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Ordenamento e Gestão do Território Costeiro

OBJETIVOS ETAPAS METODOLÓGICAS

2. RISCO E PERCEÇÃO SOCIAL

2.5 G ESTÃO DO R ISCO

2.5.2 C OMUNICAÇÃO DO RISCO

Numa sociedade aberta, como a sociedade atual, “…os riscos são ilimitados, ou pelo menos,

indefinidos no espaço e no tempo, abrangem múltiplos grupos de indivíduos e comunidades – em muitos casos, potencialmente toda a humanidade – e, dada a sua invisibilidade, não são susceptíveis de consciência pelos indivíduos sem a mobilização da comunicação…” (Serra, 2007, p.2). Filatova, et al.,

(2011) consideram que um grande desafio ao nível da comunicação do risco prende-se com o facto de a perceção social do perigo ser inconsistente com a informação objetiva. Neste âmbito, a grande questão é como apresentar informação ao público de forma a conseguir-se a aceitação das decisões políticas.

A comunicação adequada do risco permite efetivamente uma melhor aceitação e colaboração da população na gestão do risco. Refira-se, por exemplo, o caso de New Orleans, com um histórico de inundações costeiras que remonta a 1915, que perante o impacto do furacão Katrina (que deixou cerca de 80% da cidade coberta por água) se considerou muito útil uma atualização constante dos níveis reais do risco e uma informação permanente e transparente à população no âmbito do seu plano de gestão do risco de inundação (RMS, 2006).

A ação de comunicar é, portanto, considerada essencial. Permite uma maior transparência da sociedade em que vivemos, a troca de conhecimentos, e consensos de caráter globalizante. Na gestão do risco, a informação aos interessados pode ser considerada como um imperativo ético, tendo em vista um consentimento esclarecido.

Aliás, o direito à informação é uma condição que tem vindo a ser salientada e assegurada através de diversa legislação2 existente em Portugal, em particular no que respeita a assuntos ambientais

ou territoriais.

Neste contexto, “A sociedade em que vivemos tem vindo a ser qualificada, nos últimos anos, não

apenas como uma «sociedade de risco» mas também como uma «sociedade da informação» ou «da comunicação».” (Serra, 2007, p.3).

Os meios de comunicação social têm no âmbito da comunicação do risco um papel preponderante, mas a informação transmitida não é neutra. “A transmissão das crenças que povoam o imaginário

colectivo da existência de uma sociedade de informação através dos media não é, contudo, fruto de um acto de arbitrariedade do jornalista, mas obedece a muitas directrizes que atravessam as fases de selecção, recolha, redacção e apresentação. A negociação implícita na produção dessas notícias ocorre dentro da estrutura organizativa própria de cada media que passa muitas vezes pela sua contextualização, descontextualização e recontextualização.” (Lopes, 2000, p.326). A mesma autora

(2000) acrescenta, ainda, que “…o produto final da actividade informativa ultrapassa mesmo a

relação institucional sendo também o resultado de um longo e complexo processo de múltiplas negociações e pressões entre as informações que as fontes têm interesse em divulgar e a adaptação que os jornalistas fazem dessa informação a quadros de noticiabilidade para os transformarem em notícia.” (p.326).

Para Lopes (2000), a sociedade de informação é então um conceito que integra comunicação, tecnologia e media, bem como a interligação entre os mesmos. “…o lugar central que ocupam os

meios de comunicação social na organização planetária da vida colectiva e a importância que a tecnologia tem vindo a assumir na sociedade contemporânea assumem-se como os dois principais factores que contribuem para a força que a comunicação tem vindo a adquirir.” (p.327). Neste

contexto, salienta-se o valor que a informação, a comunicação e a tecnologia têm vindo a assumir na sociedade de hoje, nomeadamente, na sociedade de risco. De acordo com Schmidt (1996), “A

consciencialização dos problemas do ambiente resultará dos jogos de interrelações mútuas entre media, associações técnicos e cientistas – isentos, credíveis, responsáveis e eficazes.” (p.140).

