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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 2 OPTIMISMO DISPOSICIONAL NA TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

1. Introdução à psicologia positiva

Desde a II Guerra Mundial, a psicologia consagrou-se à avaliação e cura do sofrimento individual, concentrando-se na reparação do dano, com base num modelo de doença para a compreensão do comportamento humano. Esta quase exclusiva atenção à patologia conduziu a uma negligência de conceitos positivos, de que são exemplo a realização, qualidades, virtudes, recursos, satisfação, bem-estar, prazer, felicidade, optimismo, esperança e prosperidade da comunidade, bem como daquilo que faz com que a vida valha a pena ser vivida (Seligman, 2002; Seligman & Csiksentmihalyi, 2000).

Por outro lado, uma nova forma de encarar a saúde surgiu desde que a Organização Mundial de Saúde reconheceu o estado de saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não como a mera ausência de disfunção ou doença” (Organização Mundial de Saúde, 1958). Orientações inovadoras nas políticas de saúde foram desencadeadas, valorizando-se uma preocupação com a saúde positiva, encarada como um funcionamento físico e psicológico interligados e satisfatórios, em detrimento da mera ausência de sintomas e disfunções físicas e/ou psicológicas. Esta perspectiva enfatiza a importância do desenvolvimento dos recursos pessoais (e.g., empowerment) como forma de capacitar os indivíduos para a construção de um projecto de vida.

No sentido de ilustrar a negligência das emoções positivas por parte da psicologia, Myers (2000) analisou citações a partir de uma pesquisa da PsychInfo desde 1967 e encontrou cerca de 5,548 artigos que mencionam raiva, 41,416 sobre ansiedade e 54,040 sobre depressão, mas apenas 415 sobre alegria, 1,7100 sobre felicidade e 2,582 sobre satisfação com a vida. Foram encontrados 21 artigos sobre emoções negativas para cada artigo sobre emoções positivas.

Na última década do século XX e início do presente século, parece afirmar-se na psicologia o interesse em entender e promover os factores que permitem aos indivíduos, comunidades e sociedades florescer.

A publicação de um número e secções especiais no American Psychologist (Janeiro de 2000 e Janeiro de 2001, respectivamente) dedicados à psicologia positiva e, por exemplo, o destaque dado a dimensões como o optimismo, a criatividade e a capacidade lúdica numa edição especial do Journal of Personality Assessment (1999, vol. 72, n.º 2) dedicada à avaliação da saúde psicológica, são marcadores acentuados do início do movimento da psicologia positiva.

Desde então e ao longo dos últimos sete anos, a psicologia positiva floresceu. Desenvolvimentos importantes ocorreram no campo incluindo a publicação de inúmeros livros e centenas de artigos, a organização de cursos e de encontros científicos. Alguns desses livros são: Authentic Happiness: Using the New Positive Psychology to Realize Your Potential for Lasting Fulfillment (Seligman, 2002), Handbook of Positive Psychology (Snyder & Lopez, 2002), A Psychology of Human Strengths (Aspinwall & Staudinger, 2003), Flourishing: Positive Psychology and the Life Well-Lived (Keyes & Haidt, 2003), Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification (Peterson & Seligman, 2004), Positive Psychology Assessment: A Handbook of Models and Measures (Lopez & Snyder, 2004), Positive Psychology in Practice (Linley & Joseph, 2004), Oxford Handbook of Methods in Positive Psychology (Ong & van Dulmen, 2006), Positive Psychology: The Scientific and Practical Explorations of Human Strengths (Snyder & Lopez, 2007).

Assim, com base nos trabalhos pioneiros de Rogers (1951), Maslow (1954, 1962), Jahoda (1958), Erikson (1950, 1968, 1982), Vaillant (1977), Deci e Ryan (1985) e Ryff e Singer (1996) – entre muitos outros – os psicólogos positivos têm aumentado o

conhecimento acerca de como, porquê e em que condições as emoções positivas, o carácter positivo e as instituições florescem (Seligman, Steen, Park, & Peterson, 2005).

Mas afinal em que consiste a psicologia positiva? De acordo com Seligman e Csiksentmihalyi (2000), este movimento consiste no estudo das experiências positivas, dos traços individuais positivos e das instituições positivas; segundo Sheldon e King (2001), consiste na tentativa de levar os psicólogos contemporâneos a adoptarem uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades humanas. É um campo interessado no bem-estar e funcionamento óptimos, tendo-se desenvolvido visando aumentar o foco da psicologia clínica para além do sofrimento e do seu alívio directo. A psicologia positiva assume-se assim como um movimento que engloba as teorias e investigações centradas nos aspectos que tornam a vida merecedora de ser vivida (Peterson & Park, 2003).

Se bem que é verdade que os psicólogos positivos não inventaram os conceitos de emoções positivas ou de bem-estar, nem sequer foram pioneiros no estudo científico destes conceitos, é só agora que se verifica um esforço de unificar aquilo que tem sido trabalhado de forma espartilhada ou em linhas distintas de teoria e investigação (Duckworth, Steen, & Seligman, 2005; Peterson & Park, 2003).

Apesar da psicologia positiva ser considerada por muitos como um movimento promissor, tem sido alvo de algumas críticas (Carstensen & Charles, 2003; Held, 2002, 2004). Num artigo intitulado The negative side of positive psychology, Held (2004) critica o movimento da psicologia positiva em três aspectos que intitula de: a) Os efeitos colaterais negativos: a tirania da mensagem dominante da atitude positiva e da mensagem dominante da psicologia positiva; b) O negativismo dos psicólogos positivos; e c) O bom senso de William James. De seguida, desenvolveremos resumidamente cada um dos aspectos criticados.

