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3 APORTE TEÓRICO E REVISÃO DE LITERATURA

3.1 APORTE TEÓRICO

3.1.4 Recursividade

3.1.4.2 Abordagem histórica

(STRUIK, 1989, p. 35-36, destaques do autor).

Tomando como referência Struik (1989), entendemos padrão como a relação entre os termos de uma sequência, que pode ser apresentada de diferentes formas, inclusive geometricamente.

Esses padrões podem ser observados atualmente no contexto da educação algébrica, “no qual a ideia central é a de que a atividade algébrica se caracteriza pela expressão da generalidade”

(LINS; GIMÉNEZ; 1997, p. 110, destaques dos autores). A figura a seguir (Figura 3) ilustra um padrão geométrico onde há relação entre o número de ladrilhos brancos e pretos. Essa relação é generalizada e expressa “linguagem algébrica”.

Figura 3 – Problemas dos ladrilhos pretos e brancos

Fonte: Lins e Giménez (1997, p. 110).

Este trabalho se realiza no contexto da educação algébrica, descrito no parágrafo antecedente, por tratar de práticas educativas que envolvem a investigação, identificação de padrões e descrição algébrica de relações generalizadas. No entanto, esclarecemos que no contexto da educação algébrica,

[...] a preocupação maior não é com uma delimitação precisa do que é tratado em cada atividade proposta, e, sim, com o envolvimento dos alunos, ativamente, na organização de dados e no estabelecimento de relações, e na procura, quando necessário, de maiores recursos técnicos (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 111).

Lins e Giménez (1997, p. 36) observam que a cultura ocidental “[...] tem esquecido que as descobertas matemáticas não são somente dedutivas, mas, fundamentalmente, práticas e indutivas”. Pensamos que essa conduta ideológica “afasta” a matemática do “mundo real” e, por isso, é necessário estudar a produção de conhecimento na história da matemática.

Nas matemáticas orientais, o interesse pela Aritmética e Álgebra surgiu “[...] com objetivo de facilitar o cálculo do calendário, a administração das colheitas, a organização das obras públicas e a cobrança de impostos [...]” (STRUIK, 1989, p. 47).

Na Matemática egípcia, cujo sistema numérico decimal “[...] já estava desenvolvido por volta do ano 3000 a.C., ou seja, antes da unificação do Egito sob o regime dos faraós. [...]” (ROQUE, 2012, p. 61), a ideia de se recorrer a um ou mais dados da mesma sequência para determinar os demais dados pode ser observada no problema 79 apresentado no Papiro de Rhind, “[...] com 7 casas, em cada uma das quais há 7 gatos, cada gato vigia 7 ratinhos, etc., [...]” (STRUIK, 1989, p. 54, ipsis litteris). Sobre o problema 79, Boyer (1974, p. 12) afirma:

É presumível que o escriba estava tratando de um problema, talvez bem conhecido, em que em cada uma das sete casas havia sete gatos, cada um deles come sete ratos, cada um dos quais havia comido sete espigas, cada uma delas teria produzido sete medidas de grão.

Aplicando a ideia de recursividade, (cf. Tabela 2) temos os seguintes dados:

Tabela 2 – Resolução do problema dos 7 gatos

Termo Descrição Quantidade Termo da sequência

𝑎1 Total de casas 7 𝑎1= 7

𝑎2 Total de gatos

(7 em cada casa) 7 ⋅ 7 = 72 𝑎2= 𝑎1⋅ 7 = 7 ⋅ 7 = 72

𝑎3 Total de ratos

(cada gato come 7 ratos) 7 ⋅ 7 ⋅ 7 = 73 𝑎3= 𝑎2⋅ 7 = 72⋅ 7 = 73 𝑎4 Total de espigas comidas

(cada rato come 7 espigas) 7 ⋅ 7 ⋅ 7 ⋅ 7 = 74 𝑎4= 𝑎3⋅ 7 = 73⋅ 7 = 74 𝑎5 Total medidas de grãos comidos

(cada espiga produz 7 medidas) 7 ⋅ 7 ⋅ 7 ⋅ 7 ⋅ 7 = 75 𝑎5= 𝑎4⋅ 7 = 74⋅ 7 = 75 Fonte: Desenvolvido pelos autores (2021).

