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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 2 OPTIMISMO DISPOSICIONAL NA TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

6. Optimismo na transição para o ensino superior

6.2. Optimismo e desempenho académico na transição para o ensino superior

A revisão de estudos acerca do optimismo e pessimismo permite-nos referir que a maior parte dos estudos realizados sobre esta temática têm ocorrido no âmbito da psicologia da personalidade, da psicologia social e da psicologia clínica e da saúde. Apesar disso, mais recentemente têm-se desenvolvido algumas investigações no campo educacional ou escolar em que se procura analisar a relação existente entre optimismo, pessimismo e desempenho em contexto académico (El-Anzi, 2005; Gibb et al., 2002; Haynes et al., 2006; Martin-Frumm et al., 2005; Robins & Beer, 2001; Ruthig et al., 2004;

Satterfield et al., 1997; Schulman, 1995), embora nem todos os estudos se centrem nos alunos universitários do primeiro ano.

Os resultados encontrados não são consistentes. Se, por um lado, existem estudos que sugerem que o optimismo se relaciona com um melhor rendimento académico (El- Anzi, 2005; Schulman, 1995), por outro lado existem estudos que associam o optimismo a piores desempenhos em contexto académico (Haynes et al., 2006; Robins & Beer, 2001; Ruthig et al., 2004; Satterfield et al., 1997). Existem outros estudos ainda em que se sugere o efeito distal dos estilos explicativos no desempenho académico (Gibb et al., 2002; Martin-Frumm et al., 2005).

Por exemplo, Schulman (1995) refere que “Individuals with an optimistic explanatory style may be more likely, for example, to take initiative, persist under adversity, take risks, be decisive, engage in quality problem-solving strategies, and be more assertive than individuals with a pessimistic style” (p. 160), sugerindo que as explicações optimistas para os acontecimentos negativos se relacionam com um melhor rendimento académico em estudantes universitários e com uma maior produtividade no trabalho. No mesmo sentido, El-Anzi (2005) verificou que o optimismo se correlacionou de forma positiva e significativa com o rendimento académico.

Satterfield et al. (1997) conduziram um estudo com estudantes do primeiro ano de Direito em que hipotetizaram que “It is possible that explanatory style could predict law school achievement above and beyond LSAT [Law School Admissions Test] and undergraduate GPA especially since the intensity and competitiveness of the law school environment seem to demand the degree of persistence, motivation, and resilience optimism can inspire” (p. 96). Seria assim esperado que estudantes com um estilo explicativo optimista, quando comparados com os colegas com um estilo explicativo pessimista, apresentassem melhores resultados ao nível do desempenho académico. No entanto, os resultados sugeriram o oposto, isto é, foram os estudantes com estilo explicativo pessimista que demonstraram melhores desempenhos académicos.

Partindo de outra perspectiva e sendo certo que o optimismo tem efeitos positivos, demasiado optimismo pode, na verdade, ter efeitos prejudiciais, na medida em que é irrealista (Peterson, 2000). Partindo deste princípio, Ruthig et al. (2004) exploraram os efeitos dos programas de reeducação atribucional nos estudantes universitários muito optimistas. Essencialmente, a reeducação atribucional consistia em apresentações de vídeo,

de folhetos e/ou debate em que se fomentam as atribuições da performance a factores sob o controlo do estudante (e.g., esforço, estratégia). Este estudo não se baseava no estilo explicativo como medida de optimismo, mas antes na medida de avaliação LOT. A reeducação atribucional em estudantes muito optimistas, não só conduziu a um aumento da performance académica em disciplinas específicas, como também contribuiu para maiores GPAs (Grade Point Averages) e menores índices de abandono do curso. Sem a reeducação atribucional, os estudantes mais optimistas apresentavam os menores GPAs e os maiores índices de abandono do curso comparativamente com os outros grupos considerados. No entanto, bastava uma única sessão de reeducação atribucional para serem estes estudantes a apresentarem os maiores GPAs, os menores índices de abandono do curso e os menores níveis de ansiedade aos exames. Estes dados foram replicados por Haynes et al. (2006). Neste estudo, os estudantes que receberam o treino de reeducação atribucional, não só demonstraram atribuições mais adaptativas (e.g., esforço), como aumentaram a percepção de controlo e ainda demonstraram melhores desempenhos académicos. Através do treino de reeducação atribucional, promovem-se os aspectos controláveis do desempenho académico e, por conseguinte, a ideia de que os estudantes têm um papel importante em assegurar que as suas expectativas optimistas são cumpridas. À medida que os estudantes começam a atribuir a sua performance académica a causas controláveis, começam a sentir- se mais responsáveis pelos resultados que alcançam (Weiner, 1985, 1995), factor essencial na motivação em contexto académico (Pascarella & Terenzini, 1991). Por sua vez, também os seus comportamentos sofrem alterações, ou seja, tendem a frequentar mais as aulas, a estudar para os exames, etc.. Os estudantes que desenvolvem e mantêm estes comportamentos académicos pró activos têm maior probabilidade de alcançarem melhores desempenhos académicos do que os estudantes que não exibem este tipo de comportamentos (Perry, Hall, & Ruthig, 2005).