No que diz respeito à primeira crítica – os efeitos colaterais negativos: a tirania da mensagem dominante da atitude positiva e da mensagem dominante da psicologia positiva – Held (2004) refere que uma pressão para se ser positivo ou assertivo pode gerar efeitos contrários e contribuir até para certas formas de infelicidade. A cultura popular Americana e a cultura profissional (com o movimento da psicologia positiva) estão saturadas com a ideia que temos que ter pensamentos positivos, que temos que cultivar emoções e atitudes positivas e que temos que unir as nossas forças para sermos felizes e saudáveis. Uma das

possíveis e não intencionais consequências de proclamar a positividade nos círculos populares e profissionais relaciona-se com esta tirania da psicologia positiva. Se eventualmente um de nós se sentir mal relativamente às suas dificuldades de vida e não as conseguir gerir adequadamente a ponto de ultrapassar/transcender o sofrimento (independentemente do esforço que faça), pode acabar por se sentir ainda pior com isso, poderá sentir-se culpado ou imperfeito por não ter a atitude correcta (que seria a atitude positiva) perante as dificuldades. Esta mensagem também está muito relacionada com a proliferação da vasta evidência empírica que sugere que o optimismo e a positividade estão muito associados à saúde e à longevidade, enquanto que o pessimismo e a negatividade têm o efeito oposto (Peterson & Bossio, 2002; Peterson, Seligman, Yurko, Martin, & Friedman, 1998; Taylor, Kemeny, Reed, Bower, & Gruenewald, 2000).

Apesar da tirania da mensagem dominante da atitude positiva e da mensagem dominante da psicologia positiva “An emerging but still nondominant message of some members of the movement gives evidence of the dominant Message by expressing dissatisfaction with it (…) desire for a more nuanced and integrative – a less separist or polarizing – message (…)” (Held, 2004, p. 13). Ao longo da literatura positiva, são vários os exemplos disso: “It would be a mistake to assume that all that is positive is good… Instead, efforts to understand when positive beliefs are linked to good outcomes, when they may not be, and why will yield a more realistic and balanced view.” (Aspinwall & Staudinger, 2003, p. 18), “Another pitfall of focusing on positive emotional experience as definitive of good life is the tendency to view any negative emotion as problematic” (King, 2001, p. 53), entre outros.

Relativamente à segunda crítica – o negativismo dos psicólogos positivos – Held (2004) acredita que existe um lado negro escondido no movimento da psicologia positiva, devido à incapacidade deste conhecer a sua própria negatividade. A negatividade é um aspecto normal e algumas vezes adaptativo da natureza humana, por isso importa perguntar: os psicólogos positivos são negativos acerca de quê? Parece que alguns psicólogos positivos proeminentes mantêm visões equilibradas acerca da positividade e da negatividade. Por exemplo, Seligman (1990) no seu livro Learned Optimism diz que não devemos ser “slave to the tyrannies of optimism…. We must be able to use pessimism keen sense of reality when we need it” (p. 292). No livro Authentic Happiness, Seligman (2002) refere que a “Positive Psychology aims for the optimal balance between positive

and negative thinking” (pp. 288-289). Apesar deste reconhecimento, ao longo dos muitos artigos e livros publicados no âmbito deste movimento, é notória a negatividade em relação à própria negatividade.

No que diz respeito à terceira crítica – o bom senso de William James – Held (2004) sugere que é possível encontrar um significado positivo no lado negativo da psicologia positiva. Este significado pode encontrar-se na mensagem mais integrativa (ainda não dominante) do movimento da psicologia positiva, compatível com as reacções de alguns psicólogos humanistas à psicologia positiva. Segundo o movimento da psicologia positiva, uma vida vivida sem ser analisada, sem se ter consciência dela, não vale a pena ser vivida, já que é uma vida sem significado. Então, se os psicólogos positivos defendem que enfrentam a realidade, mesmo que negativa, em vez de a negar com ilusões positivas (através da redefinição do optimismo como realista) e se aceitam que na adversidade se pode desenvolver o coping, a saúde e o crescimento (Aspinwall & Staudinger, 2003; King, 2001; Ryff & Singer, 2003), então poderemos perguntar se os psicólogos positivos são realmente diferentes dos psicólogos negativos de quem proclamam independência? Aliás, podemos ainda perguntar se esta distinção faz sentido? Porque não chamar a todos psicólogos? A autora remata sugerindo que nesta mensagem não dominante da psicologia positiva, pode encontrar-se um significado positivo – o reconhecimento do lado negativo da existência humana numa abordagem muito mais integrativa e inclusiva do que começou por ser o movimento da psicologia positiva enquanto movimento separatista da psicologia.

Em Portugal, de um modo geral, as referências e os estudos sobre a psicologia positiva e os seus constructos são ainda escassos. No entanto, os estudos teóricos e empíricos sobre os mesmos têm vindo a aumentar (e.g., Galinha & Pais Ribeiro, 2005; Meneses, 2006; Pais Ribeiro, 2006), em particular no diz respeito ao constructo de optimismo (Barros, 1998, 2001; Bernardes, Lima, & Paulino, 2002; Monteiro, 2006; Monteiro, Tavares, & Pereira, 2006c, no prelo; Neto & Marujo, 2001; Neto, Marujo, & Perloiro, 2001; Pais Ribeiro & Pedro, 2006).