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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 1 O CONTEXTO DE TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

6. Transição e adaptação ao ensino superior

6.1. Adaptação psicológica na transição e adaptação ao ensino superior

O momento de transição e adaptação dos jovens ao ensino superior pode assumir-se como um potenciador de crises e/ou desafios desenvolvimentais facilitadores do crescimento e do desenvolvimento ou, pelo contrário, de desequilíbrio e de deterioração psicológica (Bastos, 1993, 1998; Ferreira & Hood, 1990; Stewart, 1982). Efectivamente, uma das grandes áreas consideradas no processo de adaptação do jovem estudante ao ensino superior é a adaptação psicológica, que envolve principalmente aspectos relacionados com o bem-estar e com o equilíbrio físico e emocional dos alunos (Almeida et al., 1999; Baker & Siryk, 1984, 1989; Gerdes & Mallinckrodt, 1994; Russell & Petrie, 1992; Upcraft & Gardner, 1989).

Estudos realizados demonstram que um elevado número de estudantes que ingressam no ensino superior revelam dificuldades pessoais e académicas, havendo um aumento dos níveis de psicopatologia na população universitária (Herr & Cramer, 1992; Leitão & Paixão, 1999; Ratingan, 1989; Stone & Archer, 1990). Para além dos problemas académicos, vocacionais e desenvolvimentais, as dificuldades sociais e pessoais interferem no amadurecimento psicossocial e no rendimento escolar e taxa de desistência dos cursos (Rockwell & Talley, 1985).

A relevância desta questão é reforçada por um estudo levado a cabo no Reino Unido no âmbito da Association for University and College Counselling (AUCS), uma divisão da British Association for Counselling (BAC). No relatório “Degrees of Disturbance: The New Agenda. The Impact of Increasing Levels of Psychological Disturbance amongst Students in Higher Education”, que vários responsáveis de serviços de aconselhamento elaboraram em 1999, chama-se a atenção para o facto de os problemas de saúde mental estarem a aumentar entre os jovens, englobando doenças psiquiátricas, distúrbios do comportamento e dificuldades psicológicas e sociais.

No mesmo sentido, o National Survey of Counseling Center Directors de 2001 assinala que nos Estados Unidos, nos últimos 10 anos, tem-se notado igualmente um aumento de problemas psicológicos e psicopatologia grave nos estudantes universitários

(O’Connor, 2001). O inquérito que abrange 300 instituições de ensino superior conclui que nos últimos 10 anos se verificou um aumento de problemas de abuso de álcool e uso de drogas ilícitas, problemas de aprendizagem, desordens de alimentação e vitimização sexual.

Em Portugal, estudos realizados salientam igualmente as dificuldades de ordem pessoal e emocional demonstradas pelos estudantes do ensino superior (e.g., Ferraz, 2000; McIntyre, 1996; Pereira, 1997, 1998; Pereira, Motta, et al., 2006; Pereira & Williams, 2001; Ramalho & McIntyre, 2001; Tavares et al., 1998).

Num estudo de Tavares et al. (1998), realizado com 376 alunos do 1.º ano distribuídos por cursos de Licenciatura nas áreas das Ciências, Engenharias, Gestão e Planeamento na Universidade de Aveiro, pretendeu-se analisar, entre outras variáveis, a percepção que estes tinham acerca dos seus problemas. Os resultados sugerem que cerca de 70% dos indivíduos refere apresentar problemas, destacando-se os relacionados com a falta de atenção nas aulas e as dificuldades encontradas no estudo. No entanto e apesar de com percentagens inferiores, situadas entre os 15% e os 25%, problemas ligados à ansiedade, ao mal-estar e à depressão também surgem mencionados.

Segundo um outro estudo realizado por Ferraz (2000), conduzido igualmente com alunos do 1.º ano dos cursos de Licenciaturas nas áreas de Ciências e Engenharias da Universidade de Aveiro, constatou-se que os principais problemas apontados pelos jovens estão relacionados com os estudos e com a capacidade de atenção e concentração nos mesmos. No entanto, mais uma vez, variáveis como a ansiedade e o mal-estar físico aparecem também entre os problemas identificados e como factores perturbadores do bem- estar académico.

Ainda a este propósito, resultados provenientes da L.U.A. – Linha da Universidade de Aveiro indicam que os problemas relacionados com o desenvolvimento pessoal, seguidos dos problemas académicos, são os mais frequentes (Pereira, 1997, 1998; Pereira & Williams, 2001).

Dados resultantes de serviços de aconselhamento psicológico reforçam conformemente a convicção de que a presença de psicopatologia em estudantes do ensino superior não deve ser subestimada.

