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4 METODOLOGIA

4.4 PRODUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.4.2 Leituras globais e locais dos significados produzidos pelos atores da pesquisa

4.4.2.3 Encontro 9

Isso porque, estimular a fala, pôr em curso processos dialógicos, faculta que se evidencie as ações enunciativas dos sujeitos do processo e, segundo Silva (2022),

Nas ações do sujeito, o pesquisador desenvolve uma leitura a partir de seus resíduos de enunciação (fala, gestos, desenhos), fundamental para análise [...] Identificar, se for interesse da investigação, a partir da produção de significados dos sujeitos, evidências que ajudam na análise das dificuldades de aprendizagem (obstáculos e limites epistemológicos) e de possível processo de impermeabilização que possam estar ocorrendo (SILVA, 2022, p. 138, destaques do autor).

Dessa maneira, muito mais do que um objeto à fixação de ideias relativas ao tema em estudo, uma tarefa presta-se ao papel de dar voz aos participantes do processo, cabendo ao professor – o organizador deste – ter a clareza da relevância deste instrumento para desencadear um processo de enunciação dos participantes quando os mesmos procuram explicitar sua forma de agir em relação ao que foi pedido (SILVA, 2022).

Dutra (2020), Andrade (2021), Chaves, Andrade e Dutra (2021) e Chaves, Marques e Andrade (2022) trabalharam com os objetos tabelas, sequências numéricas, imagens com padrões de cores, figuras geométricas etc. para a realização de trânsitos de modos de produção de significados (geométrico, aritmético e algébrico) no desenvolvimento de processos recursivos.

Nesse encontro, a tarefa proposta que acabamos de analisar configura o que Lins e Giménez (1997) denomina de “exemplo exemplar” para a caracterização desses trânsitos.

mestranda pelo Educimat do Ifes e membro do Grupo de Pesquisa em Prática Pedagógica em Matemática (Grupem). Atualmente leciona na rede pública de ensino do município de Vitória.

[RE9.38] – Agnes: [Apresenta a proposta da tarefa reproduzindo o slide]

[RE9.39] – Agnes: Para realizarmos essa tarefa, primeiro temos que usar uma régua para encontrarmos as medidas pedidas e fazer anotações nessa tabela [apresentando o slide a seguir]

[RE9.40] – Agnes: Aí a gente quer que vocês peguem a régua e meçam mesmo.

[RE9.41] – Tuba: Vamos lá? É só medir!

[RE9.42] – Sofia: Eu medi, mas a ultimazinha fica difícil.

[RE9.43] – Agnes: Fica mesmo, Sofia. Bota uma medida aproximada.

[RE9.44] – Sofia: É! Tá! Mas eu já percebi um negócio aqui já.

[RE9.45] – Tuba: Eu trouxe até a minha lupa para isso [dificuldade de visualizar as lagartixas do nível 4], aqui olha! [mostra a lupa na webcam]

[RE9.46] – Jujuba: A primeira deu 9? Mais ou menos aí.

[RE9.47] – Agnes: Não sei... E aí gente?

[RE9.48] – Sofia: A minha deu nove. Depois quatro e meio, a metade da outra. E a outra deu dois vírgula vinte e cinco. Aí depois não deu mais para mim não. Mas, Agnes... É Agnes?

[RE9.49] – Agnes: Sim!

[...]

[RE9.66] – Agnes: Está vendo o de azul aqui [referindo-se ao comprimento da lagartixa do nível 1], Sol? O 𝑙1? [RE9.67] – Sol: Não! Esse aí eu já calculei, deu nove. Aí esse é o nível um. Aí o dois?

[RE9.68] – Tuba: É esse aqui [aponta com mouse], olha.

[RE9.69] – Agnes: É uma [lagartixa] qualquer, Sol. No nível dois todas elas têm o mesmo tamanho. O tamanho só vai variar no nível um.

[RE9.70] – Tuba: Pode ser essa aqui [aponta com mouse], olha. Está vendo aqui?

[RE9.71] – Agnes: Pode escolher qualquer uma.

[RE9.72] – Jujuba: 9 — 4,5 — 3 — 2 — 1... Seria isso?

[...]

[RE9.75] – Sol: As duas juntas deram nove também.

[RE9.76] – Agnes: [...] é comprimento de uma só.

[RE9.77] – Sol: Aham! Quatro e meio.

[RE9.78] – Agnes: E da próxima?

[...]

[RE9.85] – Jujuba [escreveu no chat]: E aí vai reduzindo 50%?

[...]

[RE9.90] – Agnes [que não observara o que Jujuba escrevera no chat]: Vocês notaram alguma redução constante aí? Não? Bom, o primeiro passo aí do preenchimento da tabela é registrar o 𝑙1 [observar imagem a seguir], à medida que você obteve para a lagartixa.

[RE9.91] – Tuba: Só que uma coisa Agnes, deixa eu chamar a atenção aqui. Todos acharam 9,1 ou não?

[RE9.92] – Sol: Nove.

[RE9.93] – Vergara: 9!

[RE9.94] – Jujuba: Eu coloquei nove.