Segundo Mela, et al., (2001), genericamente há duas estratégias de comunicação do risco – a comunicação unidirecional e a comunicação bidirecional.

2 Relacionado com a temática dos riscos, refira-se, por exemplo, a Lei de Bases da Proteção Civil (Lei n.º 27/2006, Diário da República, 1ª Série, N.º 126, de 3 de Julho de 2006). Segundo este diploma legal, a proteção civil tem como finalidade “…prevenir riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram.”, assim como “Apoiar a reposição da normalidade da vida das pessoas em áreas afectadas por acidente grave ou catástrofe.”.

Vários são os domínios de atuação da proteção civil, destacando-se a questão da informação e formação das populações. Neste âmbito, e no mesmo diploma legal, é realçado o direito à informação sobre os riscos a que os cidadãos estão sujeitos e sobre medidas definidas para prevenir ou minimizar os efeitos de acidente grave ou catástrofe. Destaca-se, também, a importância da informação pública para esclarecer e consciencializar os cidadãos sobre as responsabilidades de cada instituição ou indivíduo, e para sensibilizar em termos de autoproteção. E, por último, evidencia-se a importância de integrar matérias de proteção civil e de autoproteção nos programas escolares.

Na comunicação unidirecional existe um emissor das decisões tomadas, os conselheiros das decisões a tomar e a população exposta, como recetora. Este tipo de comunicação é apenas uma “…transferência de informações, destinada a fornecer elementos úteis a um público, para a orientação

da sua percepção, opinião e comportamento…” (Mela, et al., 2001, p.179). É uma comunicação que

se resume à informação de um público leigo por parte de especialistas, pressupondo um elevado grau de confiança neste conhecimento e, consequentemente na capacidade de controlo dos impactos e no alcance de um nível de risco tolerável. Consiste num tipo de comunicação que é usada quer como forma de preparação da população em situação de normalidade, quer como meio de alertar e informar a população em situação de crise.

A comunicação bidirecional implica a integração dos vários conhecimentos, perceções e expectativas, implicando, portanto, o envolvimento de técnicos, especialistas, população, e outros agentes, assentando no enriquecimento das opiniões, através de discussões, ou de outras formas de troca de informação, e perspetivando decisões consensuais. “…encontra-se aqui uma concepção em

termos culturais do risco, especialmente preocupada com a transparência dos processos decisórios, embora esta concepção não exclua, evidentemente, a utilidade de uma difusão dos conhecimentos técnico-científicos…” (Mela, et al., 2001, p.181). Trata-se de uma comunicação essencialmente de

apoio à tomada de decisão e preparação da população numa perspetiva de redução da vulnerabilidade.

Segundo Almeida, et al., (2003), ambos os tipos de comunicação são complementares e devem ser combinados para preparação da população em situação de normalidade. As sessões públicas de comunicação do risco poderão ser articuladas com a distribuição de panfletos que permitam esclarecer a população acerca do risco e do modo como devem atuar para se protegerem, sendo também sugeridas campanhas porta-a-porta, notícias em jornais locais, entrevistas na rádio, entre outras formas de comunicação combinada.

Portanto, vários são os possíveis canais de comunicação do risco, mas os mass media (meios de comunicação de massas) são um dos canais que mais desempenham a comunicação do risco (Mela,

et al., 2001), quer em situação de crise, quer em situação de normalidade (Serra, 2007).

Numa situação de normalidade, os diversos meios de comunicação permitem “…tornar visíveis os

riscos, dar-lhes um lugar na agenda mediática…” aspeto “…fundamental para que a sociedade e cada um dos indivíduos possam estar em condições de reduzir os riscos…” (Serra, 2007, p.7).

