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Transformações relacionais na adolescência e adultez emergente: Relações com as figuras parentais e pares

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 VINCULAÇÃO NA TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

3. Relações de vinculação no adolescente e adulto emergente

3.2. Transformações relacionais na adolescência e adultez emergente: Relações com as figuras parentais e pares

Durante a adolescência e adultez emergente, a hierarquia das figuras de vinculação (Bowlby, 1969/1982) é gradualmente reconfigurada à medida que os comportamentos de vinculação são cada vez mais dirigidos aos pares (em substituição dos pais) (Furman & Buhrmester, 1992; Hazan & Zeifman, 1994). À primeira vista, as reestruturações das relações pais-filhos, parecem implicar, da parte dos jovens, um distanciamento das figuras parentais, como se estas fossem perspectivadas “mais como laços que os reprimem do que como laços que os securizam e abrigam” (Allen & Land, 1999, p. 319). No entanto, a investigação tem demonstrado que o processo de separação-individuação e a autonomia nesta fase se desenvolvem mais facilmente num contexto de relações seguras com os pais que tendem a permanecer para além da adolescência (Allen, Hauser, Bell, & O’Connor, 1994; Fraley & Davis, 1997).

As novas competências cognitivas do jovem, para além de permitirem um conhecimento mais integrado das experiências relacionais, traduzem-se analogamente em alterações bastante visíveis nas interacções diárias com as figuras parentais. Um exemplo evidente é a formação de uma parceria orientada por objectivos com as figuras parentais, separadamente, através da qual o comportamento é determinado, não só pelos desejos e necessidades do adolescente, mas também pelo reconhecimento que é necessário gerir determinados objectivos da parceria (Bowlby, 1973; Kobak & Duemmler, 1984). Apesar desta parceria orientada por objectivos ser evidente desde muito cedo no desenvolvimento (Bowlby, 1973), novos níveis de complexidade e de coordenação são agora alcançados.

A existência de uma cada vez maior parceria orientada por objectivos providencia um contexto fundamental na compreensão de uma das maiores mudanças da adolescência: a decrescente confiança nas figuras parentais como figuras de vinculação. No entanto, esta alteração reflecte mais a menor dependência dos adolescentes em relação aos pais do que a menor importância da relação como um todo (Buhrmester & Furman, 1987; Larson, Richards, Moneta, Holmbeck, & Duckett, 1996). O desenvolvimento da capacidade de funcionar de forma autónoma sob o ponto de vista cognitivo, emocional e social é agora reconhecido como uma das principais tarefas desenvolvimentais da adolescência (Hill & Holmbeck, 1986). Uma gestão bem sucedida dos esforços para alcançar a autonomia e, simultaneamente, manter um sentimento de proximidade nas interacções entre pais e

adolescentes pode ser até considerada uma manifestação específica de uma relação de vinculação segura na adolescência (Allen et al., 1997). Neste sentido, o adolescente pode emocionalmente explorar a possibilidade de viver de forma mais independente dos pais, em parte porque sabe que pode recorrer a eles em caso de necessidade (Allen & Land, 1999; Freeman & Brown, 2001; Nickerson & Nagle, 2005; Soares, 1996).

Assim, apesar da natureza da vinculação com as figuras parentais se alterar durante a adolescência, estes continuam a ser figuras de vinculação importantes (Paterson, Pryor, & Field, 1994). As mães, em particular, parecem ocupar um lugar único, sendo que os adolescentes e jovens referem sentir-se mais próximos e procurar mais conforto nas mães do que nos pais (McCormick & Kennedy, 1994; Paterson et al., 1994). A verdade é que a vinculação à mãe e ao pai na adolescência aparece apenas moderadamente correlacionada (Markiewicz, Doyle, & Brendgen, 2001). Apesar da vinculação segura a ambos os pais se associar com uma elevada auto-estima (McCormick & Kennedy, 1994), a vinculação dos adolescentes aos pais e às mães pode contribuir de forma diferencial para a adaptação demonstrada (Kerns & Stevens, 1996).

