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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 VINCULAÇÃO NA TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

2. Relações de vinculação ao longo do ciclo de vida

A Teoria da Vinculação apresenta como princípio fundamental que a relação entre a mãe e a criança, durante os primeiros tempos de vida, influencia o funcionamento posterior intra e interpessoal do indivíduo, desde a infância até à idade adulta. De acordo com Bowlby (1969/1982), as relações de vinculação desempenham um “vital role… from the cradle to the grave” (p. 208), expressão que traduz a perspectiva desenvolvimental que

esteve sempre presente na Teoria da Vinculação. Apesar da clara importância que Bowlby deu ao sistema de vinculação ao longo da vida, a verdade é que proporcionou poucas orientações acerca da sua função específica e da sua expressão na idade adulta.

No início dos anos 80 do século XX, houve um alargamento dos trabalhos de investigação empírica a todo o ciclo de vida com a emergência de várias novas linhas de investigação. George et al. (1985) criaram a Adult Attachment Interview (AAI) com o objectivo de “assess the security of the adult’s overall working model of attachment, that is, the security of the self in relation to attachment in its generality rather than in relation to any particular present or past relationship” (p. 78). Ao mesmo tempo que a AAI estava a ser desenvolvida, Pottharst e Kessler (tal como descrito em Pottharst, 1990) desenvolveram a Attachment History Questionnaire (AHQ) para avaliar na idade adulta as memórias das experiências de vinculação tidas na infância (e.g., separação dos pais, perda dos pais, qualidade da relação com as figuras de vinculação). Numa linha distinta de investigação, Armsden e Greenberg (1987) desenvolveram o Inventory of Parent and Peer Attachment (IPPA), com o objectivo de avaliar a segurança ou qualidade percebida das relações actuais dos adolescentes com os pais e pares. De forma similar, West e Sheldon-Keller (1994a; West, Sheldon, & Reiffer, 1987) desenvolveram o Reciprocal Attachment Questionnaire for Adults para avaliar a segurança respeitante a uma figura de vinculação primária (pai, par ou parceiro) na idade adulta. Também por esta altura, Hazan e Shaver (1987; Shaver, Hazan, & Bradshaw, 1988) começaram a considerar a aplicabilidade da Teoria da Vinculação em geral e da classificação de Ainsworth em particular, ao estudo dos sentimentos e comportamentos nas relações românticas na adolescência e na idade adulta.

É possível assim referir que o campo da vinculação do adulto cresceu mais em resultado da investigação de Ainsworth do que de Bowlby. Cresceu através de medidas de auto-resposta e entrevistas dirigidas a capturar versões adultas dos padrões de vinculação identificados na infância.

Dada a independência dos diferentes grupos de investigadores e dos seus diversos domínios de interesse e variados backgrounds profissionais, as linhas de investigação iniciadas evoluíram em sentidos diferentes. De forma consequente, existe actualmente uma enorme diversidade de instrumentos de avaliação da vinculação na adolescência e na idade adulta e confusão acerca do que estes mesmos instrumentos medem, do que supostamente medem e de como estão relacionados (Crowell et al., 1999).

2.1. O conceito de vinculação do adulto

Bowlby (1969/1982) hipotetizou que as relações de vinculação na infância são similares, na sua natureza, às relações de vinculação desenvolvidas na idade adulta, tendo postulado pequenas distinções entre essas relações, sejam de pais e filhos, entre pares, ou adultos filhos e pais idosos. Ainsworth (1991) realçou a função do sistema comportamental de vinculação nas relações de vinculação na idade adulta, enfatizando o fenómeno da base segura como o elemento crítico. Afirmou que uma relação de vinculação segura facilitaria o funcionamento e competência mesmo noutros contextos que não a relação específica, ou seja, existe “a seeking to obtain an experience of security and comfort in the relationship with the partner. If and when such security and comfort are available, the individual is able to move off from the secure base provided by the partner, with the confidence to engage in other activities” (1991, p. 38).

Na literatura existente acerca das relações pais-filhos, assume-se, de um modo geral, que as crianças estão vinculadas aos prestadores de cuidados (Cassidy, 1999). Espera-se que as diferenças individuais na vinculação reflictam diferenças referentes à qualidade da relação e não diferenças referentes ao grau de vinculação ou à presença ou ausência de vinculação per se. O mesmo pode não se verificar nas relações estabelecidas na idade adulta. Embora se assuma frequentemente que, por exemplo, as relações românticas são relações de vinculação, este pressuposto é raramente testado (Fraley & Shaver, 2000).

Os estudiosos da Teoria da Vinculação propuseram uma variedade de aspectos mediante os quais as relações de vinculação são diferenciadas de outro tipo de relações (Ainsworth, 1982, 1991; Hazan & Zeifman, 1994; Weiss, 1982, 1991). Ao longo das diversas taxonomias, três aspectos são repetidamente referidos, a saber: (1) independentemente da figura de vinculação em causa, existe uma tendência para a procura de proximidade e presença de protesto de separação; (2) a figura de vinculação é encarada como um refúgio seguro durante momentos de doença, perigo ou ameaça; e, (3) a figura de vinculação é considerada como uma base segura para comportamentos de exploração, promovendo sentimentos de segurança e confiança.

Weiss (1982) referiu três características da vinculação na idade adulta que a diferenciam da vinculação na infância. Designadamente, as relações de vinculação no adulto: (1) são tipicamente estabelecidas entre pares e não entre quem recebe cuidados

(criança) e quem os oferece (pais); (2) não se destacam tanto de outros sistemas comportamentais, já que existe uma menor responsabilidade implicada; e (3) incluem, muitas vezes, relações de natureza sexual.

É de realçar, no entanto, que a diferença entre a vinculação estabelecida na infância e na idade adulta mais referida na literatura, diz respeito à natureza recíproca das relações de vinculação estabelecidas na idade adulta por contraposição à natureza complementar das relações de vinculação estabelecidas na infância (Ainsworth, 1991; Berman, Marcus, & Berman, 1994; Crowell et al., 1999; Hinde, 1997; Hinde & Stevenson-Hinde, 1986; Kunce & Shaver, 1994).

Importa ainda referir que, ao longo do tempo, as relações de vinculação na idade adulta têm sido também diferenciadas de outros tipos de relações interpessoais como: as relações de dependência, as relações de filiação, o amor romântico e o relacionamento conjugal (para uma revisão, cf. Canavarro, 1999b).