Logo, temos a sequência finita (7, 7², 7³, 74, 75), que é uma progressão geométrica com 𝑎1 = 7, 𝑞 = 7 e 𝑎𝑛 = 𝑎17(𝑛 − 1). Sendo a soma de todos os termos igual a 7 + 72 + 73+ 74+ 75. É possível que esse problema tenha “ganhado” novas versões até chegar ao verso infantil:

Quando ia a Sto. Ives,

encontrei um homem com sete mulheres;

cada mulher tinha sete sacos, cada saco tinha sete gatos, cada gato tinha sete gatinhos Gatinhos, gatos, sacos e mulheres, quantos iam a Sto. Ives?

(BOYER, 1974, p. 12).

Os babilônios procuravam problemas matemáticos por meios de equações que requeriam considerável habilidade numérica (STRUIK, 1989). Quando nos referimos à matemática babilônica, referimo-nos às antigas civilizações da Mesopotâmia, povos – sumérios, caldeus, acadianos semíticos, amoritas, cassitas, elamitas, hititas, assírios, medos e outros – que se estabeleceram entre os rios Tigre e Eufrates durante o período de 2000 a 600 a.C.

Boyer (1974) explica que “[...] A cidade de Babilônia não foi a princípio, nem foi sempre em períodos posteriores, o centro da cultura associada com os dois rios, mas a convenção sancionou o uso informal de ‘babilônica’ para a região [...]” (BOYER, 1974, p. 18). Mesmo após a dominação por Ciro da Pérsia, por volta de 600 a.C., “[...] a matemática 'babilônica', no entanto, continuou [...] até o surgimento do cristianismo. [...]” (BOYER, 1974, p. 18). Mesmo após diferentes domínios políticos, houve unidade cultural na região, que foi documentada através da escrita cuneiforme em tabuletas de barro, cunhadas com estilete e cozidas ao sol ou em fornos.

Textos cuneiformes produzidos pelos babilônios expostos no Museu Britânico apresentam problemas de juros compostos que buscam determinar em quanto tempo dobrará uma soma de dinheiro sujeita a 20% de juros.

Este problema revela leva à equação (11

5)𝑥= 2, que é resolvida, primeiro, observando que 3 < 𝑥 < 4 e, depois, por uma interpolação linear (na nossa maneira de escrever): 4 − 𝑥 =(1,2)(1,2)4 4−2

−(1,2)3, conduzindo a 𝑥 = 4 anos menos (2,33,20) meses.

(STRUIK, 1989, p. 62).

Sobre o problema em questão, Boyer (1974) afirma:

Apesar das grandes lacunas em suas tabelas exponenciais, os matemáticos babilônios não hesitavam em interpolar por partes proporcionais para obter valores intermediários aproximados. A interpolação linear parece ter sido comumente usada na Mesopotâmia antiga, e notação posicional é conveniente para a regra de três. Vê-se um exemplo claro do uso prático da interpolação em tabelas exponenciais num problema que pergunta quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a 20 por cento ao ano, a resposta dada era 3;47,13,20. Parece inteiramente claro que o escriba usou interpolação linear entre os valores para (1;12)3 e (1;12)4 , usando a fórmula para juros compostos 𝑎 = 𝑃(1 + 𝑟)𝑛, onde 𝑟 é 20 por cento ou 12/60, e tirando valores de uma tabela exponencial com potências de 1;12 (BOYER, 1974, p.

22).

Aplicando o processo de interpolação linear, como proposto em Struik (1989), temos que:

(1,2)4− 2

(1,2)4 − (1,2)3 = 4 − 𝑥

4 − 3 ⇔ 2,0736 − 2

2,0736 − 1,728=4 − 𝑥

1 ⇔0,0736

0,3456 = 4 − 𝑥

⇔ 0,212963 = 4 − 𝑥 ⇔ 𝑥 = 3,787037 𝑎𝑛𝑜𝑠

Ou seja, levará 3,787037 anos para dobrar uma soma de dinheiro sujeita a 20% de juros. O Quadro 1 relaciona o tempo obtido em anos na forma decimal (3,787037 anos), e o tempo obtido na forma de fração sexagesimal (3;47,13,20), apresentado em Boyer (1974).

