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3 APORTE TEÓRICO E REVISÃO DE LITERATURA

3.1 APORTE TEÓRICO

3.1.3 Práticas educativas investigativas (PEI)

Nesta pesquisa, buscamos desenvolver as práticas educativas seguindo os pressupostos teóricos da PEI, propostos em Chaves (2004, 2005), embora nem todas as práticas educativas desenvolvidas no curso de extensão e apresentadas no produto educacional correspondam à PEI.

As PEI seguem uma concepção libertária7 e se fundamentam em ideias de pensadores como Max Stirner, Friedrich Wilhelm Nietzsche, Michail Bakunin, Piotr Alexeyevich Kropotkin, Michel Foucault, Maurício Tragtenberg e Luce Fabbri.

Para compreendermos as PEI precisamos tratar de algumas ideias que permeiam a educação escolar e o ensino da matemática. Algumas delas são: verdade, regimes de verdade, discurso, saber, conhecimento, poder, disciplina, dispositivo de controle, práticas panópticas, instituição de sequestro, paradigma do exercício, instinto de rebanho, e estratégica e tática escolar (CHAVES, 2004).

A verdade corresponde aos enunciados aceitos por grupos de pessoas com poder – influência política, econômica e social. Algumas verdades disseminadas pela burguesia são “a Matemática

7 Entendemos a concepção libertária, no contexto da Educação escolar e da Educação Matemática, como práticas pedagógicas que “dão voz” ao discurso do aluno, favorecem a formação do espírito crítico e da personalidade do aluno, e que se opõem à reprodução do aparelho ideológico do Estado (seja ele capitalista, socialista ou globalizado) (CHAVES, 2004).

é a matéria mais importante da vida do aluno; quem sabe Matemática é mais inteligente; o professor de Matemática deve ser omisso às questões políticas e sociais [...]” (CHAVES, 2004, p. 15). Esse mesmo grupo influencia a instrução popular “[...] para evitar que haja uma propagação de verdades que não sejam as suas” (CHAVES, 2004, p. 17). Essa influência acontece por meio de prática de ensino e ideologias “plantadas e regadas” no sistema escolar, tais como: o expositivismo, a burocratização, o centralismo e as atitudes positivistas e cientificistas. O conjunto de práticas e ideias que corroboram com a manutenção de determinadas verdades, constitui um regime de verdades (CHAVES, 2004).

O discurso é um enunciado que reforça verdades ou que confronta verdades. Sobre o discurso, Chaves (2004, p. 20) observa que “[...] em toda sociedade sua produção é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos [...]”.

Via de regra, os grupos dominantes tentam desqualificar – no sentido de não legitimar – o indivíduo que discursa contra os regimes de verdades. Chaves (2004) explica que a escola, através de mecanismo disciplinares – regimentos, normas, uniformes, alinhamento de corpos e convergência de ideias – atua como uma instituição de sequestro, “silenciando” os discursos de confronto.

Nesse sentido, a disciplina é uma técnica de poder para controlar as individualidades do homem.

Por meio da disciplina, da vigilância, da organização do espaço, da rigidez curricular, do paradigma do exercício8 e do ETM9 – e de outros dispositivos de controle – a escola reproduz práticas panópticas10 e exerce ato controlador. Tais formas de controle correspondem às

8 O paradigma do exercício é um ambiente de aprendizagem, pautado no ensino tradicional, apresentado através de aulas expositivas, descontextualizadas (voltadas exclusivamente à Matemática, sem qualquer relação com referências à realidade do aluno), centradas somente no professor, onde uma programação curricular rígida se põe à frente do processo (SKOVSMOSE; 2000 apud CHAVES; 2004).

9 No paradigma do exercício, a aula expositiva ou expositivismo professoral é o principal dispositivo de controle daquilo que conhecemos como ensino tradicional de matemática (ETM), onde o conteúdo programático é o elemento central, principal e irrefutavelmente colocado além do bem e do mal (CHAVES, 2004, p. 79).