Com o início da adolescência, as relações com os pares passam a ser concebidas como um contexto autêntico de conforto e apoio psicológico valorizado pelo adolescente. As mudanças desenvolvimentais características deste período fomentam a capacidade do adolescente e dos seus pares funcionarem como figuras de vinculação uns em relação aos outros (Freeman & Brown, 2001; Nickerson & Nagle, 2005; Trinke & Bartholomew, 1997). Tal significa que “a vinculação passa a constituir uma das dimensões das relações que o adolescente estabelece com outras figuras, para além dos pais” (Soares, 1996, p. 47). Uma das etapas mais avançadas nas relações com os pares na adolescência é o desenvolvimento das relações românticas, que podem eventualmente tranformar-se em relações de vinculação duradouras (Matos, 2002). As novas relações que se estabelecem durante a adolescência podem constituir uma oportunidade para reavaliar relações precoces, estabelecidas de modo inseguro e, dessa forma, contribuírem para o processo de mudança dos modelos internos dinâmicos (Main et al., 1985; Soares, 1996).

Apresentamos, em seguida, alguns estudos realizados com o objectivo de aumentar o entendimento acerca da interacção entre as relações com as figuras parentais e com os pares na adolescência e adultez emergente e diversos indicadores de adaptação (e.g., auto- estima, ansiedade).

3.2.1. Relações de vinculação com as figuras parentais e pares: Revisão de estudos Greenberg, Siegel e Leitch (1983) foram os primeiros a analisar a natureza e a importância das relações com os pares, conceptualizadas como relações de vinculação, na adolescência. Este estudo foi o primeiro a analisar a influência relativa da vinculação aos pais e aos pares neste período desenvolvimental crítico e o primeiro a desenvolver um instrumento específico para avaliar as relações de vinculação com os pais e pares na adolescência. Assim, utilizando o Inventory of Adolescent Attachments (IAA) com uma amostra de 213 adolescentes com idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos, os autores verificaram que a qualidade de ambas as relações de vinculação, com os pais e com os pares, era uma variável preditora significativa da satisfação com a vida e da auto-estima. No entanto, a vinculação aos pais revelou-se um preditor mais importante do bem-estar do que a vinculação aos pares.

Armsden e Greenberg (1987), no desenvolvimento do Inventory of Parent and Peer Attachment (IPPA), verificaram que a vinculação, quer aos pais quer aos pares, era uma variável preditora significativa da auto-estima e da satisfação com a vida. No entanto, a vinculação aos pares pareceu estar mais relacionada com a auto-estima do que com a satisfação com a vida e a vinculação aos pais relacionou-se de igual forma com as duas medidas de adaptação. De realçar, no entanto, o tamanho reduzido da amostra utilizada na construção do instrumento (n = 179) e no segundo estudo em que se referem as análises de regressão (n = 86).

Num outro estudo destinado a avaliar a vinculação em adolescentes clinicamente deprimidos, em que se utilizou o IPPA, Armsden, McCauley, Greenberg, Burke e Mitchell (1990) verificaram que os adolescentes deprimidos reportavam níveis de vinculação aos pais significativamente menores que um grupo de controlo psiquiátrico não deprimido, um grupo de controlo não psiquiátrico ou um grupo de adolescentes com depressão resolvida. No entanto, a vinculação aos pares é significativamente menor no grupo de controlo não psiquiátrico.

Cotterell (1992), num outro estudo realizado com adolescentes Australianos (n = 57) em que se utilizou também o IPPA, verificou que a vinculação aos pares (.54) tinha uma correlação mais forte com a auto-estima do que a vinculação aos pais (.38). De forma semelhante, também a vinculação aos pares (.47) demonstrou uma relação mais forte com o auto-conceito do que a vinculação aos pais (.18).

Rajá, McGee e Stanton (1992) também examinaram a importância relativa da vinculação com os pares em indicadores de saúde psicológica numa amostra de 935 adolescentes Neozelandeses. Verificaram que a vinculação aos pais era um preditor mais importante de indicadores de saúde psicológica do que a vinculação aos pares e que a vinculação aos pais parecia não ser compensada por elevados níveis de vinculação aos pares. Este estudo sugere que as relações de vinculação, aos pais e aos pares, parecem ser ambas necessárias ao desenvolvimento de uma auto-estima positiva na adolescência.

