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C ONCEITOS DE O RDENAMENTO DO T ERRITÓRIO E G ESTÃO C OSTEIRA

Ordenamento e Gestão do Território Costeiro

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5. ORDENAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO NA PREVENÇÃO DO RISCO COSTEIRO

5.2 C ONCEITOS DE O RDENAMENTO DO T ERRITÓRIO E G ESTÃO C OSTEIRA

“...A noção jurídico-administrativa de ordenamento do território nasceu em França, com a comunicação oficial feita ao Conselho de Ministros, em 1950, pelo Ministro Claudius Petit, intitulada ‘Pour un plan national d’aménagement du territoire’.” (Amaral, 1994, 13).

Para o Ministro Francês, que lançou o conceito e a política, “(...) o ordenamento do território é a

procura, no quadro geográfico da França, de uma melhor repartição dos homens em função dos recursos naturais e das actividades económicas.” (Amaral, 1994 citando Petit, 1950, p.13).

“Para além desta finalidade genérica – a procura de uma melhor repartição geográfica, num dado país, da localização dos homens e das suas actividades -, logo foram atribuídos ao ordenamento do território determinados objectivos específicos, a saber:

a) Estabelecimento de uma repartição geográfica mais racional das actividades económicas;

b) Restabelecimento dos equilíbrios desfeitos entre a capital e a província, entre o litoral e o interior, entre regiões desenvolvidas e regiões subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento;

c) Descentralização geográfica da localização dos serviços públicos e das indústrias; d) Preservação das orlas marítimas, dos solos agrícolas e das zonas florestais;

e) Criação de novas cidades ou de pólos de crescimento industrial e urbano (metrópoles de equilíbrio);

f) Travagem da expansão desmesurada das grandes cidades, e resolução dos problemas de articulação entre estas e os respectivos núcleos suburbanos por elas satelitizados;...” (Amaral,

1994, p.13-14).

Com base no que foi exposto, assim nasceu uma política de ordenamento do território, quer em França, quer mais tarde em quase todos os países mais desenvolvidos.

O ordenamento do território surgiu, então, como um conjunto de métodos e técnicas que procuram garantir que as escolhas feitas conciliem o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, com o respeito pelo ambiente, de uma forma indissociável do conceito de desenvolvimento sustentável, dado que se pretende garantir que a satisfação das necessidades das gerações presentes não comprometa o futuro das gerações vindouras. Portanto, o ordenamento do território é, fundamentalmente, a gestão da interação Homem/ Espaço Natural (Pinho, 2003). “O planeamento

e o ordenamento espaciais são as ferramentas de governação, promovidas pelas entidades competentes, indispensáveis para assegurar uma visão de conjunto assente nos princípios do desenvolvimento sustentável, da precaução e da abordagem ecossistémica, através do levantamento e ordenamento de todas as utilizações existentes e futuras, permitindo dar suporte a uma gestão verdadeiramente integrada, progressiva e adaptativa do oceano e da zona costeira e do desenvolvimento das actividades associadas…” (MDN, 2007, p.13).

Num contexto de rápidas mudanças económicas, sociais e culturais, é facilmente percetível que o espaço tem que ser, cada vez mais, considerado como um recurso escasso, tendo vindo a perceber- se que esta escassez pode representar um problema para a subsistência das atividades humanas. Segundo DGA (2000), o ambiente costeiro sofre continuadamente impactos muito negativos, estimando-se que cerca de 70% das zonas costeiras estejam a ser afetadas, quer devido a vários fatores naturais relacionados com a dinâmica costeira, particularmente acentuada com as intervenções humanas, quer devido à sobre-exploração dos recursos vivos, à destruição de habitats, à poluição dos solos e das águas, entre muitos outros fatores, por vezes consequência destes mesmos.

Importa, assim, introduzir o conceito de gestão integrada das zonas costeiras. Segundo CE (1996), a gestão integrada das zonas costeiras é um processo de administração contínuo, cujo principal objetivo é materializar, na prática, o desenvolvimento sustentável e a conservação das zonas costeiras, bem como a manutenção da sua biodiversidade. Com vista a atingir este fim, a gestão integrada das zonas costeiras procura, através de uma gestão mais eficiente, estabelecer e manter o melhor uso destas zonas a níveis sustentáveis de desenvolvimento e atividade, ao longo do tempo, promovendo as condições físicas do ambiente costeiro de acordo com normas aceites de forma comum (Pinho, 2003).

