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3 APORTE TEÓRICO E REVISÃO DE LITERATURA

3.1 APORTE TEÓRICO

3.1.1 Modelo dos campos semânticos (MCS)

As primeiras ideias do MCS foram elaboradas pelo Prof. Dr. Romulo Campos Lins ao buscar compreender o que os alunos pensavam quando “erravam” (LINS, 2012). Lins (1999) observa que “[...] Os elementos principais do modelo estão postos: significado, conhecimento, interlocutores, núcleos/estipulações locais, objetos. E também outras noções essenciais:

atividade, espaço comunicativo, texto, legitimidade” (LINS, 2012, p. 88). Com objetivo de apresentar o MCS ao leitor, trazemos algumas noções e relações a respeito do modelo.

No MCS, significado é aquilo que se diz a respeito de algo. Entende-se algo como o objeto para o qual se produz significado. Sobre significado, objeto e produção de significado, Lins (1999, p. 86) afirma:

[...] os objetos são constituídos enquanto tal precisamente pela produção de significados para eles. Não se trata de ali estão os objetos e aqui estou eu, para a partir daí eu descobrir seus significados; ao contrário, eu me constituo enquanto ser

cognitivo através da produção de significados que realizo, ao mesmo tempo em que constituo objetos através destas enunciações (destaques do autor).

Lins (2012) traz uma ressignificação a respeito do entendimento do que vem a ser conhecimento para o MCS. O autor afirma que “[...] nenhum conhecimento vem ao mundo ingenuamente”

(LINS, 2012, p. 13). No modelo, o conhecimento corresponde a algo anunciado pelo sujeito, com base no que ele acredita sobre o que o diz, junto com uma explanação sobre aquilo que o autoriza a dizer o que diz; resumindo, “[...] conhecimento é uma crença-afirmação junto com uma justificação para que eu possa produzir esta enunciação” (LINS, 1999, p. 84).

Lins (1999, p. 88) explica que “[...] o papel da justificação é produzir legitimidade para minha enunciação”. Nesse sentido, a justificação não é uma justificativa ou uma explicação para o que é dito, tampouco o estabelecimento de conexões lógicas.

A respeito da comunicação, o autor explica que o processo comunicativo não se baseia na transmissão da mensagem, mas sim nas noções reconstruídas de autor, leitor e texto. A comunicação se inicia quando o autor dirige uma enunciação a um interlocutor (ser cognitivo, que aceitaria a justificação dada). A ação que envolve a comunicação da enunciação é denominada texto. Lins (2012) explica que o leitor produz significado para o texto ou para o resíduo de enunciação “[...] algo com que me deparo e que acredito ter sido dito por alguém”

(LINS, 2012, p. 27), além disso, observa que “[..] Em geral não vale a pena distinguir ‘texto’ e

‘resíduo de enunciação’” (LINS, 2012, p. 27, destaques do autor).

Quando o leitor produz significado para o texto dirigindo sua enunciação ao mesmo interlocutor que o autor, há o estabelecimento de um espaço comunicativo. Para além do aspecto biológico, Lins (1999) observa que a capacidade de compartilhar um espaço comunicativo é uma das formas de dizer que dois seres cognitivos são semelhantes.

A comunicação acontece enquanto autor e leitor sancionam o que cada um diz, ou seja, quando há legitimidade. Sobre esse assunto, Lins (2012, p. 16) explica que

[...] “eu” falo na direção de um interlocutor que é uma direção na qual, acredito, o que estou dizendo poderia ser dito com a mesma justificação que tenho para dizer; em outra passagem (de outra natureza) o que eu disse pode ser desautorizado ou sancionado. Nas duas passagens trata-se da questão da legitimidade (destaques do autor).

O processo comunicativo depende do que o texto descreve na segunda passagem, embora todo conhecimento produzido seja legítimo, independente do “aceite” da enunciação (LINS, 2012).

