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Ordenamento e Gestão do Território Costeiro

OBJETIVOS ETAPAS METODOLÓGICAS

2. RISCO E PERCEÇÃO SOCIAL

2.5 G ESTÃO DO R ISCO

2.5.1 A VALIAÇÃO E MITIGAÇÃO DO RISCO

Segundo Almeida (2004[a]), a gestão do risco “…pretende estruturar os processos associados ao

conceito do risco e pode ser aplicada a diferentes contextos, âmbitos e escalas de intervenção: desde uma política global a um projecto ou a uma obra específica.” (p.7), englobando a avaliação do risco

e a mitigação do risco, tal como se pode verificar na figura 2.2.

Fig. 2.2 – Sistema de gestão do risco (Fonte: Almeida, 2004[b])

A avaliação do risco compreende a análise do risco e a apreciação do risco. Com a análise do risco pretende-se identificar e caracterizar os perigos e os cenários e avaliar a probabilidade de ocorrência dos eventos associados, bem como das consequências esperadas, tendo em vista a obtenção dos valores quantitativos do(s) risco(s). Refira-se que a gestão e a análise dos riscos comportam dois fatores muito relevantes: a previsão no tempo e as incertezas. A caracterização e a avaliação das incertezas são tarefas indispensáveis, pelo que associada à gestão dos riscos deve existir a gestão das incertezas.

Com a apreciação do risco pretende-se identificar a importância absoluta evolutiva dos valores calculados dos riscos, analisar a compatibilidade com critérios de aceitabilidade ou tolerância, podendo ter em conta referências éticas, bem como sustentar a decisão (Almeida, 2004[b]). Segundo Smith (2001), “Neither risk assessment nor risk management can be divorced from value

judgements and choices which, in turn, are conditioned by individual beliefs and circumstances.” (p.55-

56).

Para Lourenço (2003), a gestão do risco compreende uma avaliação qualitativa e uma avaliação quantitativa. Com efeito, a análise quantitativa do risco pode não ser suficiente para permitir a seleção de medidas ou a aceitação das decisões.

Relativamente à avaliação qualitativa, “O risco comporta a avaliação de, pelo menos, três situações

para poder minimizar os seus efeitos. Deste modo é conveniente ponderar sempre: - A frequência com que se manifesta; - O que é que poderá correr mal, quando se manifesta; - Que consequências poderão acarretar as situações que correrem mal;” (Lourenço, 2003, p.96).

Quanto à avaliação quantitativa, o mesmo autor (2003) faz referência ao modelo adotado pela Federal Emergency Management Agency (FEMA), elaborado para quantificar e planificar a gestão de emergências, que se baseia na avaliação de quatro critérios, a saber: história, vulnerabilidade, ameaça máxima e probabilidade; para os quais foram definidos critérios de hierarquização do risco e fatores de ponderação, devido aos diferentes níveis de importância de cada um dos quatro critérios. Assim, a avaliação quantitativa parte de um histórico de ocorrências que dita a probabilidade de ocorrências futuras, pretende determinar e localizar grupos populacionais e áreas vulneráveis, bem como localizar instalações vitais em relação ao risco, tais como hospitais, proteção civil, bombeiros, etc., e deve determinar o pior cenário possível, considerando impactos diretamente relacionados com o evento, bem como impactos decorrentes já das consequências do evento.

Segundo Flynn & Slovic (2000), “As limitações da ciência do risco, a importância e a dificuldade em

manter a confiança, e as influências subjectivas e contextuais sobre as avaliações de risco, apontam para a importância da participação do público na estrutura e elaboração das decisões sobre o risco social.” (p.126).

A perceção do risco deve ser entendida como parte integrante da gestão do risco, concretamente como meio de suporte à redução do risco, como aliás Almeida (2004[b]) considera num esquema mais completo da gestão do risco e da tomada de decisão (figura 2.3).

Considera-se, pois, que a perceção do público é uma peça fundamental para a definição de medidas de gestão do risco que venham a ser aceites pela população. Para Smith (2001), “…risk

perception has to be regarded as a valid component of risk management alongside more scientific assessments.” (p.50), bem como a participação e o envolvimento dos mais variados atores. Aliás,

OECD (2003) sugere que se evitem medidas de gestão que assentem exclusivamente em conhecimento técnico ou científico, mas que assentem também nas reações e opiniões da população, referindo-se ainda à importância dos contributos das diversas partes interessadas para a identificação de soluções que sejam aceites. Para Smith (2001), “Resolving the conflict between the

outcome of technical risk analysis and more subjective risk perception is a major factor in many hazard management strategies.” (p.56).