Quadro 1 – Correspondência entre 3,787037 anos e 3; 47, 13, 20 anos

Representações Caracteres

modernos

Base

sexagesimal Fracionária Decimal

3 3⋅ (60)0 3

(60)0 3

47 47⋅ (60)−1 47

(60)1 0,783333

13 13⋅ (60)−2 13

(60)2 = 13

3600 0,003611

10 10⋅ (60)−3 10

(60)3 = 10

216000 0,000046

3; 47, 13, 10

3⋅ (60)0+47⋅ (60)−1 +13⋅ (60)−2+10

⋅ (60)−3

3

(60)0+ 47

(60)1+ 13

(60)2+ 10 (60)3

3 + 0,783333 + 0,003611 + 0,000046 = 3,786990

Fonte: Desenvolvido pelos autores (2021).

Entendemos que a conversão numérica entre fração sexagesimal (representada na forma de caracteres modernos) e decimal, implica em resposta distintas para o tempo (3,787037 anos e 3,786990 anos). No entanto, essa distinção corresponde a uma variação pouco significativa (da ordem do milésimo), que nos permite concluir que Struik (1989) e Boyer (1974) produziram significado na mesma direção.

Os babilônios recorreram à interpolação linear para resolver o problema dos juros. No entanto, podemos utilizar outras técnicas matemáticas para a resolução, como a recursividade. Supondo que: (i) a quantia emprestada seja 100 unidades monetárias da época, o período de tempo

medido conforme um intervalo usado pelos babilônios em suas transações financeiras, e taxa de juros 20% por período, de acordo com a Tabela 3, temos que:

Tabela 3 – Resolução do problema dos juros

Tempo Montante

𝑡0= 0 𝑀0= 100

𝑡1= 1 𝑀1= 100 + 100 ⋅ 0,02

𝑀1= 100 ⋅ (1 + 0,02)

𝑡2= 2

𝑀2= 𝑀1+ 𝑀1⋅ 0,02 𝑀2= 𝑀1⋅ (1 + 0,02) 𝑀2= 100 ⋅ (1 + 0,02) ⋅ (1 + 0,02)

𝑀2= 100 ∙ (1 + 0,02)2

𝑡3= 3

𝑀3= 𝑀2+ 𝑀2⋅ 0,02 𝑀3= 𝑀2⋅ (1 + 0,02) 𝑀3= 100 ∙ (1 + 0,02)2⋅ (1 + 0,02)

𝑀3= 100 ∙ (1 + 0,02)3

⋯ ⋯

𝑡𝑛= 𝑛 𝑀𝑛= 100 ∙ (1 + 0,02)𝑛

Fonte: Desenvolvido pelos autores (2021).

Logo, a quantia inicial dobrará de valor no tempo dado pela seguinte equação:

200 = 100 ⋅ (1 + 0,2)𝑛 ⇔ 2 = (1 + 0,2)𝑛 ⇔ 𝑙𝑜𝑔 2 =𝑙𝑜𝑔 [(1 + 0,2)𝑛] ⇔

⟺𝑙𝑜𝑔 2 = 𝑛 ∙𝑙𝑜𝑔 [1,2] ⟺ 0,301029 = 𝑛 ⋅ 0,079181

⟺ 𝑛 =0,301030

0,079181 ∴ 𝑛 ≅ 3,801796 𝑎𝑛𝑜𝑠

Embora os resultados obtidos para o tempo sejam diferentes, 3,801796 anos utilizando a ideia da recursividade com a técnica de logaritmo, e 3,787037 anos utilizando a interpolação linear, tendo em vista a variação entre os resultados, 0,014759 (menos de dois centésimos, que implica em ser mais de 5 e menos de 6 dias), entendemos que os dois métodos são pertinentes, principalmente se levarmos em conta a pequena diferença temporal de 5 dias, em relação a quase 4 anos. À época tais procedimentos atendiam satisfatoriamente suas demandas.

A matemática grega, inicialmente, tinha como objetivo de seus estudos compreender o lugar do homem no universo, tendo em vista um esquema racional que considera questões como:

“Como?” e “Por quê?”. Com a expansão comercial e o contato com os povos orientais, os

gregos incluíram aos seus estudos questões de ordem “prática” como: “Por que é que a área de um triângulo era igual a metade da área de um retângulo com a mesma base e a mesma altura?”

