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4 METODOLOGIA

4.4 PRODUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.4.2 Leituras globais e locais dos significados produzidos pelos atores da pesquisa

4.4.2.2 Encontro 7

A divergência entre o número de hastes encontrado por Agnes e Emília – 57 (cinquenta e sete) – e o encontrado por Sexto ano – 60 (sessenta) – levou este ator a operar a partir modos de produção de significado envolvendo leitura e confecção de tabelas (modo de produção de significado geométrico), construção de protótipos (modos de produção de significado geométrico), com vistas a chegar em um modelo matemático para descrever o termo geral (modo de produção de significado algébrico) para o número de hastes. Um detalhamento das ações e operações que envolveram essa atividade, encontra-se no produto educacional.

Retomemos a seguinte dinâmica do encontro, quando diante da pergunta “Será que também há um padrão para as arestas (as hastes de palitos ou imantadas)? Se há, que padrão é esse? É possível obtermos um termo geral para a quantidade de arestas (as hastes de palitos ou imantadas)? ([RE5.194]) os atores Agnes, Emília e Sexto ano, a partir da contagem, buscaram produzir significados aritméticos para hastes de palito (ou hastes imantadas), mas a grande quantidade de hastes e disposição das mesmas na construção (cf. Figura 71) dificultou a contagem, que se tornou um problema. Baseados em ideias matemáticas como direções, faces e seções de um poliedro e sólidos geométricos, os atores estabeleceram critérios para procedimento de contagem das hastes.

A dinâmica supracitada, indica que a PEI desenvolvida segue o princípio da ordem natural,

“[...] (primeiro surge o problema e depois o instrumental para enfrentá-lo) – consiste em permitir que o conteúdo surja a partir da necessidade de se obter respostas para a situação que se está investigando” (CHAVES, 2005, p. 127-130, destaque do autor).

apresentado no Apêndice P. Os participantes receberam esse material, antecipadamente, em suas casas.

No decorrer da atividade, destacamos alguns resíduos de enunciação que passaremos a analisar.

As leituras que realizaremos a seguir advêm de resíduos de enunciação envolvendo os atores Sorriso, Ângelo, Amazona, Vergara e Jujuba, além de Tuba e Agnes, que foram os docentes do curso e Sexto ano, que atuou como monitor.

Sorriso é professor efetivo da rede estadual de ensino do Estado do Espírito Santo, formado pela Ufes, especialista em Ensino Profissional Tecnológico, mestrando pelo Educimat do Ifes e membro do Gepemem. Trabalhou na Educação Básica em redes públicas e privadas de ensino do Espírito Santo. Atualmente leciona na rede privada de ensino de Minas Gerais.

Ângelo é aluno de 8º período da Limat, campus Vitória, membro do Gepemem e participa de projetos de pesquisa do grupo.

Amazona é professora formada pela Universidade do Estado da Bahia, mestranda pelo Educimat do Ifes e membro do Gepemem. Atualmente leciona na rede estadual de ensino do Espírito Santo onde é professora efetiva.

Vergara é graduado em Licenciatura em Matemática pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas (Bogotá, Colômbia) e mestrando em Educação Matemática pela UFJF.

Jujuba é egressa da Limat, campus Vitória, é membro de grupo de pesquisa do Limat e já participou de diversas formações do Gepemem.

[...]

[RE7.252] – Agnes: Construíram o maior triângulo retângulo possível utilizando a menor quantidade de quadrados?

Quais cores vocês usaram?

[...]

[RE7.262] – Agnes: Sorriso mandou [reproduzindo a imagem a seguir]!

[...]

[RE7.269] – Agnes: Alguém fez de uma forma diferente? Mostra lá. Eu quero ver esse segundo aí [refere-se a imagem enviada pelo Ângelo no grupo de WhatsApp].

[RE7.270] – Ângelo: [imagem enviada pelo WhatsApp].

[...]

[RE7.272] – Agnes: Ângelo, esse triângulo é retângulo?

[...]

[RE7.288] – Agnes: [...] Olha só, vamos supor que o Ângelo e o Sorriso tenham construído triângulos retângulos.