[RE9.95] – Sofia: A minha régua não é regulamentada pelo IMETRO não. Mas eu achei nove.

[RE9.96] – Tuba: Ah! Que ótimo que você falou Sofia.

[RE9.97] – Sexto ano: É isso aí Sofia.

[RE9.98] – Tuba: Então, olha aqui... A Sofia falou que a régua dela não é regulamentada pelo IMETRO, o que significa isso, pessoal?

[RE9.99] – Sofia: Que eu não usei escalímetro.

[RE9.100] – Tuba: Que não usou escalímetro. Nem todas terão o mesmo grau de precisão. Então vale trabalhar com valor aproximativo também.

[RE9.101] – Agnes: E questionar os instrumentes de medida.

[RE9.102] – Amazona [escreveu no Chat]: Em sala, já abre outra discussão para os instrumentos de medida...

[RE9.103] – Joy: Eu estou sem régua aqui, aí eu tentei ver pela imagem. Eu percebi exatamente a questão do primeiro ser diferente e os próximos você sempre consegue fazer os quadradinhos de cada um, e aí tem meio que uma rotação deles, [...] cada quadradinho menor tem dois lagartinhos dentro. Aí eu acredito que fique a metade.

[...]

[RE9.121] – Agnes: Vamos ver como ficou o preenchimento da tabela? Vamos lá?

[RE9.122] – Sol: 4,5 [referindo-se ao comprimento da lagartixa no nível 2].

[RE9.123] – Sol: 2,2 [referindo-se ao comprimento da lagartixa no nível 3], praticamente, a metade.

[RE9.124] – Tuba: [aponta os instrumentos de medida com uma explicação para a divergência entre os valores]

[RE9.125] – Agnes: Vocês estão percebendo que a imagem não tem bordos bem definidos? Vocês estão percebendo isso?

[RE9.126] – Tuba: Isso. Que dá uma distorção.

[RE9.127] – Agnes: Exatamente.

[RE9.128] – Tuba: Por isso que a gente trabalha com caráter aproximativo.

[RE9.129] – Sol: Mas pelo menos seguiu um padrão, meu ficou sempre zero vírgula um.

[RE9.130] – Tuba: Exatamente! Exatamente isso daí.

[RE9.131] – Sol: 0,1 abaixo do de vocês até agora: nove, quatro e meio e 2,2.

[...]

[RE9.135] – Sol: Dá para trabalhar frações também.

[RE9.136] – Jujuba [escreveu no chat]:

½

¼

1/8 1/16

½

^n

[RE9.137] – Jujuba [escreveu no chat logo em seguida]:

½

¼

1/8 1/16

½

^n

L1/2^n L1/2^(n-1)

Sempre começo do trem errado

[RE9.138] – Agnes: [apresenta um slide com a tabela preenchida usando o recurso dinâmico para inserção linha a linha, adotando esquema de setas, esquema gráfico linha a linha etc.

Em uma leitura global, destacamos que os resíduos de enunciação supracitados propiciaram uma discussão a respeito da possibilidade de se trabalhar com valores aproximados e o ator Tuba, referindo-se a seus ex-professores, Rodnei Carlos Bassanezi e Ole Skovsmose, em vários momentos lembrou aos participantes que somente na sala de aula e nos livros didáticos, isto é, na matemática escolar (LINS; GIMÉNEZ, 1997), os valores são exatos, os números são bem comportados, diferentemente do que ocorre na matemática da rua (LINS; GIMÉNEZ, 1997).

Essa observação deu margem a muitas discussões, principalmente em se considerando a não padronização dos instrumentos de medida (as respectivas réguas de cada participante).

Vale ressaltar que no MCS, quando nos referimos a objeto, não estamos necessariamente falando de um ente físico (uma régua, um livro, uma calculadora etc.), mas objetos são “[...]

coisas sobre as quais aquele estudante sabe dizer algo e diz. Isto permite ao pesquisador observar tanto os novos objetos que estão sendo constituídos quanto os significados produzidos para esses objetos” (SILVA, 2022, p. 133). Dessa maneira, as medidas encontradas, as frações, as imagens das lagartixas e seus respectivos comprimentos, constituíram-se como objetos, que foram transformando-se e dando espaço para a constituição de novos objetos, como, por exemplo, um padrão para a relação entre os termos consecutivos, a variação de 0,1 cm para medida inicial e o termo geral 𝐶(𝑛) = 𝑙1

2(𝑛−1) .

Em uma análise mais refinada, passemos a algumas leituras locais.

O ator Sofia – [RE9.48] – durante o processo de medir, a partir dos valores obtidos, produz significado para a variação dos respectivos comprimentos das lagartixas, concluindo que há uma redução à metade – “A minha deu nove. Depois quatro e meio, a metade da outra. E a outra deu dois vírgula vinte e cinco” ([RE9.48] – Sofia) –, até esse momento, o referido ator, não faz nenhuma alusão à tabela.

