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G ESTÃO T ERRITORIAL C OSTEIRA VERSUS G ESTÃO DE C ONFLITOS S OCIOAMBIENTAIS

Ordenamento e Gestão do Território Costeiro

GRUPO DE COORDENAÇÃO ESTRATÉGICA

5.4 G ESTÃO T ERRITORIAL C OSTEIRA VERSUS G ESTÃO DE C ONFLITOS S OCIOAMBIENTAIS

A presença das sociedades humanas ao longo da história e os vestígios das alterações ambientais dão argumentos para se considerar que a maioria das zonas costeiras sofreu um processo histórico de alterações socioambientais (Trujillo, et al., 2003). “The limited coastal space, relatively high

population densities, diverse marine and terrestrial habitats in close proximity, and the many economic and social interests all increase the potential for conflicts over coastal space and resources.” (Suman,

2001, p.6). Portanto, as alterações nas zonas costeiras estão intimamente relacionadas com a presença humana e com a dinâmica dos ecossistemas costeiros, transformando-se, por vezes, em conflitos socioambientais, que por sua vez podem estar na origem de situações de risco costeiro. A integração da preservação dos recursos naturais com os processos de intervenção humana, direta ou indireta, nas zonas costeiras é um desafio complexo, cujas dificuldades se agravam quer por influência das alterações climáticas, quer pela contínua intervenção humana, direta e indireta, nos ecossistemas naturais. “Natural and social conflicts are maximized in the coastal zones, the only place

where land, sea and air interact directly, with human society as an extra stressor.” (Marone & Lana,

CONSEQUÊNCIA ORIGEM CAUSA DEFICIÊNCIAS DO SISTEMA SOCIAL E ORGANIZATIVO ACTIVIDADE HUMANA DISFUNCIONAL IMPACTO NEGATIVO

Para Alveirinho Dias (2005), “Pode afirmar-se que, quase por definição, a gestão das zonas costeiras

é uma gestão de conflitos.” (p.23). O autor (2005) justifica, referindo que, “Efectivamente, as múltiplas actividades que aí decorrem (relacionadas com diferentes tipos de turismo, com a exploração de recursos vivos, com indústrias variadas, com o transporte, com a produção de energia, com a exploração de recursos geológicos, etc., etc.) são, em geral, conflituais entre si, e conflituam com o correcto funcionamento sistémico ambiental.” (p.23), podendo originar situações de risco.

Segundo Barragán Muñoz (2003), os conflitos surgem quando os agentes sociais e institucionais têm diferentes interesses, diferentes meios de conhecimento, de perceção e de consciencialização, e diferentes capacidades de comunicação e diálogo. Silva (2002) evidencia que a competição entre autoridades com responsabilidades na gestão territorial costeira é frequente, “…acontecendo não

só entre diversos departamentos (portos, conservação da natureza, turismo, etc.), como também entre organismos com diferentes escalas de intervenção (nacional, regional e local).” (p.21).

De forma geral, o processo que dá origem aos conflitos no espaço costeiro é constituído por três etapas (figura 5.10), a saber: deficiência do sistema social e organizativo; desenvolvimento de uma determinada atividade humana que implica utilização disfuncional do espaço ou dos recursos; e impacto sobre a mesma atividade, sobre outras, sobre um ou mais recursos, sobre a ordem estabelecida, sobre mais de um destes grupos em simultâneo (Barragán Muñoz, 2003).

Fig. 5.10 – Esquematização dos problemas que afetam o espaço e os recursos costeiros (Fonte: adaptado de Barragán Muñoz, 2003)

Importa introduzir também a chamada de atenção de Vallega (2001) para a existência de conflitos atuais e conflitos potenciais. Para o autor os conflitos podem ser entre: i) dois usos atuais; ii) um uso existente e um uso potencial, envolvendo o mesmo espaço; e iii) dois potenciais usos do mesmo recurso.

ORIGEM, NATUREZA E EFEITOS DO PROBLEMA

ESPAÇO E RECURSOS COSTEIROS AFECTADOS

PESSOAS, GRUPOS SOCIAIS E INSTITUIÇÕES AFECTADAS

PORQUE É QUE O PROBLEMA É UM PROBLEMA?

POLÍTICAS, PROGRAMAS E PLANOS RELACIO_ NADOS COM O PROBLEMA

A resolução do problema centrada no seu impacto, sem conhecimento da origem, dificilmente terá sucesso (figura 5.11). “Understanding the nature and causes of a conflict is a fundamental prerequisite

before any attempt is made to resolve a particular one.” (Marone & Lana, 2003, p.4).