(STRUIK, 1989, p. 73-74). No entanto, o interesse pela investigação filosófica do mundo natural e moral, além de um cenário favorável de expansão econômica e militar, facultou aos gregos o desenvolvimento de “[...] uma matemática mais no espírito da compreensão que da utilidade” (STRUIK, 1989, p. 75).

Na matemática grega os números, que hoje categorizamos como inteiros “[...] eram divididos em classes: ímpares, pares, pares vezes pares, ímpares vezes ímpares, primos e compostos, perfeitos, amigos, triangulares, quadrados, pentagonais, etc.” (STRUIK, 1989, p. 78, ipsis litteris).

De acordo com Roque (2012), os números figurados, objeto de estudo da escola pitagórica, não eram entes abstratos, tal como conhecemos hoje, dado o carácter espacial e concreto atribuídos a eles. Os números figurados dos pitagóricos “[...] remetiam a elementos discretos: pedrinhas organizadas segundo uma determinada configuração” (ROQUE, 2012, p. 87). Um exemplo de número figurado é dado pelos números triangulares (Figura 4), que correspondem a figuras triangulares formadas por conjuntos de pontos, como podemos observar na figura a seguir.

Figura 4 – Sequência de números triangulares

Fonte: Roque (2012, p. 88).

Uma explicação para os números triangulares representados na figura antecedente (Figura 4) é a seguinte:

[...] podem ser associados aos nossos números 1, 3, 6, 10, 15 e 21, que possuem, respectivamente, ordem n = 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Em linguagem atual, o número triangular de ordem n é dado pela soma da progressão aritmética 1 + 2 + 3+. . . +𝑛 =𝑛 .(𝑛 −1)

2

(ROQUE, 2012, p. 88).

Outro exemplo de número figurado se refere aos números quadrados, formados por conjuntos de pontos distribuídos de tal maneira que o número de pontos da “base” seja igual ao número de pontos da “altura”, como podemos observar na figura a seguir (Figura 5).

Figura 5 – Sequência de números quadrados

Fonte: Roque (2012, p. 88).

Os números quadrados representados na figura antecedente “[...] podem ser associadas aos nossos números quadrados 1, 4, 9, 16 = 12, 22, 32, 4²” (ROQUE, 2012, p. 88, destaques do autor).

Mais um exemplo de números figurados se refere aos números pentagonais, representados na figura a seguir (Figura 6).

Figura 6 – Sequência de números pentagonais

Fonte: Roque (2012, p. 88).

Quanto aos números figurados pentagonais, Roque (2012, p. 88) explica que: “[...] os arranjos corresponderiam, respectivamente, aos nossos números 1, 5, 12 e 22. É possível enxergar em tais exemplos a primeira ocorrência do estudo das sequências numéricas” (ROQUE, 2012, p.

88).

Na aritmética pitagórica, a representação sistematizada de uma forma geométrica (triângulo ou quadrado ou pentágono ou hexágono etc.) dava origem às sequências de números figurados planos (triangulares, quadrados, pentagonais, hexagonais etc.). Entendemos que, para cada agrupamento ou elemento de uma sequência, produzimos um significado aritmético que envolve a constituição do objeto número. No entanto, não podemos afirmar que o significado

aritmético produzido pelos pitagóricos se relacionava ao objeto número, até porque número para os pitagóricos constituíam vários objetos, que perpassavam pela relação com música, com harmonia, com espiritualidade, com essência dos seres etc. Nesse sentido, Roque (2012, p. 88) afirma: “[...] a concepção de sequências dos matemáticos pitagóricos partia da observação visual, sendo um tipo particular de aritmética figurada, distinta da praticada hoje [...]”.

Os números figurados, são, essencialmente, pictóricos e geométricos, e, diferente de um texto escrito (com palavras), apresentam dados e informações (números de pontos em cada termo da sequência, forma geométrica da sequência etc.) visuais. A apresentação visual dos números figurados: (i) facilita a leitura do problema (se comparada a um texto escrito, por exemplo); (ii) oportuniza aos leitores que têm dificuldade com dados e informações textuais a compreensão do problema; (iii) possibilita que diferentes estratégias sejam utilizadas para identificar a relação entre termos consecutivos da sequência, ou seja, que a recursividade seja aplicada; (iv) facilita a identificação da lógica das operações e a descrição do termo geral da sequência – como proposto em Lins e Giménez (1997) – a partir do trânsito entre os MPS geométrico, aritmético e algébrico, tal como identificado em Dutra (2020).