Por exemplo, um inquérito realizado aos utentes do Serviço de Consulta Psicológica da Universidade do Minho revela que as razões principais subjacentes ao

pedido de ajuda são, por ordem decrescente, as seguintes: ansiedade (35%), depressão (32%), problemas interpessoais (22%) e problemas académicos (11%). Na mesma amostra, o diagnóstico principal identificado foi por ordem decrescente: sem critérios para um diagnóstico clínico (39%), desordens de humor (20%), desordens de ansiedade (19%), problemas relacionais (8%), desordens de ajustamento (4%), problemas de identidade (2%), desordens de personalidade (2%) e outros (6%) (McIntyre, 1996). Um estudo posterior apenas na população estudantil feminina (Ramalho & McIntyre, 2001), revelou como problemáticas principais das jovens universitárias os problemas de ansiedade (46%) e de depressão (30.2%), muitas vezes com necessidade de intervenção psiquiátrica.

Um outro exemplo deriva da Consulta de Psicologia e Apoio Psicopedagógico, em funcionamento nos Serviços Médico-Universitários da Universidade de Coimbra. Neste caso, as razões de pedido de ajuda, nos últimos três anos, foram por ordem decrescente, as seguintes: distúrbios de ansiedade, depressão, problemas relacionados com os métodos de estudo ou dificuldades escolares, aconselhamento e adaptação e problemas familiares (Pereira et al., 2006).

Apesar deste aumento de psicopatologia poder ser atribuído a uma maior facilidade de procura de aconselhamento psicológico associado a um menor estigma que rodeia os problemas de saúde mental, importa salientar um aumento real das dificuldades psicológicas manifestadas pelos estudantes do ensino superior (RESAPES, 2002), que não podem ser negligenciadas pelas instituições de ensino superior.

7. Síntese

Neste capítulo, começámos por contextualizar o período desenvolvimental no qual o estudante do ensino superior se insere, como um período distinto dos períodos desenvolvimentais da adolescência e da adultez e marcado predominantemente pela exploração da identidade, pela instabilidade, pelo auto-focus, pela vivência do sentimento “in-between” e pelas possibilidades (Arnett, 2004, 2006).

Em seguida, tecemos algumas considerações gerais a respeito do ensino superior em Portugal e procurámos contribuir para uma conceptualização mais completa do (in)sucesso académico. Neste ponto, chamámos a atenção essencialmente para a complexidade, abrangência e muldimensionalidade dos conceitos de insucesso/sucesso

académicos e procurámos realçar a necessidade de conceptualizar estes conceitos como fenómenos que ultrapassam largamente a noção de rendimento escolar.

Posteriormente, dedicámo-nos à promoção do sucesso académico no ensino superior, com ênfase para as medidas recentes do Ministério da Educação que comprovam a relevância da implementação de estratégias de promoção do sucesso académico no ensino superior e para os diversos projectos de investigação e intervenções que têm sido definidos e implementados em contexto nacional. Neste contexto, destacámos ainda a contribuição dos serviços de aconselhamento psicológico em funcionamento no ensino superior, como representando um papel primordial no apoio ao processo educativo, na promoção do desenvolvimento pessoal e na prevenção de comportamentos de risco e, em última análise, na promoção do sucesso académico dos estudantes do ensino superior.

Prosseguimos com a apresentação das principais teorias e modelos de adaptação ao ensino superior, destacando, no campo do desenvolvimento psicossocial, a Teoria dos Sete Vectores de Chickering e no campo das teorias e modelos de impacto, a Teoria do Envolvimento de Astin, o Modelo de Abandono Académico de Tinto e o Modelo Institucional de Pascarella.

Finalizámos com a conceptualização integrada do processo de transição e adaptação ao ensino superior, em que nos referimos, entre outras questões, aos factores associados à transição e adaptação ao ensino superior e à adaptação psicológica demonstrada neste contexto. Neste encadeamento, pareceu-nos evidente que as dificuldades, quer de ordem académica, quer de ordem psicológica associadas ao processo de transição para o ensino superior podem advir directamente de exigências académicas superiores (factores académicos) ou, indirectamente, de algumas vulnerabilidades prévias (factores não- académicos ou variáveis psicossociais). Desta forma, é nosso objectivo investigar as relações existentes entre as variáveis não-académicas optimismo disposicional e vinculação e a adaptação psicológica (avaliada através de indicadores de sintomatologia psicopatológica e de bem-estar psicológico) e académica (avaliada através de indicadores de rendimento académico). Neste sentido, sentimos a necessidade de abordar com maior detalhe os conceitos de optimismo disposicional e de vinculação e as suas relações com indicadores de adaptação psicológica e académica em contexto de ensino superior – é o que realizaremos nos capítulos seguintes.

CAPÍTULO 2