Qual é o maior possível? Qual é o maior deles?

[...]

[RE7.292] – Sorriso: Agnes, eu acho que quando você junta ali dois quadradinhos azuis, a distância que faz ali pela ponta, como eu fiz formando um ângulo de 90°. Eu fiz meio que ajustando um lado do quadrado com o lado do outro, e aí formou meio que um triângulo, que aparentemente tinha 90°, justamente porque está fazendo ali uma perpendicular, formando uma perpendicular com o lado do quadrado de cima com o de baixo, aí formou a perpendicular. E aí eu percebi que a distância entre os vértices que ficaram embaixo era do tamanho do quadrado amarelo, do lado do quadrado amarelo. E aí encaixou direitinho ali. E aí eu falei aí não sei. [risos]

[RE7.293] – Ângelo: Tipo assim [mostrando no grupo do WhatsApp a figura a seguir]?

[RE7.294] – Agnes: O primeiro teste você fez com quadrado azul? Apoiando sobre o amarelo, Sorriso?

[RE7.295] – Sorriso: Não, primeiro eu peguei três cores diferentes. Primeiro eu peguei três cores diferentes, mas eu vi que era muito pequeno e não formou 90° [referindo-se à imagem apresentada anteriormente por Ângelo – [RE7.270]].

[RE7.296] – Agnes: E o único que formou foi qual?

[RE7.297] – Sorriso: O azul.

[RE7.298] – Agnes: Exatamente.

[RE7.299] – Sexto ano: Aí! O Ângelo fez um negócio bem legal para provar que o ângulo é 90° [referindo-se à imagem apresentada por Ângelo – [RE7.293]].

[...]

[RE7.301] – Agnes: [...] Olha! Ele [Ângelo] testou o ângulo! Olha lá o Ângelo. Fez o teste do ângulo.

[...]

[RE7.304] – Sorriso: É!

[RE7.305] – Ângelo: A gente tem que ver a desigualdade triangular, né? Porque, tipo assim, não dá para fazer o ângulo com os lados dos quadrados menores. Aqui [mostra os quadrados na webcam]. Se for tentar fazer com os lados menores não dá.

[...]

[RE7.306] – Agnes: Sorriso, mostra pra gente a sua montagem, por favor.

[RE7.307] – Sorriso: [reenvia no grupo de WhatsApp a imagem apresentada anteriormente por Ângelo – [RE7.270]].

[RE7.308] – Agnes: Agora, por favor, use o recurso adotado pelo Ângelo para confirmar se o triângulo é retângulo.

[RE7.309] – Sorriso: [envia ao grupo uma imagem com o que Agnes solicitara]

[RE7.310] – Agnes: Então, o que vocês pensam a respeito dessa imagem?

[RE7.311] – Jujuba: Não forma 90º!

[...]

[RE7.313] – Sorriso: A confirmação do Ângelo foi ótima [referindo-se à ideia de esquadrilhamento – [RE7.293]]! Aí não tem perpendicularidade, o ângulo não é reto.

[...]

[RE7.333] – Agnes: Eu estou com uma dúvida em relação ao... Se vocês puderem entrar no grupo, pegar o celular ou abrir o WhatsApp web... Entre o triângulo que o Sorriso formou e o Ângelo, qual que é o maior triângulo em termos de perímetro? O do Sorriso ou o do Ângelo? Olha para a medida dos lados.

[...]

[RE7.336] – Sexto ano: Perímetro ou área, tanto faz [reiterando a fala de Agnes em relação ao [RE7.333]].

[RE7.337] – Jujuba: Perímetro é o do Sorriso, né!

[RE7.338] – Agnes: Por que que é o do Sorriso? Porque o azul tem o lado maior que o do verde, certo?

[RE7.339] – Ângelo: Exato.

[RE7.340] – Jujuba: Isso!

No intervalo que envolve as falas relativas aos [RE7.252] a [RE7.340], identificamos um processo de produção de significados com a constituição de alguns objetos e núcleos, que nos permitiu efetuar algumas leituras mais finas em relação às formas de operar dos atores envolvidos no processo.

