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Desenvolvimento psicossocial do estudante do ensino superior 1 Teoria dos Sete Vectores de Chickering

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 1 O CONTEXTO DE TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

5. Teorias e modelos de adaptação ao ensino superior

5.1. Desenvolvimento psicossocial do estudante do ensino superior 1 Teoria dos Sete Vectores de Chickering

De entre as diversas teorias do desenvolvimento psicossocial do estudante do ensino superior, a teoria de Chickering é considerada a mais atractiva e com maior poder explicativo relativamente a esta fase do ciclo de vida (Ferreira, Medeiros, & Pinheiro, 1997; White & Hood, 1989). Trata-se de uma teoria que interliga os vectores do desenvolvimento psicossocial com os contextos académicos do ensino superior, assumindo-se como uma abordagem holística e abrangente, “dando coerência à riqueza de dados empíricos recolhidos por vários investigadores” (Ferreira, 1991a, p. 113) e de grande utilidade para a compreensão do indivíduo enquanto aluno do ensino superior.

Partindo da teoria de Erikson (1968, 1982), dos modelos de Sanford (1962) e Heath (1968) e dos seus próprios trabalhos de investigação, Chickering (1969; Chickering et al., 1981; Chickering & Reisser, 1993) formula a sua teoria acerca do desenvolvimento psicossocial do estudante universitário, conceptualizando-o através de sete vectores, os quais apresentam uma ordem gradativa específica, nomeadamente: (1) desenvolver um sentido de competência; (2) desenvolver e integrar as emoções; (3) desenvolver a autonomia em relação à interdependência; (4) desenvolver as relações interpessoais; (5) desenvolver a identidade; (6) desenvolver um sentido de vida; e (7) desenvolver a integridade. O autor considera que a resolução das tarefas de desenvolvimento próprias de um vector preparam o indivíduo para as tarefas seguintes, inerentes a outro vector de desenvolvimento.

Chickering (1969) utiliza preferencialmente o termo “vector” em detrimento dos termos “fase” ou “estádio” na medida, em que no seu entender os vectores parecem ter direcção e magnitude. A resolução de cada vector poderá ser positiva ou negativa, no sentido de favorável ou não à continuação do desenvolvimento, afectando sempre a resolução dos vectores seguintes (Ferreira & Hood, 1990).

Com base nos trabalhos de Sanford (1962), Chickering explica o desenvolvimento psicossocial do estudante evocando os princípios de que o desenvolvimento ocorre através de ciclos de diferenciação e integração e de que o impacto das experiências depende das características do indivíduo sujeito à experiência (Chickering, 1969; Chickering & Reisser, 1993). A diferenciação “ocorre quando se percebem as partes interactivas de algo, outrora percebido como unitário; quando se distinguem conceitos que outrora parecem similares; quando as acções correspondem mais a objectivos ou a condições exteriores; quando os interesses se tornam mais variados, os gostos mais diversificados, as reacções mais subtis” (Chickering, 1969, p. 292). Trata-se de um processo de crescente complexificação do indivíduo. Para o autor, um nível elevado de desenvolvimento da personalidade é assim caracterizado principalmente por uma complexidade e totalidade, por um nível elevado de diferenciação e de integração, em que as diferentes partes, sem perderem a sua identidade essencial, se organizam num todo mais complexo.

Pinheiro (2004) na análise que leva a cabo acerca dos vectores do desenvolvimento psicossocial propostos por Chickering, refere que ressaltam duas grandes áreas desenvolvimentais: uma que se relaciona com os aspectos desenvolvimentais predominantemente pessoais, onde se incluem os vectores cuja tónica é colocada nas questões de natureza intrapessoal; a outra, que diz respeito aos aspectos do desenvolvimento predominantemente interpessoais, onde se incluem os vectores cuja tónica é posta nas questões de natureza relacional (cf. Figura 1).

Figura 1. Aspectos interpessoais e intrapessoais considerados na teoria de Chickering (1969) (adapt. de Pinheiro, 2004).

Descrevemos, em seguida, os vectores de desenvolvimento psicossocial propostos por Chickering (1969; Chickering & Reisser, 1993).