10 As práticas panópticas correspondem às práticas mantenedoras da ordem vigente. “O panóptico é um sistema de construção que permite que de um determinado ponto se aviste todo o interior do edifício” (CHAVES, 2004, p. 75). As práticas panópticas são observadas no contexto escolar na rigidez do currículo, do calendário acadêmico, na organização do espaço (disposição dos móveis e arquitetura das escolas) e nas políticas de controle externas à escola (pautadas no exame e no inquérito).

estratégias e táticas aplicadas no ambiente escolar, desenvolvidas para propagar e difundir as verdades de um grupo e fomentar o instinto de rebanho11 (CHAVES, 2004).

No que diz respeito ao saber, Chaves (2004) destaca o modo como os diferentes saberes são valorizados, distribuídos e repartidos em uma sociedade. Uma relação dicotômica mencionada no texto se refere ao “[...] saber tirânico e sistematizado da academia com suas pesquisas e hierarquias titulares, contrapondo-se ao saber advindo da prática docente e às pesquisas sobre a própria prática [...]” (CHAVES, 2004, p. 45). O texto em questão aponta o despropósito da educação na formação de homens livres, ao priorizar a produção de conhecimentos clássicos, cientificistas e utilitaristas (voltados ao interesse dos grupos com poder).

Entendemos, assim como em Chaves (2004, p. 71), que o conhecimento “[...] não se constrói a partir da aceitação de nossas verdades, mas a partir do questionamento das mesmas com respeito de algo a ser conhecido” e que “[...] o erro, a dúvida, a incerteza são pontos importantes para que possamos construir um conhecimento [...] o questionamento, a análise do processo, o confronto com o erro que nos possibilitarão tal construção” (CHAVES, 2004, p. 71).

Imaginamos que o leitor deste texto deve se questionar: “Por que todas essas ideias me foram apresentadas?”. Consideramos relevante abordar tais ideias, porque foi a partir da verificação da utilização desses conceitos no contexto da educação Matemática, que a PEI foi desenvolvida.

A PEI é uma ação político-educativa, que segue uma filosofia libertária e que confronta verdades, regimes de verdades, dispositivos, táticas e estratégias de controle, saberes e conhecimentos disseminados por determinados grupos no âmbito da educação. Assentada na concepção libertária, viabiliza uma educação Matemática que “dá voz” ao aluno – em consonância com o MCS – e promove a formação do espírito crítico e da personalidade do aluno.

No seu âmago, a PEI busca instrumentalizar o aluno para que ele possa agir e intervir em um problema local, por meio de ações que priorizam valores como a solidariedade e a liberdade.

Nesse sentido, o conhecimento é construído a partir de um problema que leva a sistematização de conceitos científicos a favor da comunidade. Chaves (2005) explica que “assim, ao agir para

11 O instinto de rebanho é uma consequência dos esquemas hierárquico-burocráticos adotados por diferentes instituições (inclusive a escola) que roubam a vontade do indivíduo forçando-o ao assujeitamento do que está posto.

efetuar intervenções locais objetivamos romper com o ensino excludente e descontextualizado, portanto bancário” (CHAVES, 2004, p. 127), como posto em Freire (1987).

As principais ideias que envolvem uma PEI são defendidas por seu elaborador que afirma:

Entendemos por prática educativa investigativa aquela que não se restrinja ao ambiente da sala de aula, a seus respectivos dispositivos de controles e às suas normalizações, e que se paute não pela defesa de uma verdade única — a do professor

— mas pelo compromisso de estimular a curiosidade, a espontaneidade de pensamentos e de ações (CHAVES, 2004, p. 172).

Considerando a possibilidade dos participantes do curso de extensão e dos leitores do produto educacional desenvolverem as práticas educativas propostas com seus alunos, elaboramos PEI que não se restrinjam ao ambiente da sala de aula e que tenham por finalidade estimular: (i) a investigação; (ii) a curiosidade; (iii) a criatividade; (iv) e a espontaneidade de pensamentos e ações. Entendemos que uma prática educativa é investigativa quando agrega os indivíduos envolvidos na resolução de um problema local e, é construída a partir de dúvidas e incertezas que surgem ao longo da prática.