Também segundo Silva (2002) “…este conceito deverá significar sempre um acto de gestão contínua,

com preocupações ambientais e sociais, apoiada num desenvolvimento sustentável, participado, não só por políticos e técnicos mas igualmente pela comunidade científica, comunidades locais e todos os agentes com interesse nas áreas litorais.” (p.16).

Para Veloso Gomes & Taveira Pinto (1997), “A Gestão Integrada das Zonas Costeiras visa promover

modelos de desenvolvimento que privilegiem a protecção e valorização dos seus recursos socioculturais, dos ecossistemas e recursos naturais, dos ambientes litorais (naturais, urbanos, rurais, florestais, balneares) e da qualidade de vida das populações. É um processo dinâmico em que se desenvolvem e implementam estratégias coordenadas, multisectoriais e de longo termo, apoiadas em adequadas caracterizações fisiográficas e na compreensão dos processos naturais, na inventariação e na monitorização dos ecossistemas e dos recursos, na inventariação e zonamento de usos, em análises de sensibilidades e de riscos, na avaliação dos efeitos cumulativos, em análises da capacidade de cargas dos ecossistemas, em enquadramentos legais e institucionais apropriados, na avaliação dos impactes ambientais, económicos e sociais induzidos pelas intervenções.” (p.2).

No âmbito desta abordagem ao conceito de gestão integrada da zona costeira, tão intimamente relacionado com a utilização sustentável dos recursos naturais, importa introduzir os conceitos de capacidade de carga e de resiliência, como «instrumentos» capazes de avaliar e limitar o uso dos

recursos, servindo de suporte à tomada de decisões que garantam a sua sustentabilidade ambiental.

A capacidade de resiliência consiste na capacidade que os sistemas biofísicos têm de se autorregularem perante os impactos do uso a que estão sujeitos (Ferreira & Laranjeira, 2000). É, portanto, uma resposta ao seu uso sem que haja lugar a degradação ou destruição, garantindo, assim, a sua sustentabilidade ambiental. Nas zonas costeiras “The potential for the occurrence of

coastal hazards makes it necessary to consider the risk, vulnerability and resilience…” (p.324). Neste

contexto, resiliência “…may be seen as the ability of the social-ecological systems to efficiently absorb

the impact of reoccurring events…” (p.324), sendo que “The priority to enhancing resilience should be the removal of things that destroy natural capital and thereby reduce resilience.” (Duxbury & Dickinson,

2007, p.325).

Para Nicholls, et al., (2007), “The capacity of coastal systems to regenerate after disasters, and to

continue to produce resources and services for human livelihoods and well-being, is being tested with increasing frequency. This is highlighting the need to consider the resilience of coastal systems at broader scales and for their adaptive capacity to be actively managed and nurtures.” (p.341).

O termo capacidade de carga, segundo Ferreira & Laranjeira (2000), citando Laranjeira (1997), “…exprime uma intensidade de uso, e estabelece a dimensão de uma população (indivíduos, edifícios)

ou grau de desenvolvimento de uma actividade humana, que um determinado sistema biofísico pode sustentar, sem que experimente uma degradação irreversível…” (p.157). Trata-se de um conceito que

não pode ser usado de forma rígida, uma vez que pode variar no tempo e no espaço, devido à dinâmica dos sistemas, dependendo também das políticas de gestão territorial e da qualidade de uso dos recursos. “O desenvolvimento de numerosos estudos sobre as capacidades de carga […]

confirmou a importância deste conceito para a compreensão dos limites aceitáveis de desenvolvimento…” (Silva, 2002, p.59). É, portanto, um conceito utilizado no contexto da

necessidade de recursos para o desenvolvimento das atividades humanas e, segundo Beatley, et al., (2002), “…carrying capacity objectives may be used to reinforce and complement efforts to reduce

storm hazards.” (p.217).