Em uma leitura global é possível identificarmos uma proposta inicial do ator Agnes ([RE7.252]) em estabelecer um processo de otimização – no sentido de criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de algo –, na qual procura destacar a utilização da formação de uma figura maior utilizando uma quantidade menor de peças. Todavia, os atores envolvidos nesse processo passaram a produzir significados em outras direções e Agnes, em um processo de descentramento, abandona sua proposta inicial e, na busca de compartilhar com os atores espaços comunicativos, procura caminhar não apenas na mesma direção, mas também no mesmo sentido, como proposto em Lins (2012) ao discorrer a respeito de comunicação e espaço comunicativo no MCS.

No MCS a noção de comunicação é substituída pela noção de espaço comunicativo, que é um processo de interação no qual (dizer isto, para o MCS, é redundante) interlocutores são compartilhados. Numa inversão conceitual, “comunicação” não corresponde mais a algo do tipo “duas pessoas falando uma para outra”, e sim a “dois sujeitos cognitivos falando na direção de um mesmo interlocutor”.

A aparência da presença de um espaço comunicativo não é uma garantia: é por isso que é preciso ler o aluno [...] (LINS, 2012, p. 24, destaques do autor).

A ideia inicial de Agnes era formar a árvore pitagórica isósceles por estar trabalhando com uma proposta de geometria fractal envolvendo recursividade. Esse era um fim; no entanto, na sua

forma de operar – ouvindo e interagindo com os participantes em um processo dialógico, com vistas ao compartilhamento de espaços comunicativos – novos objetos foram constituídos e novos modos de produção de significados foram emergindo. Vejamos, então!

Após o ator Sorriso enviar sua proposta de solução ([RE7.262]), Agnes pergunta aos participantes se alguém fez de outra forma ([RE7.269]), mesmo sabendo que a produção de Sorriso atendia suas expectativas em relação ao que perguntara. Tal forma de agir estimulou a outros participantes apresentarem suas propostas de resolução, fato que permitiu novas produções de significados e, portanto, novas leituras e discussões, enriquecendo assim o processo. Essa maneira de operar de Agnes, perguntando aos participantes sobre como procederam, procurando entender de onde eles falavam e também suas motivações, demonstra que no processo formativo há interesse genuíno pelos atores, característica da formação de professores na perspectiva do MCS (VIOLA DOS SANTOS; LINS, 2016a).

Nesse contexto, o ator Ângelo ([RE7.293]) exibiu seu texto imagético, no qual utiliza uma das peças do MDP manipulativo para verificar a existência (ou não) de esquadria, garantindo assim a existência (ou não) de um ângulo reto. O uso de MDP manipulativo, como destacado em Chaves (2000), possibilitou uma validação pela comparação física de objetos, ao elencar uma das peças como um esquadro e isso propiciou que outros atores passassem a operar dessa mesma forma, isto é, a usar esse tipo de esquadro improvisado como uma ferramenta para a constatação da formação de um ângulo reto, ou seja, a validação com o uso de um material manipulativo passou a fazer parte do contexto.

Se por um lado o ator Ângelo ([RE7.293]) constatou a existência de um ângulo reto, constituindo o mesmo objeto – o recurso de esquadria com uma peça do MDP – o ator Sorriso, ao ser solicitado por Agnes ([RE7.308]) para fazer uma nova construção, constatou que a figura formada não representava um triângulo retângulo ([RE7.309]). E, com essa intervenção de Agnes, outros atores passaram a operar na mesma direção, permitindo assim a constituição de um espaço comunicativo no que se refere à formação do ângulo reto, assim, por exemplo, como fizera Jujuba ([RE7.311]) e Sorriso ([RE7.313]).

A obra Lins e Giménez (1997) destaca que

A palavra-chave é “falar” [...] a fala da pessoa que resolve um problema tende a explicitar o “novo” e a silenciar o “dado”. Dessa forma, enquanto resolvemos um problema, “falamos” as coisas que estamos tentando entender ou descobrir, mas

silenciamos as coisas que tomamos como certas, como dadas (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 122, destaques dos autores).