Desenvolver um sentido de competência

O vector desenvolver um sentido de competência é composto por três áreas interrelacionadas, designadamente, a área intelectual, a área física e manual e a área interpessoal. A competência intelectual, que tem sido a esfera mais estudada do estudante do ensino superior, relaciona-se com os ganhos ao nível do pensamento e da abstracção, com a aquisição de conhecimentos em áreas específicas do saber e com o desenvolvimento de competências cognitivas mais complexas. No que diz respeito às competências físicas e manuais, estas relacionam-se com o desenvolvimento de aspectos como a robustez e a destreza física e motora, a auto-disciplina e a capacidade para cuidar de si. De acordo com Chickering (1969), as competências físicas, juntamente com as actividades de natureza cognitiva, tornam os indivíduos mais activos nas diversas áreas do desenvolvimento e da vida. Por outro lado, a ausência de combinação das actividades referidas, torna os indivíduos mais passivos. Finalmente, Chickering (1969) refere a área interpessoal, que considera muito importante, na medida em que a maior parte das tarefas do estudante do

Aspectos predominantemente interpessoais Competência interpessoal Autonomia Interdependência Relações interpessoais Aspectos predominantemente intrapessoais Competência intelectual e motora Emoções Identidade Sentido da vida Integridade Desenvolvimento psicossocial Indivíduo

ensino superior acontece num contexto de interacção com os outros. Esta área está relacionada com o desenvolvimento de competências nas áreas da comunicação, da liderança e do trabalho em equipa.

O sentido de competência, em qualquer uma das três áreas, assenta na avaliação favorável que o indivíduo faz das suas próprias capacidades de segurança, de confiança, de produtividade e de eficiência face às situações que ocorrem, promovendo as condições para que este se envolva em novas transacções com o ambiente, promotoras elas próprias de maiores níveis de desenvolvimento.

Desenvolver e integrar as emoções

O vector desenvolver e integrar as emoções relaciona-se com o aumento da consciencialização dos sentimentos e emoções e com a integração desses sentimentos e emoções. Essa integração estrutura-se no sentido de uma maior aceitação das emoções, de um maior conhecimento interno e de uma maior flexibilidade de expressão das mesmas. Na formulação inicial da teoria, Chickering (1969) considera que na fase do estudante do ensino superior, as emoções que exigem uma maior gestão e adequação são a agressividade e o sexo. No entanto, mais recentemente, aumenta o leque de emoções, incluindo emoções negativas (ansiedade, depressão, raiva, vergonha e culpa) e emoções positivas (cuidar dos outros, optimismo e inspiração) (Chickering & Reisser, 1993).

Desenvolver a autonomia em direcção à interdependência

O vector desenvolver a autonomia em direcção à interdependência engloba três dimensões, designadamente a independência emocional, a independência instrumental e o reconhecimento da independência. A independência emocional implica a diminuição das necessidades contínuas e urgentes de segurança, afecto e aprovação. Este processo de independência emocional, iniciado na adolescência, começa com a progressiva separação dos pais e culmina com a diminuição da dependência face aos pares e às regras institucionais. A independência instrumental traduz-se na capacidade de implementação de actividades por iniciativa própria e de resolução de problemas sem a necessidade de procura sistemática de apoio. O reconhecimento e aceitação da independência conduzem ao desenvolvimento da autonomia, que requer que o indivíduo esteja mais consciente das suas responsabilidades em relação à sua própria vida.

Desenvolver as relações interpessoais

O vector desenvolver as relações interpessoais perspectiva a capacidade do indivíduo desenvolver a tolerância, o respeito e a aceitação pelas diferenças individuais e simultaneamente, de estabelecer relações interpessoais mais íntimas e mais intensas. No que diz respeito ao desenvolvimento da tolerância, significa que o indivíduo é capaz de lidar com o desconforto gerado por algumas relações e de agir mais em conformidade com os direitos das pessoas. Simultaneamente, a qualidade das relações interpessoais estabelecidas também se altera. A mudança na qualidade das relações interpessoais relaciona-se com a mudança das relações de dependência em direcção a relações de interdependência, mais alargadas e diversificadas. De acordo com Chickering e Reisser (1993) “desenvolver relações maduras significa não só libertar-se do narcisismo, mas também a habilidade para escolher relações saudáveis e fazer compromissos baseados na honestidade, prontidão e olhar incondicional” (p. 48). Estão assim criadas as condições favoráveis ao desenvolvimento de relacionamentos mais intensos e duradouros, baseados na igualdade, na reciprocidade e na partilha.