Já o ator Sol – [RE9.67], [RE9.75] e [RE9.77] – produz significado para cada medida das respectivas lagartixas, relacionando-as aos respectivos níveis das linhas da tabela. Mesmo que ainda não tenha externalizado um padrão para a relação entre os termos consecutivos, o referido ator adota uma maneira de operar que leva à identificação da regularidade – “2,2 [referindo-se ao comprimento da lagartixa no nível 3], praticamente, a metade” ([RE9.123] – Sol). Na sequência, o ator Sol sugere que a tarefa em curso pode ser usada para se tratar de frações.

A partir dessa fala de Sol, o ator Jujuba propõe a seguinte sequência: “1 2⁄ , 1 4⁄ , 1 8⁄ , 1 16⁄ , ⋯ , 1 2⁄ 𝑛” ([RE9.136]). Antes de expressar essa ideia, Jujuba apresenta uma sequência para suas medidas: “9 − 4,5 − 3 − 2 − 1” ([RE9.72]) e mais adiante afirma: “vai reduzindo 50%” ([RE9.85]). Chamamos atenção para esses três resíduos de enunciação, relacionados às falas de Jujuba, para mostrarmos que os objetos não são permanentes, eles vão dando lugar a outros que vão sendo constituídos e, assim, novos significados são produzidos. Tratamos disso anteriormente ao destacarmos as três grandes categorias em um processo de produção de significados (SILVA, 2003), quando o dado passa a dar lugar ao novo. Nesse caso, entendemos que as intervenções de Sofia ([RE9.48]) e Sol – [RE9.135] – ao proporem “reduzir à metade” e

“trabalhar frações” ajudaram a Jujuba a constituir novos objetos e, consequentemente, a produzir outros significados.

No encontro em questão, o ator Jujuba apresenta no chat a sequência 1 2⁄ , 1 4⁄ , 1 8⁄ , 1 16⁄ , ⋯ , 1 2⁄ 𝑛 – [RE9.136] –, ela o faz utilizando uma disposição em coluna. Em seguida, o referido ator se autocorrige e, também no formato coluna, expressa a sequência 1 2⁄ , 1 4⁄ , 1 8⁄ , 1 16⁄ , ⋯ , 𝑙1⁄2𝑛−1 – [RE9.137]. Inferimos que essa forma de representar dos dados, em coluna, nível a nível, consistiu em uma estratégia de recursividade, que possibilitou o ator relacionar cada nível a uma ordem: 1, 2, 3, ⋯ , 𝑛.

Também inferimos que Jujuba produziu significado para o processo recursivo ao se autocorrigir e observar que no n-ésimo termo o expoente da potência de 2 não corresponde diretamente à ordem ou nível n, mas ao nível ou ordem antecedente (𝑛 − 1), e que o comprimento da lagartixa

não corresponde a uma unidade, mas a uma medida inicial que pode variar (L1). Assim como de Sol e Sofia, suas falas vão em direção à ideia que está em curso: redução à metade (50%).

Entendemos que a autocorreção do ator Jujuba ([RE9.137]) evidenciou a espontaneidade de ideias e de ações estabelecida no ambiente de desenvolvimento da PEI em questão, como preconiza Chaves (2004), “Entendemos por prática educativa investigativa aquela que não se restrinja ao ambiente da sala de aula, [...] mas pelo compromisso de estimular a curiosidade, a espontaneidade de pensamentos e de ações” (CHAVES, 2004, p. 172).

Ressaltamos a importância do princípio da liberdade de expressão no curso da PEI. Por vezes, falar sobre o objeto é suficiente para que o ator reflita acerca do mesmo. Em menos de três minutos, o ator Jujuba produziu incertezas a respeito do que falara ([RE9.136]), discutiu “consigo mesma” e produziu novos conhecimentos ([RE9.137]).

Tuba e Agnes consideram a primeira medida como 9,1 cm, mas os demais participantes ([RE9.92], [RE9.93], [RE9.94] e [RE9.95]) mediram como 9 cm. Tal diferença passou a ser considerada como legítima ([RE9.129]) e facultou um debate que já tratamos quando realizamos a leitura global.

Se Tuba e Agnes insistissem no valor, isso poderia desencadear um processo de estranhamento que poderia avançar para um obstáculo epistemológico ou até um limite epistemológico, mas acordar com os demais participantes não inviabilizou o processo e ainda facultou que se estimulasse a produção de novos significados, além de garantirem a diferença de modos de produção de significados singulares de cada participante, como defendido em Silva (2022).

Entendemos que o debate realizado pelo grupo a respeito da diferença entre os valores medidos por Tuba e Agnes e os valores medidos pela maioria dos participantes evidencia o ambiente coletivo estabelecido durante o encontro em questão. Viola dos Santos e Lins (2016a) explica que em um processo de formação de professores na perspectiva do MCS há preocupação em se desenvolver “[...] o ambiente, um conjunto de ideias com pessoas discordando, concordando, errando, propondo” (VIOLA DOS SANTOS; LINS, 2016a, p. 331).

Certamente, poderíamos ter realizado outras análises em relação a outras PEI, no entanto, procuramos trazer à discussão as Práticas Educativas Investigativas que envolveram o uso de materiais didático-pedagógicos manipuláveis pouco utilizados na rotina usual escolar.