Paterson, Pryor e Field (1995) analisaram a relação entre a vinculação aos pais e aos pares e a auto-estima numa amostra de 473 adolescentes Neozelandeses, com idades compreendidas entre os 13 e os 19 anos de idade. Os autores verificaram a inexistência de relação entre a vinculação aos pares e a auto-estima. Por outro lado, a vinculação aos pais (separadamente) demonstrou uma correlação modesta com a auto-estima.

Noom, Dekovic e Meeus (1999) investigaram as relações existentes entre a vinculação à mãe, ao pai e aos pares, a auto-estima e a depressão numa amostra de 400 adolescentes Holandeses. Verificaram que a vinculação à mãe e ao pai se correlacionavam de forma mais forte com a auto-estima (.36 e .31 respectivamente) do que a vinculação aos pares (.16). Numa série de análises de regressão, incluindo vários indicadores de vinculação e autonomia, verificaram que a vinculação aos pares não foi um preditor significativo da auto-estima, mas foi um preditor significativo da depressão.

Laible, Carlo e Raffaelli (2000) examinaram os efeitos diferenciais da vinculação com os pais e com os pares na saúde psicológica de uma amostra reduzida de adolescentes (n = 89). Os autores concluíram que a vinculação com os pares pode ser mais importante que a vinculação com os pais para a saúde psicológica.

Leondari e Kiosseoglou (2000) conduziram um estudo em estudantes universitários com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, com o IPPA, em que analisaram a relação entre a vinculação aos pais e o funcionamento psicológico. Os resultados encontrados indicam que os indivíduos classificados como seguros reportam níveis mais elevados de auto-estima e níveis mais reduzidos de ansiedade e solidão.

Wilkinson e Walford (2001), num estudo com 400 adolescentes Australianos, verificaram que, depois de controlados os efeitos da vinculação aos pais, a vinculação aos pares deixava de ter efeitos significativos na saúde psicológica.

Finalmente, Wilkinson (2004) apresentou três estudos em que procurou analisar as relações entre a vinculação aos pais e aos pares, a saúde psicológica e a auto-estima, em três amostras de adolescentes (uma amostra de 1998 adolescentes Noruegueses com idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos, uma outra de 358 adolescentes Australianos com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos, e uma terceira constituída por 345 adolescentes Australianos com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos). Os resultados sugerem que a relação entre a vinculação aos pares e a saúde psicológica é mediada totalmente pela auto-estima e que a relação entre a vinculação aos pais e a saúde psicológica é mediada parcialmente pela auto-estima. Para além disso, os autores verificaram que a qualidade da relação de vinculação estabelecida entre os adolescentes e os pais tende a influenciar, num grau moderado, a qualidade das relações de vinculação que os adolescentes estabelecem com os pares.

A título de síntese, podemos referir que as transformações verificadas nas relações com as figuras parentais e pares e as relações entre estas e os diversos indicadores de adaptação não são claras. Se, por um lado, existem estudos que sugerem que neste período desenvolvimental, as relações com os pares parecem ser mais importantes do que as relações com as figuras parentais (e.g., Cotterell, 1992; Laible et al., 2000); existem outros que sugerem o inverso (e.g., Noom et al., 1999; Paterson et al., 1995). Outros lembram ainda a importância de ambas as relações para o desenvolvimento de, por exemplo, uma auto-estima positiva (Raja et al., 1992). A este propósito importa referir que figuras de vinculação diferentes podem ser alvo de comportamentos de vinculação também diferentes (Fraley & Davis, 1997; Hazan & Zeifman, 1994). Por exemplo, Hazan e Zeifman (1994) referem que, embora os adolescentes prefiram os pares para companhia, quando se trata de conforto e suporte emocional, a sua preferência é dirigida às figuras parentais. Pode acontecer assim que as relações com as figuras parentais e pares sejam igualmente importantes para um desenvolvimento saudável do adolescente ou adulto emergente, cumprindo funções distintas neste período desenvolvimental.