Desenvolver a identidade

O vector desenvolver a identidade é considerado, no âmbito da teoria de Chickering, a tarefa psicossocial mais importante do jovem adulto, na medida em que se apoia no desenvolvimento de um sentido de competência, das emoções, da autonomia e das relações interpessoais (os quatro vectores anteriores). A construção da identidade implica a construção de um sentido do eu sólido, cuja principal componente diz respeito à clarificação, quer das concepções respeitantes às necessidades físicas, à aparência e às características pessoais, quer da identidade sexual, dos papéis e dos comportamentos sexuais. A concretização desta tarefa implica que o indivíduo clarifique o seu auto- conceito, desenvolva a sua auto-estima, assuma um conjunto de papéis/compromissos e adira a um determinado estilo de vida.

Desenvolver um sentido de vida

O vector desenvolver um sentido de vida implica a capacidade crescente de formular planos de acção e estabelecer prioridades, ao nível de três domínios, nomeadamente, interesses não vocacionais e recreativos, projectos e aspirações

vocacionais e considerações acerca do estilo de vida. A este propósito, citamos Chickering (1969): “the dilemma is not just who am I? but who am I going to be; not just where am I but where am I going?” (pp. 15-16). Os interesses não vocacionais e recreativos são desenvolvidos ao longo da frequência do ensino superior e surgem por intermédio das interacções sociais e do envolvimento em actividades extra-curriculares. No que diz respeito aos projectos e aspirações vocacionais, estes são estruturados de acordo com as necessidades e aspirações dos indivíduos, na medida em que estes aumentam o conhecimento acerca dos seus próprios valores e interesses. Em relação ao estilo de vida, espera-se que os estudantes sejam capazes de perspectivar o que por eles é pretendido. Consequentemente, considerações sobre estilos de vida englobam a integração dos planos vocacionais e de interesses não vocacionais e recreativos e do próprio estilo de vida desejado.

Desenvolver a integridade

O desenvolvimento da integridade “é a clarificação de um conjunto equilibrado de crenças pessoais que sejam razoável e internamente consistentes e que sirvam, pelo menos de linha orientadora ao comportamento do indivíduo” (Ferreira & Hood, 1990, p. 398). O vector desenvolver a integridade implica três aspectos, designadamente, a humanização dos valores, a personalização dos valores e o desenvolvimento da congruência entre valores, crenças e comportamentos. A humanização dos valores implica que os indivíduos progridem de um entendimento rígido das regras para um entendimento flexível e relativo, consoante o contexto, a situação e as circunstâncias. A personalização dos valores diz respeito ao desenvolvimento, pelo indivíduo, do seu próprio código de valores, que passa a orientar os seus comportamentos futuros. É através deste código de valores que se desenvolve a congruência entre os valores, as crenças e os comportamentos, isto é, os comportamentos ocorrem de acordo com as crenças do indivíduo e a personalização dos valores.

Nas suas investigações, Chickering (1969) refere ter encontrado, em alunos do 1.º e 2.º anos dos cursos universitários, uma maior preocupação com as tarefas relativas aos primeiros vectores, enquanto que as tarefas relativas aos quatro últimos vectores foram mais frequentemente encontradas nos alunos dos dois últimos anos universitários. A

resolução favorável dos primeiros três vectores (desenvolver um sentido de competência, desenvolver e integrar as emoções e desenvolver a autonomia em relação à interdependência) que manifestava uma tendência para ascender simultaneamente e antes dos outros quatro, parecia então necessária para o desenvolvimento da identidade que, por sua vez, era fundamental para permitir uma resolução favorável dos últimos três vectores (desenvolver as relações interpessoais, desenvolver um sentido de vida e desenvolver a integridade), também eles tendentes a ascender simultaneamente. Contudo, o autor adverte para o facto de qualquer vector se tornar importante aquando da entrada no ensino superior, podendo ser a sua expressão e intensidade extremamente variadas.

Apesar da teoria defender que os vectores de desenvolvimento psicossocial estão presentes desde o início do desenvolvimento de cada indivíduo, independentemente do grau de ensino a que pertence, é principalmente nos estudantes do ensino superior que estes são mais notórios e atingem o seu expoente máximo. Reconhece-se às instituições de ensino superior uma função primordial no desenvolvimento psicossocial do aluno, pelas condições sociais e pessoais que se organizam para novas necessidades e comportamentos do jovem.

Não esquecendo as críticas de que tem sido alvo, nomeadamente em relação ao seu carácter global, à sua falta de especificidade e precisão quanto aos comportamentos e atitudes que definem cada vector de desenvolvimento (Ferreira & Hood, 1990; White & Hood, 1989), destacamos a importância da teoria na compreensão do processo de adaptação ao ensino superior e de persistência académica.