Tal afirmação nos remete à questão que discutimos nos parágrafos antecedentes, pois o inesperado (a intervenção de Ângelo – [RE7.270]) propiciou que novos significados fossem produzidos e que o processo se ampliasse, facultando o desenvolvimento de novas ações e operações, no sentido proposto na Teoria da Atividade de Leontiev.

No entanto, Agnes volta à ideia de otimização ([RE7.288]), não para retomar a proposta inicial da tarefa, mas para suscitar uma comparação entre os objetos constituídos ([RE7.308], [RE7.309] e [RE7.333]), e assim facultar que estipulações locais pudessem ser suscitadas a partir de uma proposta de descentramento, indo ao encontro do que Chaves (2004) apresenta ao tratar da ideia de que o conhecimento é produzido na ordem da batalha, levando os alunos a pensarem e analisarem suas próprias ações.

Ao operar dessa forma, Agnes adota a postura de realizar uma leitura plausível, à luz do MCS, porque “Trata-se de saber de que forma uma coerência se compõe na fala de uma pessoa [...] e não de, em meus termos, dizer que aquela fala indica falta de informação, ou de reflexão, ou de isso ou aquilo” (LINS, 2012, p. 23, destaques do autor).

Pl u ível p que “f z e id ”, “é ei ável e e ex ”, “p e e e que é i ” [...] Toda leitura é autoria. Ler é dizer “o que está aqui é...” [...] A leitura plausível se aplica de modo geral aos processos de produção de conhecimento e significado; ela indica um processo no qual o todo do que eu acredito que foi dito faz sentido (LINS, 2012, p. 23, destaques do autor).

E esse todo que faz sentido pode ser observado a partir das falas a respeito do princípio da desigualdade triangular, suscitado pelo ator Ângelo ([RE7.305]) que constituiu como legitimidade o encaixe das peças do MDP manipulativo, mas também uma conversa que tivera com o ator Tuba, no LPEI, envolvendo a vigésima proposição do Livro I de Os Elementos, que afirma:

“Os dois lados de todo triângulo, sendo tomados juntos de toda maneira, são maiores do que o restante” (EUCLIDES, 2009, p. 112).

Na ocasião, Ângelo consultara Tuba a respeito da desigualdade triangular, com o propósito de elaborar uma prática em seu Estágio Supervisionado e Tuba lhe sugeriu que usasse MDP manipulativos, como, por exemplo, canudinhos de tamanhos variados para verificar o princípio da desigualdade a partir da manipulação desses objetos, assim como o fizera em [RE7.305].

Durante essa conversa, Tuba lhe apresentou uma edição de Os Elementos, apresentando-o à referida proposição.

Nosso entendimento a respeito foi de que Ângelo produziu significado acerca do princípio da desigualdade triangular e aplicou durante a etapa de construção da Árvore pitagórica isósceles e, segundo nossa leitura, esse movimento, juntamente com a proposta apresenta por Agnes ([RE7.333]), suscitou que os atores Jujuba ([RE7.337] e [RE7.340]) e Ângelo ([RE7.339]) estabelecessem uma comparação entre os perímetros e, assim, respondessem à questão inicial apresentada por Agnes ([RE7.252]).

Do ponto de vista da Matemática do matemático, o recurso de comparação de objetos não se configura como um procedimento matemático de demonstração, mas, do ponto de vista da Matemática da escola (LINS; GIMÉNEZ, 1997) e, conforme defende Chaves (2000) a partir de suas leituras em tarefas propostas por Alexander Romanovich Luria, tal procedimento se constitui como uma tarefa de percepção que pode propiciar o desencadeamento de ações de inferir, comparar, abstrair e generalizar, que são básicas para desenvolver, dentre outras coisas, estratégias que configuram recursividade, pois essas ações levam à constituição de novas estipulações locais e essas a novas formas de operar que auxiliam na constituição de novas legitimidades.

O que discorremos no parágrafo antecedente, a partir do MCS, podemos comparar com as três grandes categorias em um processo de produção de significados – o dado, a justificação e o novo:

[...] ao longo da justificação, a fala vai deixando os traços do que é dado para o sujeito naquele momento. E estes traços são de suma importância para o nosso entendimento da maneira de operar desse sujeito. Porque o dado é o que nos diz onde ele [sujeito]

está e a partir de que “lugar” ele está falando (SILVA, 2003, p. 57, destaques do autor).