As PEI seguem sete princípios norteadores que são: (i) liberdade de expressão; (ii) ordem natural; (iii) colaborativo; (iv) integração; (v) intervenção; (vi) dispositivo tático; (vii) liberdade enquanto fim. Sobre esses princípios, Chaves (2005), afirma:

O primeiro princípio – o da liberdade de expressão – pertinente ao monitor; consiste em deixar que o alternante fale, que produza incertezas e que discuta o erro como forma de propiciar a construção de novos aprendizados.

O segundo princípio – o da ordem natural (primeiro surge o problema e depois o instrumental para enfrentá-lo) – consiste em permitir que o conteúdo surja a partir da necessidade de se obter respostas para a situação que se está investigando.

O terceiro princípio – o colaborativo – consiste em assinalar o tipo de interferência que o monitor realiza nos grupos. Sua participação é fundamental na organização do processo, o que não significa que ele deva centralizar informações, nem tampouco que deva passá-las aos alternantes como algo pronto e acabado; pois, com este mesmo posicionamento, o monitor não perde de vista que não há o caminho, a verdade; mas que existem verdades e caminhos que devem ser discutidos, refletidos e negociados.

O quarto princípio – o da integração – consiste em facultar que ocorra uma discussão conjunta com diversas áreas do conhecimento, não se tratando mais de um trabalho de Matemática ou de Física.

O quinto princípio – o da intervenção – é estratégico, consiste em implementar uma PEI voltada para situações locais que envolvam o alternante e o seu habitat (escola, comunidade, família etc.), de tal forma que ele possa utilizar a Matemática como uma ferramenta, um conjunto de técnicas que o possibilite construir conhecimentos que lhe permitam intervir nestas situações locais, com o propósito de operar possíveis transformações nos quadros socioambientais apresentados.

O sexto princípio – o do dispositivo tático – consiste em desenvolver a produção de conflitos, incertezas e confrontos que propiciem a construção de conhecimentos para se contrapor às verdades impostas pela produção de conhecimentos que minimizam, ocultam ou mascaram os problemas típicos das questões socioambientais existentes.

O sétimo princípio – o da liberdade enquanto fim – como expressão genuína da criatividade e de espontaneidade dos indivíduos no processo de aprendizagem dos conhecimentos tem grande relevância em uma PEI (CHAVES, 2005, p. 127-130).

A elaboração de uma PEI envolve algumas etapas, como a identificação do problema e definição de estratégias de intervenção, no entanto há um propósito comum a todas elas. Sobre isso, Chaves (2004, p. 182) explica que:

Em todas as etapas da PEI, o estímulo, a excitação para o aluno, reside em confrontar verdades e valores estratificados que são insuficientes para prosseguir nesta dinâmica.

Para cada certeza estratificada, cabe ao professor gerar uma incerteza, uma dúvida. A partir da incerteza instaurada ou do “erro” cometido, estimula-se o aluno a novas descobertas que possam produzir novas verdades e valores (destaque do autor).

Diante do exposto, percebemos um paradoxo interessante sobre a ideia do erro: na matemática tradicional, utilitarista e racional, o erro está vinculado ao resultado, enquanto que, para Chaves (2004), no que diz respeito às PEI, um “erro” pode vir a se constituir como um ponto de partida, em um processo de estranhamento, que pode levar a um descentramento, com vistas à produção de novos significados; isto é, é o ponto de partida para um processo comunicativo que propicia a investigação, a colaboração e a dialogicidade. No desenvolvimento de uma PEI o processo é a prioridade, pois nele o aluno produz conhecimento, participa, tem vontade de aprender, intervir e mudar sua realidade (CHAVES, 2004).