Num outro estudo de Robins e Beer (2001) verificou-se que os alunos muito optimistas se desligavam psicologicamente do contexto académico (isto é, encaravam as avaliações progressivamente como menos importantes), no sentido de se protegerem dos efeitos negativos do fracasso e também porque estabeleciam objectivos irrealisticamente altos. Os autores acrescentam que muitos dos efeitos positivos do optimismo “may reflect a general tendency to bolster self-esteem by denying information that threatens self- worth,…reflecting defensive denial rather than psychological adjustment” (p. 340).

Os resultados constatados ao longo dos estudos referidos são contraditórios. Gibb et al. (2002) e Martin-Frumm et al. (2005) referem que as inconsistências verificadas podem ser explicadas pelo facto do estilo explicativo ter apenas um efeito distal no rendimento académico.

Gibb et al. (2002) procuraram estudar se o nível de habilidade académica (operacionalizada através dos valores do SAT) funciona como moderador na relação entre os estilos explicativos e os GPAs obtidos pelos estudantes no ensino superior. O SAT é uma das provas mais utilizadas pelas universidades americanas para efeitos de selecção/seriação dos alunos candidatos ao ensino superior. Os resultados sugeriram que os estudantes “caloiros” com estilos explicativos pessimistas (estilos atribucionais internos ou estáveis para os acontecimentos negativos) obtiveram maiores GPAs ao longo da universidade quando apresentavam maiores níveis de habilidade académica (isto é, maiores SATs) do que quando apresentavam menores níveis de habilidade académica (isto é, menores SATs). Os estudantes “caloiros” com estilos atribucionais optimistas (estilos atribucionais externos ou instáveis para acontecimentos negativos) obtiveram GPAs equivalentes independentemente no nível de habilidade académica. Estes resultados sugerem que o estilo explicativo pessimista pode ter um impacto negativo nos níveis de aproveitamento académico dos estudantes, apenas quando conjugado com um nível reduzido de aptidão académica. Por outro lado, no caso de estudantes com um elevado nível de aptidão académica, a tendência para atribuir os acontecimentos negativos a causas internas e estáveis pode conduzir a uma melhor performance académica.

Martin-Frumm et al. (2005) exploraram a possibilidade do efeito do estilo explicativo no rendimento académico ser mediado por variáveis mais proximais, como as expectativas de sucesso e o valor subjectivo da tarefa. Os resultados encontrados suportaram esta hipótese, isto é, o estilo explicativo correlacionou-se de forma estatisticamente significativa com as notas obtidas, mas quando as outras variáveis foram controladas, o estilo explicativo não afectou o desempenho académico. “In other words, the effects of explanatory style on students’ GPEC [grades in physical education class] are mediated by more proximal variables…” (Martin-Krumm et al., 2005, p. 1654). De qualquer forma, os resultados sugeriram que a forma como os estudantes explicam o sucesso ou o fracasso desempenha um papel importante no desempenho dos estudantes. Mais especificamente, um estilo explicativo optimista poderá amortecer o efeito de uma

baixa habilidade percebida enquanto um estilo explicativo pessimista poderá aumentar os efeitos dessa mesma baixa habilidade percebida. “…, it seems important to enhance at the same time the self-concept of pupils’ ability, and their self-confidence to increase their own competences at school, in particular by reinforcing an optimistic way of looking into the causes of events at school” (Martin-Krumm, et al., 2005, p. 1654).