A “justificação” é o que garante – para o sujeito do conhecimento – que ele pode enunciar aquela “crença-afirmação” (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 142, destaques dos autores).

O papel da justificação é produzir legitimidade para minha enunciação (LINS, 1999, p. 88).

[...] a justificação tem o importante papel de ser o elo de ligação entre o novo e o dado.

É a partir dela que ocorre o processo aonde o novo vai se transformando em dado frente a novas situações (SILVA, 2003, p. 57, ipsis litteris).

A palavra-chave é “falar” [...] a fala da pessoa que resolve um problema tende a explicitar o “novo” e a silenciar o “dado”. Dessa forma, enquanto resolvemos um problema, “falamos” as coisas que estamos tentando entender ou descobrir, mas silenciamos as coisas que tomamos como certas, como dadas (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 122, destaques dos autores).

A partir do momento que passamos a confeccionar a árvore pitagórica isósceles (de [RE7.252] a [RE7.340]), novos objetos foram sendo constituídos e outros – como, por exemplo, a necessidade

de se preservar a forma de triângulos retângulos isósceles (mantendo padrões de cores) – foram sendo deixado de lado e passaram a se configurar como o dado. Os sujeitos constituíram como novo, por exemplo, a simetria e o padrão fractal a cada nível da árvore. A cada nova fala, a cada justificação, pudemos analisar e observar de onde os sujeitos da enunciação falavam, o que facilitou nosso entendimento a respeito da forma de operar desses sujeitos envolvidos no processo.

Ao longo do desenvolvimento da PEI em questão, a partir das dinâmicas estabelecidas, podemos notar alguns princípios norteadores da PEI, como o princípio colaborativo e o princípio da liberdade de expressão.

A respeito do princípio colaborativo, como já vimos anteriormente, Chaves (2005, p. 127-130) afirma:

O terceiro princípio – o colaborativo – consiste em assinalar o tipo de interferência que o monitor realiza nos grupos. Sua participação é fundamental na organização do processo, o que não significa que ele deva centralizar informações, nem tampouco que deva passá-las aos alternantes como algo pronto e acabado; pois, com este mesmo posicionamento, o monitor não perde de vista que não há o caminho, a verdade; mas que existem verdades e caminhos que devem ser discutidos, refletidos e negociados.

Depreendemos que a maneira de operar dos atores Agnes e Sexto ano ([RE7.299]) corrobora com o princípio colaborativo e que o uso do MDP como uma ferramenta para a constatação do ângulo reto ([RE7.293], [RE7.305], [RE7.309], [RE7.311] e [RE7.313]) e a comparação entre os perímetros das construções realizadas ([RE7.333], [RE7.337], [RE7.338], [RE7.339] e [RE7.340]) evidenciam a pluralidade de verdades e caminhos discutidos, refletidos e negociados ao longo do desenvolvimento da PEI.

Chaves (2005) explica que o princípio da liberdade de expressão “[...] consiste em deixar que o alternante fale, que produza incertezas e que discuta o erro como forma de propiciar a construção de novos aprendizados” (CHAVES, 2005, p. 127-130). Uma evidência desse princípio no desenvolvimento da PEI em questão é a apresentação espontânea que o ator Ângelo faz de sua construção inicial ([RE7.270]). Inferimos que, ao apresentar suas ideias (falar), ele pode reexaminar sua construção (produzir incertezas e discutir o “erro”) e buscar alternativas para comprovar ou não a existência de um ângulo (construção de novos aprendizados). Nesse processo, o ator Ângelo produziu conhecimentos para comprovação do ângulo reto ([RE7.293]) e para a desigualdade triangular ([RE7.305]).

Até aqui nossos atores operavam a partir de modos de produção de significados geométricos, inclusive para a construção da árvore pitagórica isósceles, mesmo quando da constituição de novos objetos (a simetria presente na árvore e o padrão fractal, por exemplo).