Em um processo comunicativo há “[...] repertórios segundo os quais nos preparamos para tentar antecipar de que é que os outros estão falando ou se o que dizem é legítimo ou não” (LINS, 2012, p. 29), trata-se dos Modos de Produção de Significado (MPS). Quando autor e leitor utilizam o mesmo “repertório” há uma convergência comunicativa, que se estabelece “[...] a partir dos modos de produção de significados que o autor ou o leitor internalizaram como sendo legítimos” (LINS, 1999, p. 82). Nesse sentido, a comunicação efetiva depende da legitimação dos MPS internalizados pelo autor ou leitor. À medida em que há legitimidade, autor e leitor alternam de posição e o processo comunicativo se desenvolve (LINS, 1999).

É no processo de produção de significados que se constituem Campos Semânticos (CS), que têm “caráter mutável”, como explica Lins (2012, p. 17):

Um campo semântico, de modo geral, é como se fosse um jogo no qual as regras (se existem) podem mudar o tempo todo e mesmo serem diferentes para os vários jogadores dentro de limites; que limites são estes, só sabemos a posteriori: enquanto interação continua, tudo indica que as pessoas estão operando em um mesmo campo semântico (destaques nosso).

Um CS está relacionado a um núcleo, e a compreensão do que é núcleo e de como ele se constitui depende do entendimento do que são estipulações locais (LINS, 2012). Se durante a realização da atividade, em um processo de produção de significado, há afirmações que dispensam justificativa, estamos diante de estipulações locais, que indicam a formação de núcleo.

Lins (1999) afirma que “[...] a um conjunto de estipulações locais que, num dado momento e dentro de uma atividade, estão em jogo, chamo de núcleo” (LINS, 1999, p. 87). Um núcleo

“[...] é constituído por estipulações locais, que são, localmente, verdades absolutas, que não requerem, localmente, justificação” (LINS, 2012, p. 26). O núcleo não é “fixo”, isto é, durante o processo de produção de significado e de conhecimento, outras estipulações locais podem surgir e vir a se tornarem parte do núcleo (LINS, 2012).

É no interior de um CS, em um processo de produção de significado em relação a um núcleo, que são constituídos os objetos e se produz conhecimento. Vale ressaltar que no MCS a ideia de conhecimento está vinculada à enunciação e não ao enunciado, diferente das teorias

“clássicas” sobre conhecimento que associam o conhecimento ao teor do que é dito. Lins (1999) explica que “Tendo isto [conhecimento é uma crença-afirmação junto com uma justificação]

em mente, toda produção de significado implica produção de conhecimento” (LINS, 2012, p.

87, destaque nosso).

Outra noção importante do MCS é a leitura plausível, processo em que se busca produzir significado para o que o outro diz considerando aspectos que possam dar sentido a seu texto (LINS, 2012). Ao realizar a leitura plausível nos deparamos com: o dado, a justificação e o novo. O primeiro corresponde à justificação, o segundo tem a ver com o vínculo entre crenças-afirmações e o terceiro diz respeito à crença-afirmação (LINS; GIMÉNEZ, 1997).

Além dos principais elementos do MCS – apontados em Lins (1999) e mencionados no primeiro parágrafo dessa seção – e da leitura plausível, apresentamos alguns processos que podem ocorrer durante a produção de significados.

Quando um primeiro autor diz algo e um segundo autor produz o seguinte significado para aquilo que foi dito pelo primeiro (algo): “isso não poderia ser dito”, estamos diante do processo de estranhamento. O texto Julio e Oliveira (2018) exemplifica o estranhamento da seguinte forma:

Pensemos em um aluno do 7º ano do Ensino Fundamental que, desde o início do trabalho do professor de Matemática com o conjunto dos números inteiros, produziu significados para esses números como saldos positivos (inteiros positivos) e como dívidas (inteiros negativos). Enquanto seu professor tratou da introdução do conjunto e das operações de adição e subtração entre números inteiros, não havia problema algum pensar em saldos e dívidas. Mas quando teve início a apresentação da operação de multiplicação entre números inteiros, começaram as dificuldades desse suposto aluno. Após o professor afirmar que o produto entre dois inteiros negativos resulta em um inteiro positivo, o significado produzido pelo aluno para essa afirmação do professor é que aquilo não pode ser dito. Como se pode multiplicar uma dívida por outra dívida e se obter um saldo positivo? Para aquele professor, dizer que o produto entre dois inteiros negativos resulta em um inteiro positivo foi algo natural; para aquele aluno, isso não poderia ser dito (JULIO; OLIVEIRA, 2018, p. 144).