7. Síntese

Sendo o focus de atenção deste segundo capítulo o conceito de optimismo em geral e de optimismo disposicional em particular, começámos por apresentar uma breve introdução ao contexto que serviu de base ao aparecimento do optimismo como um tópico de interesse e investigação – a psicologia positiva. Este movimento tem sido descrito como um novo campo de conhecimento da psicologia que se tem dedicado ao estudo de conceitos positivos (e.g., virtudes, recursos, optimismo, felicidade), neglicenciados até à última década do século XX. Tal como referimos anteriormente, este movimento talvez deva ser mais enaltecido por ter permitido um estudo unificado de conceitos até aqui trabalhados de forma isolada, do que propriamente por ter inovado no estudo dos mesmos. Em seguida, dedicámo-nos a questões relacionadas com a conceptualização e operacionalização do conceito de optimismo. Neste campo, abordámos com maior destaque o conceito de optimismo disposicional uma vez que se trata da conceptualização teórica subjacente ao presente estudo, utilizando como definição de referência a de Scheier e Carver (1985, 1992), segundo a qual o optimismo disposicional é encarado como uma expectativa generalizada positiva. Convergências e divergências entre o optimismo disposicional e abordagens teóricas relacionadas como os conceitos de estilo atribucional, auto-eficácia e esperança foram também discutidas neste tópico. Abordámos ainda questões relativas à avaliação do optimismo disposicional, dando a conhecer o caso particular do LOT, já que a versão Portuguesa deste instrumento é utilizada na presente investigação. Assim, questões referentes ao problema da “terceira variável” e à dimensionalidade do instrumento foram discutidas e as perspectivas de diferentes autores apresentadas.

Prosseguimos com a revisão da evidência empírica para a relação verificada entre o optimismo disposicional e o bem-estar psicológico, que elaborámos a partir de estudos transversais, realizados desde 1990 a 2007.

Posteriormente e porque um dos potenciais mediadores da relação entre o optimismo disposicional e o ajustamento posterior é o coping, debruçámo-nos sobre esta temática, dando a conhecer o modelo de auto-regulação do comportamento (Carver, 1979; Carver & Scheier, 1981, 1982, 1985, 1990a, 1990b, 2002a, 2002b, 2003; Scheier & Carver, 1988, 2003) do qual o constructo de optimismo disposicional deriva e que facilita a compreensão da relação entre este e o coping.

A relação entre o optimismo e o suporte social, considerado um outro potencial mediador da relação entre o optimismo e o ajustamento posterior, foi abordada em seguida. Esta questão tornou-se ainda mais relevante e merecedora de atenção por um dos objectivos do nosso estudo se prender com a avaliação da contribuição do suporte social como variável mediadora dos efeitos do optimismo disposicional na adaptação demonstrada na transição para o ensino superior. Assim, demos a conhecer os escassos estudos que se prendem com esta relação de que tivemos conhecimento, com especial importância para os realizados com amostras de estudantes universitários.

Terminámos com a referência às relações existentes entre o optimismo disposicional e o bem-estar psicológico e o desempenho académico no contexto específico de transição para o ensino superior, uma vez que é neste contexto que se insere a presente investigação. Através da revisão de estudos empíricos apresentada, pudemos constatar que o optimismo parece desempenhar um papel importante na forma como os estudantes se adaptam psicologicamente na transição para o ensino superior e no desempenho académico que demonstram. No entanto, se no que se refere à relação entre o optimismo e a adaptação psicológica parece haver concordância relativamente à função facilitadora e protectora do optimismo, o mesmo não poderá ser dito no que diz respeito à relação entre o optimismo e o desempenho académico. Neste caso, os resultados provenientes dos diversos estudos abordados não são consistentes, fazendo notar a necessidade de se continuar a investigar nesta área no sentido de aumentar o entendimento acerca das relações verificadas.

Para além da avaliação da relação entre o optimismo disposicional e a adaptação psicológica e académica demonstradas em contexto de transição para o ensino superior, é nosso objectivo analisar a influência de uma outra variável não-académica, a vinculação, nesta mesma adaptação – é que faremos no capítulo seguinte.

CAPÍTULO 3