A etapa subsequente referia-se à identificação de padrões recursivos no que se refere à quantidade de quadrados (peças de MDP manipulativos), bem como aos respectivos comprimentos dos lados dos quadrados utilizados na confecção da árvore.

Na tarefa relativa ao número de quadrados, a pergunta disparadora foi: qual é a quantidade de quadrados no nível n? Para tal, sugerimos o preenchimento de uma tabela até o nível 5 (cf. item 4.2.7 e Apêndice O).

[RE7.413] – Agnes: Vamos ver como ficou o preenchimento até o nível 5 [mostra o slide com a tabela, aplicando um artifício dinâmico de preenchimento linha a linha e comparando com as linhas antecedentes com vistas a identificação de possíveis padrões ou regularidades]?

[RE7.414] – Joy: A expressão é soma de potências de dois, né?

[...]

[RE7.418] – Tuba: Joy, o que vem a ser uma soma de potências de dois? [várias pessoas começaram a comentar e a falar o que levou Joy a se calar].

[...]

[RE7.432] – Vergara [Chat]: És uma serie geométrica

[RE7.433] – Agnes: Joy, você falou que é potência de dois, mas é só potência de dois? Vai dar um quadrado perfeito?

[...]

[RE7.435] – Joy: Não, é a soma das potências. É o que o Tuba falou, 20+ 21+ 22+ ⋯ Tudo isso somado.

[...]

[RE7.439] – Jujuba [no chat]: É uma soma de PG!

[...]

[RE7.442] – Agnes: A partir de onde você viu soma de PG, o que você viu que te levou a essa ideia, Jujuba?

[RE7.443] – Jujuba: É porque como ele falou [referindo-se à fala de Joy – [RE7.435]]... potência de dois: dois elevado a zero, dois elevado a um; aí se você olhar cada termo ali está multiplicando por dois, um vezes dois, dois vezes dois [...] e assim por diante.

[RE7.444] – Tuba: Isso! PG de razão dois.

[RE7.445] – Amazona: Dois elevado a 𝑛 menos um, não na potência.

[RE7.446] – Tuba: Isso! Amazona, como você chegou a esse resultado? A partir da PG ou fez alguma outra análise?

[RE7.447] – Amazona: Na verdade foi observando a parte aritmética aqui [refere-se à terceira coluna]. No caso, dois elevado a dois, quatro, aí o resultado era três, então menos um. Dois elevado a três, oito, menos um sete. Aí manteve o padrão. A parte da aritmética.

[RE7.448] – Tuba: É! Ontem eu e Agnes conversamos a respeito disso. Porque não necessariamente o aluno poderá entender como soma de potências de dois, como soma dos termos de uma PG. Ele pode fazer um salto direto, da primeira coluna para a terceira: nível 1, um; nível 2, três; nível 3, sete; nível 4, quinze; nível 5, trinta e um. Então, o que a Amazona enxergou? Dois a quinta, trinta e dois, menos um, trinta e um. Dois a quarta, dezesseis, menos um, quinze. Dois ao cubo, oito, menos um, sete. Dois ao quadrado, quatro, menos um, três. Dois eleva a zero, um, está ali [observando o slide referente à tabela antecedente – [RE7.413]] [...] Então foi o que ela colocou aqui. E nós vimos que tem essas duas possibilidades, ou a partir da soma dos termos de uma PG ou... [interrompido]

[...]

[RE7.452] – Tuba: Então, foram essas possibilidades que nós vimos. Amazona, como fica então no n-ésimo nível?

[RE7.453] – Amazona: Eh, 2𝑛− 1.

[RE7.454] – Jujuba: Isso, 2𝑛− 1, porque o primeiro termo da PG é 1, a razão é 2 e são n termos, então pela fórmula da soma dos termos de uma PG ... [interrompeu a fala e escreveu no chat] é: a1(q^n-1)/q-1.

[RE7.455] – Tuba: Isso! Legal! Vamos ver então [apresentando o slide com recurso de animação e projetando a n-ésima linha].