Boyer (1974) explica que números figurados planos de ordens superiores podem ser formados a partir da relação entre os números figurados já mencionados, e que: “[...] o processo naturalmente se estende ao espaço tridimensional, em que se lida com números poliedrais [...]”

(BOYER, 1974, p. 40).

A expansão da civilização grega pelas regiões do mundo oriental corresponde ao período do Helenismo, que terminou com a ascensão do Império Romano. No entanto, enquanto o Império Romano se manteve estável, a ciência helenística continuou a chegar ao Oriente, assim como a ciência oriental à Itália. O intercâmbio comercial e o uso comum da língua grega favoreceram a disseminação dos conhecimentos e influência entre as ciências (STRUIK, 1989).

A hegemonia do Império Romano foi desaparecendo com a conquista árabe da Ásia e de regiões do Império Romano Ocidental, as invasões bárbaras e mudanças provocadas pelas ideias do cristianismo. De acordo com Struik (1989, p. 115),

A Mesopotâmia tornou-se independente dos Romanos e dos Gregos no século II d. C.

[...] A região do Indo teve, durante alguns séculos, várias dinastias gregas, que desapareceram por volta do século I d. C. [...]”.

[...] A autoridade central no mundo greco-romano, depois da queda do Império Romano do Ocidente, em 476, foi partilhada pelo imperador de Constantinopla e pelos papas de Roma. (STRUIK, 1989, p. 134).

Aos poucos, a aristocracia terratenente é estabelecida na Europa Ocidental, que se torna feudal e eclesiástica. Sobre a matemática desse período, Struik (1989, p 135) afirma que: “Durante os primeiros séculos do feudalismo ocidental encontramos pouco interesse pelas matemáticas, mesmo nos mosteiros [...] os fatores estimulantes da matemática, mesmo de caráter mais prático, não existiam [...]”.

Com o declínio do comércio, as ligações intelectuais entre o mundo árabe e as regiões do norte do antigo Império Romano Ocidental foram dificultadas. No entanto, a tradição grega foi cultivada por escolas árabes que traduziram os textos gregos e produziram novos resultados matemáticos.

Após séculos, o feudalismo ocidental terminou, quando os habitantes das cidades medievais – que outrora foram centros econômicos e culturais –, apoiadas pelos príncipes feudais, organizam-se em burgos e lutam contra os senhores feudais para restabelecer e expandir o comércio. As cidades ganharam essa luta, assim como os príncipes. Nesse contexto, emergiram os Estados Nacionais na Europa Ocidental – que estenderam seus domínios às cidades –, as relações mercantis entre as cidades europeias ocidentais e o Oriente foram restabelecidas, e houve expansão comercial e monetária. A respeito desse período, Struik (1989, p. 137) descreve que:

As primeiras a estabelecer relações mercantis foram as cidades italianas; seguiram-se as cidades da França e da Europa central. [...] A Espanha e a Sicília eram os pontos de contato mais próximos entre o Oriente e Ocidente e, através deles, os mercadores ocidentais e os estudantes conheceram a civilização islâmica. Quando em 1085, Toledo foi tomada aos Mouros pelos cristãos, os estudiosos ocidentais afluíram a esta cidade para aprender a ciência tal como era transmitida em árabe. [...] Desse modo, a Europa familiarizou-se com os clássicos gregos através da língua árabe; e, por esta altura, a Europa Ocidental estava suficientemente desenvolvida para apreciar este saber.

Durante os séculos XII e XIII, cidades italianas como Gênova, Pisa, Veneza, Milão e Florença se destacaram pela próspera atividade comercial com o mundo árabe. Nesse contexto, mercadores italianos visitavam e estudavam as civilizações orientais, dentre eles, Leonardo de Pisa (1175-1250), também chamado de Fibonacci. Ele estudou operações elementares, assim como números naturais, decomposição de números em fatores primos, frações e equações (STRUIK, 1989).