Fig. 5.11 – Esquematização do processo de resolução de conflitos costeiros (Fonte: adaptado de Barragán Muñoz, 2003)

Neste contexto, Barragán Muñoz (2003) enumera várias dificuldades inerentes ao sistema social e organizativo, nomeadamente falta de meios económicos e humanos, falta de articulação entre as diversas entidades com intervenção na gestão costeira, múltipla legislação desintegrada, importância do crescimento económico em detrimento da sustentabilidade ambiental, planeamento territorial insuficiente, baixo nível de conhecimento dos processos e dos ecossistemas costeiros, gestão de resposta em detrimento de uma gestão pró-ativa, pouca preocupação com os problemas costeiros.

Quanto às causas, relacionadas com o desenvolvimento de uma determinada atividade humana sobre o espaço costeiro ou sobre os recursos litorais, segundo Barragán Muñoz (2003) pode tratar- se, entre outras, da excessiva urbanização das zonas costeiras, quer para a expansão de zonas urbanas, quer para o desenvolvimento de atividades de turismo e de lazer; da artificialização progressiva da orla costeira com obras de engenharia costeira, com o intuito de proteger ou recuperar a linha de costa; da construção de determinadas infraestruturas e equipamentos para satisfazer certas necessidades humanas, como por exemplo os portos, que podem constituir barreiras artificiais à dinâmica costeira; bem como da privatização ou apropriação indevida de bens públicos, tais como as praias.

Relativamente aos impactos de uma atividade sobre a mesma atividade, sobre outras atividades ou sobre determinados recursos litorais, o mesmo autor (2003) enumera os seguintes: degradação da qualidade e da quantidade de certos recursos naturais; perda de biodiversidade, diminuição de habitats e segmentação de ecossistemas; aumento dos níveis de risco em termos de salubridade; deterioração de património histórico-cultural costeiro; redução da diversidade de paisagens naturais; alteração de processos e equilíbrios físicos e naturais; dificuldades de acesso aos bens de uso público, como as praias; e aumento dos níveis de erosão e de risco, devido à gestão incorreta da orla costeira ou à subida do nível do mar.

Perante esta exposição, verifica-se que podem ocorrer conflitos de vários tipos, nomeadamente entre utilizadores do mesmo recurso; entre utilizadores e entidades de gestão; entre utilizadores e organizações não-governamentais; entre as próprias entidades de gestão; os quais se encontram na base da problemática de gestão das zonas costeiras.

Para a resolução de um conflito é necessário que as partes estejam motivadas para a negociação, que nenhuma das partes tenha o controlo absoluto da situação e que o motivo do conflito seja negociável, entre outros requisitos. Nesta mesma obra do autor Barragán Muñoz (2003) são listadas várias formas de gerir os conflitos, como, por exemplo, remeter a resolução para uma autoridade superior ou optar pelo litígio. No entanto, a negociação é considerada a mais interessante, com o envolvimento ativo dos atores.

Assim, com a negociação, cujo objetivo é conseguir um acordo ou chegar a um consenso entre as partes envolvidas, pretende-se que todos beneficiem, de uma forma ou de outra, sendo necessário, para tal, a definição rigorosa dos objetivos, a apresentação de várias opções, a discussão das potencialidades e dos problemas dessas opções, e a definição de propostas para se alcançar o consenso.

Não descurando a negociação, de país para país, de região para região, as variáveis a ter em conta para a resolução dos conflitos difere, face aos diferentes contextos sociais. Assim, a resolução dos conflitos deverá ter em conta o enquadramento histórico e cultural, o entendimento das dinâmicas locais e envolver os diversos atores.

O entendimento das interações entre as intervenções humanas, a preservação dos recursos naturais e a dinâmica costeira (figura 5.12) está na base do sucesso da elaboração de novas formas de gerir e resolver os conflitos de forma consensual (Marone & Lana, 2003), bem como da gestão da zona costeira em geral. Para Trujillo, et al., (2003), “The objective is to obtain a relational

understanding of environmental processes and social phenomena that take place in coastal zones to make […] more suitable management decisions and preserve coastal resources for future generations.”

ambiental é, pois, essencial entender as interações e interdependências entre as comunidades costeiras e o seu ambiente (Editorial O&CM, 2004).

Fig. 5.12 – Interação entre processos naturais e humanos

Este estudo não poderá ignorar a perspetiva de agravamento das alterações climáticas (Trujillo, et

al., 2003), pois a intensificação das consequências deste fenómeno, nos últimos tempos, tem

influenciado largamente o processo de alteração ambiental, em geral.

Refira-se que as soluções encontradas deverão ter um caráter dinâmico, uma vez que as situações em causa estão em alteração (Marone & Lana, 2003). Além disso, a educação e a consciencialização da população são também fundamentais como meios de mudança das suas atitudes, aspeto que fomentará a minimização dos conflitos existentes e, particularmente, evitará que novos conflitos surjam (Marone & Lana, 2003), prevenindo paralelamente o surgimento de novas situações de risco costeiro.