Para atuação em situação de crise (emergência), são ainda maiores as vantagens destes instrumentos de comunicação, particularmente da televisão e da rádio, pelo número de pessoas a que conseguem dar informação, pela rapidez da difusão da informação, pela fiabilidade da informação e pela capacidade de comunicar de forma atrativa (televisão). Em termos de comunicações interpessoais, importa ainda referir, como meios de comunicação, os telemóveis, o correio eletrónico, o messenger.

A internet, apesar de ser também um canal de comunicação importante e rápido, chega certamente a um número mais reduzido de pessoas, e os jornais, esses sim, já se caracterizam por um tempo de resposta mais lento, que em situações de crise não é suficiente, mas é também um meio eficiente de comunicar o risco em situação normal.

Não obstante, “…a extraordinária força dos meios da comunicação social actuais, nomeadamente

através da imagem em directo e da estruturação de «opinião pública», influencia de sobremaneira a nova construção social de responsabilidade dos riscos e a reacção do poder político, perturbando o processo de tomada de decisão e de discussão.” (Almeida, 2004[b], p.3).

A divulgação da informação é, assim, fundamental para a informação da população, no entanto a recepção da informação por parte da população depende, de entre outros fatores, da forma como os acontecimentos são comunicados, induzindo e moldando a perceção do risco. Segundo Mela, et al., (2001), “…os jornalistas ou os responsáveis da programação televisiva, sempre que se

ocupam de riscos, actuam […] preocupando-se, por exemplo, não só com a eficácia da mensagem difundida, mas também (e, por vezes, sobretudo) com o carácter espectacular da informação produzida e com a sua capacidade de interessar um público vasto, para além da população efectivamente sujeita a risco.” (p.182). Exemplo disso é esta própria investigação que, num contexto

de análise de situação de risco costeiro numa área restrita, foi divulgada pelos mass media, de forma alarmante e deturpada. Veja-se o exemplo (figura 2.4).

Fig. 2.4 – Extrato da capa de jornal

(Fonte: Jornal de Notícias n.º268, ano 119, de sábado, dia 24 de Fevereiro de 2007)

Relativamente à abordagem ao risco, para Serra (2007) a comunicação do risco pode ser feita de duas formas distintas: temática, ou seja, “…o tema do risco é tratado de forma explícita e

intencional…” e implícita “…quando o risco é tratado apenas de forma implícita e não intencional…”;

e de duas formas distintas quanto ao momento da comunicação: normal, isto é “…aquela que

medeia entre situações de crise…” e de crise, ou seja, “…a que ocorre em plena situação de crise – seja imediatamente antes, seja já durante, seja imediatamente depois…” (p.4-5). Desta classificação

decorrem três formas de comunicação do risco, a saber: temática-normal, temática-de-crise e

Neste contexto, o autor considera que a comunicação do risco implícita-normal corresponde à comunicação de acidentes comuns, de factos do quotidiano que podem originar acidentes e de factos do quotidiano que podem trazer riscos inesperados, sendo disso exemplos acidentes de automóveis, o trânsito, os assaltos, etc., ou seja, a comunicação do risco é feita de forma indireta e não explícita, comunicação esta que não serve para evitar situações de risco.

A comunicação de risco temática-normal, que permite a informação da população e, consequentemente, a prevenção de situações de risco, corresponde à comunicação atempada e explícita de potenciais situações de risco, tornando possível prevenir e preparar a população, no entanto este tipo de comunicação é o menos privilegiado pelos media. Este tipo de comunicação chega à população, por exemplo, através dos documentários, de debates, e de artigos científicos, técnicos ou de opinião. Para que a transmissão da informação e, consequentemente, a construção da perceção do risco pela população seja o mais próxima da realidade possível é necessário um papel preponderante por parte dos responsáveis pela segurança pública em mediatizar os riscos através das mais diversas formas e em fornecer informação objetiva e atualizada aos media. Serra (2007) discrimina estes responsáveis, identificando governos, entidades públicas e privadas, especialistas e investigadores. O autor considera que esta cooperação chamará a atenção dos

media para estes assuntos, evitando que determinados riscos importantes caiam no esquecimento e

permitindo a transmissão correta de informação para o cidadão.