Até a fala de Joy – [RE7.414] vínhamos operando a partir de modos de produção de significados geométricos, com o propósito de confeccionarmos a árvore pitagórica isósceles; porém, com a proposta de inserção da tabela, com o caráter dinâmico de inserção linha a linha, com o recurso de cores e expressando a quantidade de quadrados a cada nível, Joy passa a operar a partir de modos de produção de produção de significados aritméticos, na qual as potências de 2 passam a configurar-se como objetos bem como a soma das mesmas.

As estratégias de recursividade propostas por Agnes possibilitaram que Joy produzisse significado aritmético, e buscasse a “ideia geral”, generalizando, tal como preconiza Lins e Giménez (1997). Por outro lado, sua intervenção, bem como as intervenções de Agnes e Tuba ([RE7.413], [RE7.418], [RE7.433], [RE7.444], [RE7.446], [RE7.448], [RE7.452] e [RE7.455]), a partir da dialogicidade, facultou que outros atores – Jujuba ([RE7.439], [RE7.443] e [RE7.454]) e Amazona ([RE7.445], [RE7.447] e [RE7.453]), por exemplo – produzissem significado algébrico para obtenção do termo geral, pois como vimos anteriormente,

A palavra-chave é “falar” [...] a fala da pessoa que resolve um problema tende a explicitar o “novo” e a silenciar o “dado”. Dessa forma, enquanto resolvemos um problema, “falamos” as coisas que estamos tentando entender ou descobrir, mas silenciamos as coisas que tomamos como certas, como dadas (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 122, destaques dos autores).

A partir dessas falas, identificamos que nossos atores constituíram os seguintes objetos:

potências de dois; soma de potências; termos de uma PG; soma dos termos de uma PG. Se para os organizadores da tarefa usar tabela era algo legítimo para se chegar à identificação de um modelo matemático, com vistas a obtenção do termo geral, para esses atores, usar PG foi legítimo. Mas também a relação de ordem foi fundamental para que outros atores produzissem significado para obtenção do referido termo.

Essas estratégias supracitadas representam estímulos à produção de significados e, nessa perspectiva,

Estimular a produção de significados e garantir que diferenças, nos modos de produção de significados singulares de cada participante sejam explicitadas e se tornem objeto de atenção do pesquisador: não se trata de explicitar o diferente, mas trazer à luz a diferença, isto é, não identificar apenas o significado produzido (o produto) mas levar em consideração o processo em curso19 (SILVA, 2022, p. 138, destaques do autor).

19 Esta orientação metodológica foi inspirada na leitura de Oliveira (2011), a partir de sua discussão sobre a questão da diferença (Nota do autor).

Isso porque, estimular a fala, pôr em curso processos dialógicos, faculta que se evidencie as ações enunciativas dos sujeitos do processo e, segundo Silva (2022),

Nas ações do sujeito, o pesquisador desenvolve uma leitura a partir de seus resíduos de enunciação (fala, gestos, desenhos), fundamental para análise [...] Identificar, se for interesse da investigação, a partir da produção de significados dos sujeitos, evidências que ajudam na análise das dificuldades de aprendizagem (obstáculos e limites epistemológicos) e de possível processo de impermeabilização que possam estar ocorrendo (SILVA, 2022, p. 138, destaques do autor).

Dessa maneira, muito mais do que um objeto à fixação de ideias relativas ao tema em estudo, uma tarefa presta-se ao papel de dar voz aos participantes do processo, cabendo ao professor – o organizador deste – ter a clareza da relevância deste instrumento para desencadear um processo de enunciação dos participantes quando os mesmos procuram explicitar sua forma de agir em relação ao que foi pedido (SILVA, 2022).

Dutra (2020), Andrade (2021), Chaves, Andrade e Dutra (2021) e Chaves, Marques e Andrade (2022) trabalharam com os objetos tabelas, sequências numéricas, imagens com padrões de cores, figuras geométricas etc. para a realização de trânsitos de modos de produção de significados (geométrico, aritmético e algébrico) no desenvolvimento de processos recursivos.

Nesse encontro, a tarefa proposta que acabamos de analisar configura o que Lins e Giménez (1997) denomina de “exemplo exemplar” para a caracterização desses trânsitos.