Fig. 2.3 – Gestão do risco e processo de decisão (Fonte: Almeida, 2004[b])

De acordo com Shrader – Frechette (1995), há quatro fortes razões para envolver o cidadão na gestão do risco, designadamente: i) lógica; ii) ética; iii) ontológica; iv) democrática. A lógica prende-se com a incerteza científica implicar a intervenção de valores culturais ou sociais. A ética relaciona-se com o facto de a gestão dos riscos ter consequências no bem-estar coletivo e, por isso, a população ter o direito a exprimir a sua opinião. A ontológica reflete o facto de a gestão não dever ser limitada aos especialistas, uma vez que o risco afeta valores fundamentais, como a autonomia, o consentimento e a igualdade. A democrática encontra-se associada ao facto de a análise dos riscos se relacionar com ciências aplicadas, cujos objetivos devem ser democraticamente determinados.

Ainda no âmbito da mitigação do risco, esta componente da gestão do risco compreende a redução do risco, ou seja, a definição de medidas de prevenção para a redução dos impactos, e a resposta a crises, isto é, a “…preparação da assistência adequada em caso de um acidente ou evento

muito negativo – gestão de crise.” (Almeida, 2004[b], p.7).

De um modo geral, o processo de decisão no contexto de uma gestão do(s) risco(s) compreende a seleção e a implementação de medidas de mitigação, no caso do risco avaliado não ser totalmente tolerável ou aceitável, ou medidas de controlo, no caso do objetivo ser o de evitar que o risco avaliado possa aumentar ao longo do tempo.

É possível considerar dois tipos de medidas: as medidas de prevenção e as medidas de proteção. As medidas de prevenção atuam na origem do perigo ou nas causas do processo perigoso, diminuindo a probabilidade de ocorrência de eventos com determinadas intensidades agressivas, ou atuam na exposição do sistema recetor como sendo uma das origens do risco. De acordo com esta definição, impedir a ocupação de zonas costeiras perigosas será uma medida de prevenção do risco ou do aumento do risco (Almeida, 2004[c]). As medidas de proteção atuam na diminuição das consequências ou dos danos através da diminuição da exposição (evacuação) ao perigo ou da diminuição da vulnerabilidade dos bens expostos, como é o caso do reforço da resistência ao impacto do processo perigoso (Almeida, 2004[c]).

A distinção entre estes dois tipos de medidas depende da escala espacial de análise: por exemplo um dique de defesa pode ser considerada uma medida de prevenção de inundações, à escala local, e uma medida de proteção de uma determinada área estratégica, à escala regional. O alvo ou o enfoque da gestão pode, também, alterar a designação: se o enfoque é a segurança de pessoas, as restrições à exposição podem ser consideradas uma medida de proteção; se o enfoque é o risco numa determinada área, essa medida pode ser considerada como uma medida de prevenção do risco ou do aumento do risco.

Outros elementos são considerados relevantes para a redução do risco. Citando Smith (2001), “Educational public information programmes can be used to raise hazards awareness so that people can

take voluntary action to reduce risk.” (p.73) e, ainda, “Economic Financial instruments, such as subsidies, tax credits and fines, can be used by governments to encourage compliance with hazard reduction policies.” (p.73). O mesmo autor salienta que é essencial utilizar a educação das pessoas,

quer de vítimas, quer de gestores, para a mitigação do desastre e que ao nível da comunidade, as autoridades locais e os utilizadores da zona de perigo necessitam de entender as capacidades e as limitações da mitigação do perigo, podendo esta consciencialização ser feita através de panfletos, vídeos, workshops, formação, entre outras formas possíveis (Smith, 2001).