A comunicação de risco temática-de-crise é, então, uma comunicação feita explícita e intencionalmente em situação de crise, onde os media têm um papel importantíssimo na minimização das consequências dos acidentes. Para tal é necessário que os responsáveis pela segurança pública disponibilizem toda a informação possível aos media, em particular aos meios rápidos, como televisão, rádio e internet. “O papel informativo dos media em situações de crise é tão relevante que,

como o mostram os diversos estudos empíricos nesta matéria, a percepção do público acerca da eficácia da resposta a uma crise passa pela informação que recebe ou deixa de receber – e, assim, pela relação dos responsáveis pela segurança pública com os media.” (Serra, 2007, p.11). Note-se, no

entanto, que os media deverão evitar transformar todos os perigos em riscos e devem evitar atribuir responsabilidades aos encarregados pela segurança pública, para que a sociedade em geral não se desculpabilize de tudo, pois “…a percepção dos riscos e a resposta da Sociedade aos mesmos

envolve […] um componente subjectivo de apreciação e de transferência da responsabilidade resultante de um intenso fluxo inter-subjectivo cujo resultado visível é a denúncia de faltas sucessivas aos decisores de nível mais elevado, nomeadamente por omissão, e a focalização no poder da “responsabilidade-causa” dos efeitos de catástrofes naturais, deslocadas em antrópicas, e tecnológicas…” (Almeida, 2004[b], p.3). Devem também evitar noticiar mais o risco que a

segurança em situação de crise para não desanimar a população, nem os que estão em seu auxílio. Quanto aos responsáveis pela segurança pública, devem assegurar que transmitem aos media

informação objetiva e precisa, para que não haja contradições nos diversos meios de comunicação, nem se gere uma situação caótica no seio da população.

Na tabela 2.1 apresenta-se uma sistematização dos tipos de comunicação referenciados. Em suma, a comunicação do risco pode e deve ser utilizada como mecanismo de apoio à informação, à gestão e ao planeamento e também de apoio a situações de crise/ emergência. A articulação entre os dois tipos de comunicação – unidirecional e bidirecional – possui grande potencial para diminuir a vulnerabilidade social do risco.

Abordagens da Comunicação Tipos de Comunicação Características Período de Comunicação Interação com o público Unidirecional

Informação para orientação da perceção, da opinião e do comportamento do público. Utilizada em situação de normalidade e em situação de crise. Bidirecional

Comunicação para integração de conhecimentos, desenvolvimento de discussões e construção de consensos, envolvendo técnicos, população,... Utilizada em situação de normalidade Intenção e momento face à ocorrência do acidente Temática-normal Comunicação atempada e explícita para prevenção e preparação da população.

Utilizada em situação de normalidade Temática-de-crise

Comunicação explícita e intencional para dar resposta à crise.

Utilizada em situação de crise

Implícita-normal

Comunicação de acidentes comuns do quotidiano, sem qualquer objetivo estratégico.

Utilizada em situação de normalidade Tab. 2.1 – Sistematização dos tipos de comunicação do risco

Contudo, de acordo com Almeida (2004[a]) “…as incertezas epistemológicas podem ser um entrave

dramático à comunicação do risco e à discussão pública antecedente à decisão.” (p.8). Neste contexto,

Serra (2007) considera que é importante “…o governo tomar as suas decisões, apesar de toda a

complexidade e incerteza envolvidas, assumindo o risco dos efeitos desconhecidos e imprevistos – tentando, no entanto, programar acções e montar estruturas que possam diagnosticar, identificar e enfrentar tais efeitos.” (p.15), até porque, “No futuro próximo, os processos de alterações climáticas e de globalização dos riscos, de efeitos cada vez mais imprevisíveis e catastróficos, não farão senão aumentar a importância deste papel político dos riscos.” (p.16).