Leonardo de Pisa, durante suas viagens pelo Oriente e Norte da África, recolheu informações aritméticas e geométricas que escreveu no Liber Abaci (1202). No entanto, ele pode ser considerado um investigador original, uma vez que seus livros tratam de exemplos não existentes nas obras árabes. Um desses problemas é o seguinte:

Quantos casais de coelhos podem ser produzidos a partir de um único casal durante um ano se a) cada casal originar um novo casal em cada mês, o qual se torna fértil a partir do segundo mês; e b) não ocorrerem mortes? (STRUIK, 1989, p. 139).

Esse problema é tratado em Chaves (2016), que o apresentou no Ciclo de Palestras Matemática, realizado pelo Departamento de Matemática da Universidade Federal de Santa Maria em 2016, como podemos observar nas figuras a seguir (Figuras 7 e 8).

Figura 7 – Hipóteses do problema de Fibonacci

Fonte: Chaves (2016).

Figura 8 – Solução do problema de Fibonacci

Fonte: Chaves (2016).

O problema dos “casais de coelhos” conduz à sequência de Fibonacci, “[...] – 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, ... – na qual cada termo é a soma dos dois termos precedentes [...]” (STRUIK, 1989, p.

139).

Durante os séculos XV e XVI, o desenvolvimento da matemática – marcado pelo crescimento das cidades mercantis e pelas ideias do Renascimento – foi influenciado pelos interesses do comércio, da navegação, da Astronomia e da agrimensura. Em 1453, com o fim do Império Bizantino, muitos sábios gregos retornaram às cidades ocidentais, aumentando o interesse pelos textos gregos originais. Ainda no século XV, com a invenção da impressa, livros para o ensino da matemática foram publicados. Sobre essa época, Struik (1989) observa que “[...] o uso de numerais indo-árabes estava bem estabelecido e a notação aritmética não diferia muito da nossa” (STRUIK, 1989, p. 145).

A matemática do século XVII foi influenciada pelo desejo de invenção e aperfeiçoamento das máquinas – arma de fogo, máquinas de içar, bombas hidráulicas, relógio, e assim por diante – e sua produção conduziu, posteriormente, ao Cálculo Infinitesimal tal como conhecemos.

Segundo Struik (1989, p. 172), “[...] a atividade dos matemáticos deste período estendeu-se a muitos campos, novos e velhos”. Uma explicação para isso se encontra em,

Um método geral de diferenciação e integração, derivado da compreensão de que um processo é inverso do outro, somente pôde ser descoberto por homens que dominaram o método geométrico dos Gregos e de Cavalieri, assim como os métodos algébricos de Descartes e Wallis (STRUIK, 1989, p. 177).

O século XVII exprimia o novo espírito de investigação e o florescimento de uma ciência criativa; isso pode ser visto no fato de que “Wallis era apenas um de uma série de homens brilhantes desse período que enriqueceram a matemática com descobertas atrás de descobertas”

(STRUIK, 1989, p. 170-171).

As produções matemáticas do século XVIII se concentraram no Cálculo e em suas aplicações à Mecânica. Neste período, segundo Struik (1989), foi introduzida a teoria das equações diferenciais, houve avanço na teoria das probabilidades, e o conceito de função foi refinado.

Sobre a produção matemática do século XIX, destacamos que:

A Revolução Francesa e o período napoleônico criaram condições muito favoráveis para o desenvolvimento continuado das matemáticas. O caminho estava aberto para a revolução industrial no continente europeu. [...] A nova pesquisa matemática emancipou-se gradualmente da antiga tendência de ver na mecânica e na astronomia

a meta final das ciências exactas. [...] Os matemáticos começaram a trabalhar em campos especializados [...] (STRUIK, 1989, p. 225-227).

Carl Friedrich Gauss (1777-1855) contribuiu significativamente com o desenvolvimento das matemáticas do século XIX, inclusive com produções relacionadas à álgebra e à recursividade.

Uma dessas produções se refere à determinação da soma dos termos de uma sequência numérica finita de primeira ordem. Segundo Eves (1997),

Há uma história segundo a qual o professor de Carl na escola pública, quando ele tinha dez anos de idade, teria passado à classe, para mantê-la ocupada, a tarefa de somar os números de 1 a 100. Quase que imediatamente Carl colocou sua lousa sobre a escrivaninha do irritado professor. Quando as lousas foram finalmente viradas, o professor surpreso verificou que Carl tinha sido o único a acertar a resposta correta, 5050, mas sem fazê-la acompanhar de nenhum cálculo. Carl havia mentalmente calculado a soma da progressão aritmética 1 + 2 + 3+. . . +98 + 99 + 100 observando que 100 + 1 = 101, 99 + 2 = 101, 98 + 3 = 101 e assim por diante com os cinquenta pares de possíveis dessa maneira, sendo a soma portanto 50 × 101 = 5050 (EVES, 1997, p. 519).