Na Holanda, o governo assumiu a responsabilidade de minimizar os riscos de inundação e garantir um certo nível de segurança, assegurando que o risco de inundação não aumente. Assim, a sociedade como um todo é coletivamente responsável pela proteção contra as inundações

financiada através do sistema fiscal, independentemente dos níveis de risco no local de residência dos contribuintes, ou seja, independentemente de viverem numa área propensa a inundações ou em áreas seguras, têm de pagar parte dos impostos para financiar medidas de proteção contra inundações em zonas vulneráveis (Filatova, et al., 2011).

De acordo com Filatova, et al., (2011), em áreas onde as pessoas ignoram o risco, como nas áreas de baixa probabilidade e alto impacto, o pagamento de seguros em zonas expostas a riscos naturais pode servir como uma medida de comunicação do risco e persuadir as pessoas a integrarem o risco nas suas decisões. Aliás, para o caso de New Orleans também se considerou que poderia ser interessante a introdução de um sistema de seguros contra inundações, como forma de incentivar a uma avaliação individual do risco, funcionando como mecanismo de consciencialização do risco (RMS, 2006), até porque informar sobre potenciais riscos de inundação sem prever instrumentos para atuação individual perante o risco, não fornece uma base para uma responsabilização partilhada entre o governo e os indivíduos (Filatova, et al., 2011). Também a construção de empreendimentos novos, a níveis acima do solo, pode servir como forma persistente de comunicação do risco de inundação, reavivando assim a consciência individual do risco, para além de ser uma forma de minimização dos danos diretos, pois “Instead it creates extra space, safe

from flooding, in the coastal zone.” (Filatova, et al., 2011, p.171), apenas com um custo extra de

2% do total.

Esta combinação de responsabilidades, quer de uma responsabilidade coletiva, quer de uma responsabilidade partilhada, em que a sociedade como um todo (representada por um decisor governamental) e os indivíduos têm um papel ativo na redução do risco, implicam também que os indivíduos e o governo partilhem as responsabilidades em caso de desastre.

Para uma melhor coerência da gestão do risco, OECD (2003) recomenda que cada um dos diversos instrumentos (incentivos económicos, normas regulamentares, informação, entre outros) sejam utilizados em contextos onde tenham o maior impacto possível, e de forma a complementarem a ação dos outros instrumentos, ou seja, deve haver uma integração e complementarização dos mesmos. Um melhor entendimento das normas relativas a cada risco específico, uma crescente coordenação e troca de informação entre as diferentes fases da gestão do risco, a adoção de medidas flexíveis e possíveis de serem reversíveis para a gestão do risco, bem como a correção dos incentivos existentes, que muitas vezes promovem efeitos negativos, são medidas sugeridas. Na figura 2.3 - esquema sequencial face à figura 2.2 de Almeida (2004[b]) - foi então incluído o processo de tomada de decisão, o qual é influenciado por, e influencia, a comunicação do risco, a perceção do risco e a participação dos atores, fatores estes que terão, por sua vez, também influência na mitigação do risco. O processo de decisão é ainda influenciado pelos valores morais da sociedade e assenta nos sistemas criados de apoio à tomada de decisão, os quais, por sua vez, irão ter um papel determinante na resposta às crises. “…estas considerações qualitativas reflectem

questões legítimas com grande significado social e político e têm de ser tomadas em consideração nas decisões da política de risco.” (Flynn & Slovic, 2000, p.110).

De acordo com Almeida (2004[b]), os critérios de decisão são fundamentais para o sucesso da gestão do risco, devendo atender à perceção pública e à multiplicidade dos fatores envolvidos na comunicação pública.

Acresce ainda a gestão da emergência que, de acordo com Almeida (2004[c]), pretende a proteção das vidas humana, a minimização dos impactos negativos materiais e a minimização dos sofrimentos causados pelos perigos de origem natural ou humana, sendo para tal necessário o desenvolvimento de planos de emergência. Estes planos devem atuar em quatro fases: i) compreender o fenómeno que induz o perigo e reduzir os seus impactos (mitigação); ii) preparar para os efeitos do perigo (preparação); iii) responder de forma eficaz ao evento que pode ocorrer (resposta); e iv) recuperar os sistemas para o seu estado normal (recuperação) (Almeida, 2004[c]). Neste contexto, uma boa comunicação do risco e informação do público é fundamental, pois tal como refere Almeida (2004[c]) “The plan needs to be supported by public acceptance and by

an efficient information system.” (p.8).