• Nenhum resultado encontrado

O idoso e os princípios, direitos e garantias fundamentais

TÍTULO II – A TUTELA LEGAL DO IDOSO

1.1 O idoso e os princípios, direitos e garantias fundamentais

Luiz Lenio Streck observa que o Direito deve ser visto como um instrumento de transformação social, e os princípios têm forte atuação nessa seara para garantir que o positivismo puro não permita um retrocesso e um revival das atrocidades vistas no passado sob o argumento de que estavam em consonância com o direito posto.88

Na medida em que a sociedade avança, novas necessidades e garantias devem ser concedidas a fim de tornar a vida do homem mais confortável. É o que Kant chamou de avanço do processo civilizatório, consciência da dignidade intrínseca do homem, que não está destinado, por natureza, ao sofrimento e à miséria.

A previsão de que a República Federativa do Brasil fundamenta-se na cidadania e dignidade da pessoa humana já seria por si só suficiente para garantir a tutela dos idosos e que eles não serão excluídos da vida em sociedade de forma alguma.

O fim das desigualdades e combate à miséria, considerado objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, engloba também a proteção e tutela aos idosos, que sofreram um longo histórico de desigualdade e abandono, e que ainda o vem sofrendo na atualidade.

O idoso, na sua qualidade de pessoa humana, é titular de todos os direitos e garantias trazidos pela Constituição Federal, o que sequer seria preciso mencionar, pois, conforme será exposto a seguir, a proteção dos idosos deve ser feita levando em conta sua vulnerabilidade (ou até hipervulnerabilidade).

Direito à vida, à dignidade, à saúde, à liberdade e à propriedade são só alguns dos direitos absolutamente invioláveis aos idosos. Não constitui objeto do presente

88 STRECK, Luiz Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção

trabalho analisar os direitos fundamentais, de tal modo que não o faremos isoladamente, ressalvando que todos são garantidos à classe, objeto de tutela neste trabalho.

Além das previsões intrínsecas às pessoas como um todo, a busca por igualdade material e tutela aos idosos foi consagrada pelo legislador constitucional no artigo 230 da Carta Magna,89 segundo o qual: “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Alexandre de Moraes bem observa qual foi a preocupação do legislador nesse dispositivo:

O reconhecimento àqueles que construíram com amor, trabalho e esperança a história de nosso país tem efeito multiplicador de cidadania, ensinando às novas gerações a importância de respeito permanente aos direitos fundamentais, desde o nascimento até a terceira idade.90

O Estatuto do Idoso, no Título II, trata dos Direitos Fundamentais, enquadrando a velhice como direito personalíssimo e social já no artigo 8.º da lei. Garante o direito à vida, à dignidade, liberdade e respeito.

Não era necessário que o Estatuto assegurasse ao idoso todos os direitos fundamentais que já foram consagrados a todos os indivíduos pela Constituição Federal de 1988 (tais como dignidade, saúde, vida, liberdade etc.). Trata-se de mera reafirmação dos direitos dos idosos em uma única norma.

A proibição de violência, discriminação, tortura, crueldade ou opressão é reafirmada no Estatuto em razão do histórico de sofrimento pelo qual foi submetido o idoso ao longo dos anos, tema abordado anteriormente. Portanto, passa a ser dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso (conforme artigo 4.º, § 2.º).

89 Do mesmo modo, a previsão do artigo 3.º do Estatuto do Idoso:

Artigo 3.º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao

idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

No artigo 10 do Estatuto é trazido o “direito ao respeito” que, de acordo com o § 2.º do próprio artigo, consiste na “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais”. Nesse dispositivo novamente se verifica um viés histórico na legislação, tentando resgatar a imagem que se fazia dos idosos antigamente, do seu papel de sábio e experiente.

Outra previsão trata da efetivação de políticas públicas (artigo 9.º), decorrência do reconhecimento do Estado Social e da necessidade de amparo governamental a fim de viabilizar um envelhecimento saudável.

Quanto à habitação, também consagrada como direito fundamental ao idoso nos termos do Estatuto, garantiu-se ao idoso a moradia digna (assim entendida como aquelas que lhe fornecem alimentação regular, atendimento às necessidades individuais de cada idoso e higiene indispensável às normas sanitárias), de preferência no seio familiar ou em entidade, quando assim o desejar ou não tiver opção.

Ainda no que tange ao direito de moradia, ao idoso são garantidos, nos programas habitacionais residenciais: (i) a reserva de pelo menos 3% das unidades para seus interesses; (ii) a eliminação de barreiras arquitetônicas para garantir acessibilidade; e (iii) critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos da aposentadoria (artigo 38 do Estatuto).

A Política Nacional do Idoso estabelece como competência dos órgãos e entidades públicas facilitar o acesso à moradia para o idoso e diminuir as barreiras arquitetônicas, além de estarem encarregados de destinar, nos programas habitacionais, unidades em regime de comodato ao idoso, na modalidade de casas-lares.91

O Estatuto também garantiu aos idosos o direito à educação, cultura, esporte e lazer como direitos fundamentais.

Na área da educação, tanto o Estatuto como a Política Nacional do Idoso preveem a adequação dos currículos escolares com conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos; a inserção da Gerontologia e da

Geriatria como disciplinas curriculares nos cursos superiores; a criação de programas de ensino destinado aos idosos; o apoio à criação de universidade aberta para a terceira idade.

O Estatuto se preocupou também com a questão das técnicas de comunicação, a fim de que os idosos possam se integrar à vida moderna, o que, nessa idade, se torna muito mais complicado.

Quanto à cultura, o Estatuto prevê a participação dos idosos nas comemorações cívicas e culturais, para transmissão de conhecimento e vivências às demais gerações, a fim de preservar a memória e a identidade da nação. Conforme já exposto algumas vezes neste trabalho, o Estatuto como um todo e essa norma específica têm caráter declaratório e revela uma questão cultural que não precisaria ser tratada pela lei se houvesse uma maturidade da população em preservar sua história e assegurar a transmissão do conhecimento entre gerações. A garantia de identidade cultural em um país não vai será vista em razão das previsões do Estatuto ou da previsão do artigo 10, VII, c, da Política Nacional do Idoso, mas sim por meio da educação dos jovens e do reconhecimento do valor de idoso e de sua memória.

No tocante ao lazer, o Estatuto garantiu os descontos de pelo menos 50% nos valores dos ingressos aos idosos, para qualquer evento artístico, cultural, esportivo e de lazer, além do acesso preferencial aos locais de evento. Essa norma, que expressamente traz uma disposição em prol dos idosos e não tem conteúdo meramente declaratório como a maior parte do Estatuto, representa um avanço e uma garantia de acesso aos idosos aos eventos culturais do País, cujo objetivo é assegurar a inclusão social deles.