ervin, 1974) e o funcionamento psicológico com o Hopkins Symptom Checklist (HSCL; Derogatis, Lipman, Rickles, Uhlenhuth, & Covi, 1974). Os autores verificaram que a vinculação aos pais mostra uma associação mais forte com a competência social e com o bem-estar psicológico, em estudantes do sexo feminino do que em estudantes do sexo masculino.

Wintre e Yaffe (2000) investigaram, numa amostra de estudantes universitários do primeiro ano Canadianos (n = 408), a relação existente entre as relações com os pais (estilos educativos e relações com os pais no presente) e a adaptação demonstrada na transição para o ensino superior. As relações com os pais no presente foram avaliadas através de medidas de reciprocidade mútua, suporte social parental, discussão com os pais e autonomia. Medidas de depressão, de auto-estima e de stress percebido foram utilizadas para avaliar a adaptação demonstrada na transição para o ensino superior. Os resultados obtidos indicam que o papel dos pais contribui para muitos aspectos de adaptação avaliados. Em particular, verifica-se que mesmo nos casos em que o estilo educativo parental não contribui directamente para a variância explicada dos modelos, contribui indirectamente através de outras variáveis preditoras.

Bernier et al. (2005) desenvolveram um estudo com 61 adolescentes Caucasianos (n = 61), com idades compreendidas entre os 16 e os 17 anos de idade, sendo que 27 desses deixaram a casa dos pais no momento em que foram estudar para o ensino superior e 34 continuaram a residir em casa dos pais. Os autores hipotetizaram que a representação que os adolescentes teriam sobre as suas experiências de vinculação associar-se-ia às percepções das relações com os pais no caso daqueles que deixaram a casa dos pais. Os

resultados sugerem que os estudantes classificados como preocupados, que deixaram a casa dos pais, reportaram ter uma relação mais negativa com ambos os progenitores e experienciaram um maior stress relacionado com a família, do que os seus pares, classificados como autónomos, ainda que tenham referido ter mais contacto com cada progenitor.

Em contexto nacional, salientamos os trabalhos de Pinheiro (2004) e de Seco et al. (2005), em que as relações com as figuras parentais são avaliadas enquanto relações de suporte social. Pinheiro (2004), num estudo conduzido com 424 estudantes do 1.º ano do ensino universitário, verificou que o sentido de aceitação em relação a fontes de suporte familiar pode ser uma fonte importante de bem-estar físico e psicológico. Seco et al. (2005) conduziram um estudo com 996 estudantes do 1.º ano do Instituto Politécnico de Leiria, com idades compreendidas entre os 17 os 22 anos (67.9% estavam inscritos pela primeira vez no ensino superior), em que procuraram analisar as relações existentes entre as redes de suporte social e a adaptação do jovem ao contexto do ensino superior politécnico. Os resultados sugerem que o suporte social da família e/ou figuras significativas é muito importante no processo de integração e bem-estar do estudante do novo contexto académico.

7. Síntese

Neste capítulo, começámos por apresentar alguns conceitos básicos da Teoria de Vinculação (e.g., refúgio seguro, base segura, modelos internos dinâmicos) assim como procedimentos de avaliação e tipologia das relações durante a infância, que nos permitiram uma compreensão mais alargarda das questões abordadas em seguida.

A perspectiva desenvolvimental que esteve desde sempre patente na Teoria da Vinculação foi também dada a conhecer, assim como o alargamento dos trabalhos de investigação empírica realizados no âmbito desta temática a todo o ciclo de vida. Foi neste contexto que abordámos o conceito de vinculação do adolescente e do adulto, fazendo referência a aspectos que distinguem a vinculação na infância da vinculação na idade adulta.

Dado que o presente estudo foi realizado maioritariamente com jovens com idades compreendidas entre os 17 e os 25 anos, debruçámo-nos ainda sobre as relações de vinculação no adolescente e adulto emergente, abordando as transformações relacionais

características deste período desenvolvimental nas relações com as figuras parentais e pares assim como as diferenças de género nestas mesmas relações.

Posteriormente, dedicámos atenção aos procedimentos de avaliação e tipologias das relações de vinculação do adulto, sendo de destacar a evolução dos modelos de escolha forçada para as medidas multi-itens, assim como o debate em torno da questão “modelos categoriais versus modelos dimensionais”.

Uma vez que um dos objectivos do nosso estudo se prendia com a avaliação da contribuição do suporte social como variável mediadora dos efeitos da vinculação na adaptação demonstrada na transição para o ensino superior, analisámos as ligações conhecidas entre a vinculação e o suporte social e destacámos o modelo em comboio como uma grelha compreensiva útil das relações existentes entre a vinculação e o suporte social.

Finalmente, abordámos o contexto específico de transição para o ensino superior em que uma série de novos desafios é colocada ao estudante como uma analogia da situação estranha. Neste contexto, apresentámos também alguns estudos realizados com estudantes do primeiro ano do ensino superior, que, de uma forma geral, referem o papel importante que as relações de vinculação com as figuras parentais desempenham na adaptação exibida neste momento de transição.

PARTE II