Tal como analisa Silva (2002), há vários tipos de capacidade de carga, a saber: física, económica, ecológica e social e, decorrente da inter-relação das anteriores, ainda a recreativa. De forma resumida e, segundo o mesmo autor (2002), a capacidade de carga física refere-se ao número máximo de elementos que um determinado sistema suporta; a capacidade de carga económica é um conceito diferente dos outros, tratando-se de um valor mínimo de utilização de um recurso para que seja viável economicamente; a capacidade de carga ecológica “…é definida como o limite

máximo de uso recreativo […] que uma determinada área ou ecossistema pode suportar, sem que ocorra um declínio irreversível dos seus valores ecológicos.” (p.63); a capacidade de carga social

maior ou menor grau de congestionamento que o mesmo apresenta, em termos de utilização.” (p.64); e

a capacidade de carga recreativa diz respeito à interação destes diferentes tipos de capacidades de carga numa determinada área, ou seja, aos limites do recurso, às características ambientais e à fruição por parte do utilizador.

Face à dinâmica natural da orla costeira, à complexidade e dimensão dos ecossistemas e aos diferentes usos e utilizações dos espaços costeiros, não é fácil a aplicação do conceito de capacidade de carga. Segundo Silva (2002), em função do espaço costeiro de que se trate, há alguns tipos de capacidade de carga que poderão adquirir mais importância, não obstante a importância da aplicação de todos os tipos.

O autor (2002) considera que, no mar, a capacidade de carga mais importante é a ecológica, de forma a garantir a qualidade do meio marinho; já na praia é considerada, como mais importante, a capacidade de carga social, até porque, muitas vezes, define limites máximos abaixo das outras; nas áreas adjacentes, a carga ecológica máxima deve ser cuidadosamente definida, dada a sensibilidade destas áreas e a sua desadequada utilização; mais para o interior, ganham destaque as capacidades de carga física e económica.

De acordo com Silva (2002), e por exemplo para o caso das praias, “…será de toda a utilidade e

conveniência complementar o estudo das capacidades de carga física de áreas recreativas com estudos de percepção, que dêem conta das opiniões e expectativas dos seus utilizadores, para que assim se possa chegar à definição de uma capacidade de carga social mais compatível com as necessidades de todas as partes envolvidas, contribuindo de forma mais eficaz para a gestão desses espaços.” (p.65),

garantindo-se não só a sustentabilidade ambiental, mas também o bem-estar social das populações que usam determinados espaços, através de uma participação pública mais efetiva e pró-ativa. É, pois, necessário reconhecer as interdependências entre os sistemas económico, social e ambiental e determinar os limites do seu uso, proteger o património natural e cultural que nos resta, dar resposta aos problemas ambientais costeiros e desenvolver soluções com perspetivas de longo prazo que evitem situações de risco. Através do estudo destas mudanças socioambientais torna-se mais fácil encontrar formas de gerir uma determinada área, adaptando as decisões políticas, as práticas sociais e a legislação às diferentes situações de gestão, tendo sempre em conta a perspetiva do agravamento das alterações climáticas (Trujillo, et al., 2003).

Ainda segundo Veloso Gomes & Taveira Pinto (1997), a gestão da zona costeira “...terá de

envolver aspectos de natureza económica, sociocultural, técnica e política. Terá de ter em consideração a conflitualidade potencial de usos e de interesses de diversa natureza, típicos de um sistema heterogéneo, aberto, dinâmico, fortemente polarizador.” (p.2).

No âmbito da ENGIZC, encontra-se definido que “A Gestão Integrada da Zona Costeira procura

que facilite a ponderação de interesses e a coordenação das intervenções de todos os que são responsáveis e estão envolvidos na utilização, ordenamento, planeamento, gestão e desenvolvimento destas áreas” (p.6059)9.

Mas um dos maiores desafios do ordenamento das zonas costeiras é adaptar à prática os princípios teóricos de uma gestão integrada e entender as influências sofridas nas áreas locais. Wescott (2004) refere, também, que é necessário integrar os objetivos locais com o desenvolvimento sustentável a nível global. Sugere, ainda, a aplicação de um modelo de planeamento participado que se baseie na integração das diversas disciplinas que se debruçam sobre as zonas costeiras setorialmente, nomeadamente “… science, social science, economics and

politics and the uses made of coastal resources.” (p.96).

Segundo Barragán Muñoz (2003), os principais aspetos estratégicos da gestão integrada das zonas costeiras são: a existência de uma política de gestão para as zonas costeiras; a coordenação e a cooperação entre as instituições com intervenção nas zonas costeiras; a informação e o conhecimento; e a participação e consciencialização da população.