Sobra a ideia de Gauss mencionada no parágrafo antecedente, Dante (2011) afirma:

O procedimento usado por Gauss no caso da PA (1, 2, 3, 4, …, 99, 100) vale de modo geral.

Considerando uma PA de finita de razão r (𝑎1, 𝑎2, 𝑎3 , … , 𝑎𝑛 − 2, 𝑎𝑛 − 1, 𝑎𝑛) cuja soma dos seus n termos pode ser escrita por:

𝑆𝑛 = 𝑎 1 + 𝑎 2 + 𝑎 3 + ⋅⋅⋅ + 𝑎 𝑛 − 2 + 𝑎 𝑛 − 1 + 𝑎 𝑛 = ∑ 𝑎1

𝑛

𝑖 = 1

Portanto, 𝑆𝑛 = (𝑎 1 + 𝑎 𝑛) + (𝑎 1 + 𝑎 𝑛 ) + ⋅⋅⋅ + (𝑎 1 + 𝑎 𝑛 ).

𝑆𝑛 = 𝑛

2 𝑝𝑎𝑟𝑐𝑒𝑙𝑎𝑠 𝑖𝑔𝑢𝑎𝑖𝑠 𝑎 (𝑎 1 + 𝑎 𝑛) Então:

𝑆𝑛 =(𝑎1+ 𝑎𝑛) ⋅ 𝑛

2 (fórmula que nos permite calcular a soma dos n primeiros termos de uma PA) [...] (DANTE, 2011, p. 178, destaques do autor).

Como podemos observar em Dante (2011), o conhecimento produzido por Gauss ao realizar tarefa de somar os números de 1 a 100 – conhecido por nós, no Gepemem, como soma gaussiana – pode ser empregado em diferentes contextos envolvendo o ensino da aritmética e álgebra, como, por exemplo, na soma dos termos de uma PA finita e na contagem dos números figurados triangulares.

Ainda no século XIX, foram produzidos os trabalhos matemáticos elaborados por Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918), que desenvolveu a Teoria dos Números Transfinitos, dando início ao desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos Numéricos (STRUIK,

1989). Cantor produziu conhecimentos revolucionários e foi perseguido por outros matemáticos e instituições sociais, “[...] Acessos de depressão às vezes o levaram a duvidar de sua própria obra [...] A tragédia de sua vida pessoal é mitigada pelo hino de elogios de um dos maiores matemáticos do século XX, David Hilbert [...]” (BOYER, 1974, p. 417). A respeito da trajetória de Cantor, Chaves (2004, p. 31) afirma que:

Cantor, cujos trabalhos levaram à construção da teoria dos números transfinitos, teve seu grande talento reconhecido pelos estudos matemáticos antes mesmo dos 15 anos de idade. Na época em que lançou sua teoria, foi duramente criticado e faleceu em uma clínica de loucos.

O matemático em questão elaborou o conjunto de Cantor, embasamento teórico à Geometria Fractal (GF). Sobre o trabalho de Cantor, Chaves (2000, p. 15) afirma:

Seu trabalho estabeleceu um novo campo da Matemática que serviu de base ao desenvolvimento de vários ramos da Matemática, inclusive a recente Geometria dos Fractais (1974), descoberta/construída por Benoit B. Mandelbrot e que vem sendo utilizada [...].

Tal geometria nos possibilita estudar a álgebra como proposto por Lins e Giménez (1997), associada à aritmética e à geometria, e colocar em ação a recursividade.

No início do século XX, os matemáticos Waclaw Sierpinski (1882-1969) e Niels von Koch (1870-1924) estudaram e descreveram algumas estruturas geométricas não-euclidianas que, na segunda metade do século XX, são identificadas e classificadas pelo matemático Benoit B.

Mandelbrot (1924-2010) como fractais. Mandelbrot propôs as definições para a GF que são atualmente aceitas (BARBOSA; 2002 apud SCANDIAN; 2016).