Lins (2004) afirma sobre o processo de estranhamento: “[...] de um lado aquele para quem uma coisa é natural – ainda que estranha – e de outro aquele para quem aquilo não pode ser dito.

Esta é a característica fundamental deste processo de estranhamento [...]” (JULIO; OLIVEIRA, 2018, p. 26).

No que se refere às interações na sala de aula, Lins (2008) explica que elas levam ao compartilhamento de algo, “[...] seja o de uma diferença (e aí decidimos o que fazer a esse respeito) ou o compartilhamento de modos de produção de significados, de objetos e de significados (bem mais reconfortante para todos)” (LINS, 2008, p. 542-543, destaques do autor). Em um contexto de compartilhamento, aluno e professor caminham na seguinte direção:

“[...] ‘eu acho que entendo como você está pensando’ que se torna legítimo e simétrico dizer, à

continuação, ‘pois eu estou pensando diferente, e gostaria que você tentasse entender como eu estou pensando’ [...]” (LINS, 2008, p. 543, destaques do autor).

As interações em sala de aula podem levar ao compartilhamento de modos de produção de significados e ao compartilhamento de diferenças. Lins (2008) observa que no compartilhamento da diferença há uma intensa oportunidade de aprendizagem; professor e aluno podem dizer “[...] “eu acho que entendo como você está pensando” [....] “pois eu estou pensando diferente, e gostaria que você tentasse entender como eu estou pensando” (LINS, 2008, p. 543, destaques do autor). É no compartilhamento da diferença que se aprende a legitimar determinados MPS (LINS, 2008).

Por vezes, o processo de produção de significado em sala de aula pode tomar outros “rumos”, como se “deparar” com limites epistemológicos, entendidos como a impossibilidade de produzir significado para o que é dito pelo outro. Sobre o limite epistemológico, Julio e Oliveira (2018) explica:

Instaura-se, assim, naquele aluno, um tipo de paralisação [limite epistemológico], uma imobilidade diante daquele resíduo de enunciação [o que é dito pelo outro]. É nesse momento que entra em cena a importância, a potência do descentramento no quadro do MCS. Pelo movimento de descentramento, pela tentativa de o professor se colocar no lugar daquele aluno [...] (JULIO; OLIVEIRA, p. 115, destaque nosso). Sendo assim, para evitar que um estranhamento se torne um limite epistemológico, é necessário realizar o descentramento, que requer fazer a leitura do outro. O professor que pratica o descentramento, isto é, que identifica os estranhamentos por meio da leitura dos alunos, torna-se mais torna-sensível ao que acontece em sala de aula (OLIVEIRA, 2011). Viola dos Santos e Lins (2016a), a respeito do processo de descentramento, afirma: “O cara [o professor] tenta se colocar como um outro [o aluno] que escreveu aquilo achando que aquilo poderia ser dito.

Então o descentramento é mudar o centro, é você sair de você como centro e tentar ir para o lugar onde o outro está como centro” (OLIVEIRA, 2011, p. 337, destaque nosso).

Outro possível rumo para um processo de produção de significado refere-se ao processo de impermeabilização, no qual Silva e Lins (2013) destaca: “Com o termo impermeabilização queremos designar a postura do sujeito de não compartilhar novos interlocutores, diferentes daqueles para o qual ele estava voltado; de não se propor a produzir significados numa outra direção” (SILVA; LINS, 2013, p. 27).

Diferentemente do estranhamento, em que o significado produzido pelo sujeito é da ordem da negação – “isso não poderia ser dito” –, no processo de impermeabilização o sujeito produz significado em uma direção não estando “disposto” a produzir em outra. Silva e Lins (2013) explica que há diversas possibilidades que levam à impermeabilização, algumas delas são:

acreditar na legitimidade do que diz, de tal forma que é desnecessário dizê-lo de outra forma;

não poder produzir significados em outras direções por estar diante de um limite epistemológico; ou entender “ilegítimo” falar em determinada direção.

Trouxemos essas ideias principais relativas ao MCS com o propósito de situar o leitor – para que o mesmo saiba de onde falamos – no que se refere à produção de significados em relação às nossas análises.