Quando o autor se refere a uma política de gestão para as zonas costeiras, destaca a importância da vontade política, bem como do consenso político para se conseguir levar a cabo, com sucesso, as iniciativas de planeamento e gestão, para além da necessidade de se definirem os objetivos, de se identificarem as prioridades, as metas, as estratégias e os instrumentos necessários, e de se atribuírem os meios necessários, que permitam o desenvolvimento de uma política costeira específica e explícita. “As decisões de intervenção na faixa costeira em geral, e nas praias em

particular, devem ser antes de mais decisões de carácter político, apoiadas em critérios de ordenamento do território e na ponderação rigorosa das relações de benefício/ custo (impacto) que lhes são inerentes.” (Andrade, 1998, p.44).

Várias sugestões surgem como estratégias de atuação neste âmbito geográfico. Segundo Veloso Gomes (2003), consideram-se três prioridades fundamentais: uma nova gestão do uso do solo, a redução da ação antrópica nestas áreas, e a manutenção da linha de costa. Barragán Muñoz (2003) sugere sete tipos de estratégias que podem concretizar estas prioridades, a saber: proteção, restrição ou exclusão, bens dominiais, aquisição de terrenos, gestão urbanística, retirada controlada e recuperação.

A estratégia de proteção baseia-se na classificação de zonas costeiras como áreas de interesse para a proteção/ conservação da natureza, salvaguardando assim o território da artificialização comum.

A restrição ou exclusão refere-se a zonas costeiras que se encontram em estado crítico devido a erosão ou a risco, onde são proibidos determinados usos, nomeadamente urbanizações e

infraestruturas. São medidas de baixo custo quando comparadas com a de perdas de vidas humanas, de bens e de recursos naturais.

A delimitação das áreas de domínio público marítimo-terrestre é também uma forma de preservar as orlas costeiras, permitindo a utilização pública dos recursos costeiros e o acesso livre e direto à praia. Também se trata de medidas de baixo custo.

A aquisição de terrenos costeiros é outra estratégia de atuação, mas desta vez mais dispendiosa, cujo principal objetivo é retirar esses terrenos do mercado imobiliário e preservá-los.

A gestão urbanística é uma estratégia que assenta na regulamentação dos usos do solo e que tem maior impacto em áreas urbanizadas, nos polos industriais e nos acessos. Barragán Muñoz (2003) considera que a aplicação dos seguintes princípios poderá ser muito difícil, mas que efetivaria o sucesso desta estratégia:

 favorecer a concentração das urbanizações, em detrimento da dispersão urbana;

 favorecer o crescimento urbano para o interior, em detrimento de um crescimento paralelo à linha de costa;

 recuar a frente urbana marítima, em detrimento do seu avanço;

 alterar e diversificar usos e atividades, em detrimento de colmatar a frente urbana marítima com urbanizações;

 ampliar núcleos urbanos existentes, em detrimento da criação de novos núcleos;  reduzir a densidade e a cércea da frente urbana marítima;

 evitar a colmatação da zona costeira por urbanizações;

 favorecer um desenho perpendicular à linha de costa para os acessos; e  retirada controlada.

A retirada controlada surgiu mais recentemente devido, principalmente, a situações de risco associadas ao recuo da linha de costa e consiste na relocalização de usos e atividades mais vulneráveis ao avanço do mar, para zonas mais afastadas do mar. Esta estratégia tem ainda mais duas vantagens: diminui a necessidade de implementar estruturas de defesa costeira e possibilita a recuperação de ecossistemas costeiros degradados. Esta ideia é, ainda, reforçada por Andrade (1998), ao considerar que “…as dunas costeiras – que constituem a primeira linha de defesa da praia

contra a erosão – devem ser preservadas e incluídas como áreas de extrema sensibilidade em qualquer esquema de conservação do litoral.” (p.40-41).

Considera-se, assim, que a gestão integrada das zonas costeiras deve ser um processo dinâmico, que implica o desenvolvimento e a implementação de estratégias coordenadas para gerir recursos ambientais, socioculturais e institucionais, dando resposta aos problemas e aspirações locais e aos desafios globais, com o fim de se alcançar a conservação e o uso múltiplo sustentável da zona costeira, assegurando o envolvimento e a responsabilização dos seus utilizadores.

5.3ENQUADRAMENTO POLÍTICO E NORMATIVO DO ORDENAMENTO E DA GESTÃO DA ZONA COSTEIRA