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Capitulo IV Sexualidade e saúde sexual na voz da pessoa idosa

3. Perspetivas das pessoas idosas sobre a saúde sexual e o seu lugar nos cuidados

3.2. Experiências e perceções da abordagem da saúde sexual por profissionais de saúde

3.2.2. Abordagens dos/as profissionais no âmbito da saúde sexual

As experiências descritas, que as pessoas idosas associaram a abordagens sobre a saúde sexual, com profissionais de saúde, foram desencadeadas, em geral, por interrogações colocadas pelos/as idosos/as, mas também por questionamento de profissionais, iniciaremos pelas primeiras, como M4.

(…) tive uma altura muito má (…) Não é em termos de marido e mulher, era comigo própria pronto e perguntei à minha médica, (…) se não havia qualquer medicamento que me pudesse ajudar, e ela disse que não (…) que com a idade que isso [atividade sexual] ia acabando

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(…) pois claro que eu confio porque eles é que são os entendidos nessas coisas não sou eu. (M4, 64 anos)

(…) achei que [a médica de família] deu a entender que (…) eu já estava a ficar velha para essas coisas, (…) eu costumo saber isso não tem idade (…) (M4, 64 anos

A médica de família parece interiorizar e refletir nas suas práticas a crença social da assexualidade dos/das idosos/as, como diz Cardoso (2004), quando, a pessoa idosa toma a iniciativa de colocar questões da saúde sexual, ao profissional, corre o risco de obter deste uma resposta estereotipada: “[n]outras ocasiões, a fuga ao conformismo choca com o preconceito e com a discriminação, dando lugar à vergonha e à culpa” (p. 12).

Alguns estudos, mesmo não tendo lugar no contexto português, corroboram a interiorização por profissionais de saúde da crença da assexualidade da pessoa idosa, tal como Bradway e Beard (2014), que em entrevista a vinte mulheres, constataram a presença do estereótipo da assexualidade dos/as idosos/as, nas praticas clinicas, já que a maioria das idosas relatou a ausência do questionamento, por parte de médicos/as de família e ginecologias, acerca da atividade sexual, que tiveram nos últimos tempos; também na investigação de Gott, Hinchliff e Galena (2004), explorada na problemática, médicos/as de família entrevistados/as, partilhavam a crença da assexualidade da pessoa idosa.

A atitude idadista da médica, privou M3 de vários direitos sexuais, de imediato quando lhe sentencia uma inatividade sexual garantida pelo envelhecimento nega-lhe o direito a: “a decidir

ser ou não sexualmente ativo”38 (WHO, 2006, p. 5), por outro um lado, ao não se disponibilizar para adequadamente a aconselhar, sobre alguma terapêutica, ou encaminhá-la para serviços especializados barra-lhe o direito a aceder: “ao mais alto nível de saúde possível, incluindo o

acesso aos serviços de cuidados de SSR”39 (p. 5) e, em simultâneo, “a procurar, receber e

transmitir informações relacionadas com a sexualidade”40 (p. 5), por consequência, inibe a possibilidade de M4 promover a sua saúde sexual, isto é “a seguir uma vida sexual satisfatória,

segura e prazerosa”41 (p. 5).

Além de aconselhamento sobre a saúde sexual, o/a médico/a de família parece ter também o potencial de orientar a pessoa idosa para servições especializados de SSR, como exposto na problemática, pela WHO (2010) que sugere que profissionais de saúde tenham formação, sobre a vivência da sexualidade quanto ao género e idade, para encaminhar para especialidade o/a

38 Traduzido do original “decide to be sexually active or not”

39 Traduzido do original “the highest attainable standard of sexual health, including access to sexual and

reproductive health care services”

40 Traduzido do original “seek, receive and impart information related to sexuality” 41 Traduzido do original “pursue a satisfying, safe and pleasurable sexual life.”

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utente se considerar que não têm competências para aconselhar. A pertinência da articulação entre médicos de família e especialistas de SSR, é sublinhada pelo relato de H1.

E eu fui à minha médica de família e queixei-me que não tinha ejaculação e então ela mandou-me para o hospital fazer o exame ao especialista e ele observou-me disse que podia ser o sistema nervoso, que à priori não tinha (…) problemas (H3, 61 anos)

Poderia ser aa psicológico o certo é que continua na mesma, portanto marcamos consulta para fazer análises e nunca mais me chamaram, pura e simplesmente nunca mais me chamaram, isto já para aí à cinco anos e nunca mais me chamaram (H3, 61 anos)

De fato, o contato com o médico de família dos cuidados primários é um dos modos, e aparentemente o mais acessível, para que os cidadãos possam usufruir das consultas de especialidade do SNS, na Portaria 95/2013 de 4 de março é previsto que a marcação da primeira consulta em especialidade, no hospital do SNS, seja feita através de referenciação prévia, por parte dos prestadores de cuidados de saúde, dos cuidados primários do SNS (ex. médico de família), referenciação do próprio hospital ou de outros e de entidades parceiras do SNS. Assim, percebemos não só a importância dos/as médicos de família e demais profissionais, que ao estarem sensibilizados para a referenciação dos utentes são capazes de, como aconteceu com H3, fazer a ponte, entre o centro de saúde e hospital e por acréscimo, como também para que o próprio médico especialista e a dinâmica do hospital, permitam o agendamento das consultas subsequentes - o portal do cidadão (2015), indica-nos que as consultas subsequentes são da responsabilidade do hospital - o que não terá acontecido com H3.

Além das abordagens potencialmente terapêuticas e do encaminhamento para especialidade de SSR, o/a médico/a de família poderá, ainda, promover de ações de rastreio, sobre as quais H1, descreve uma motivada pela sintomatologia que expôs à médica e outra de iniciativa da própria profissional.

A falei ano passado porque (…) acordava muitas vezes de noite e com vontade de urinar (…) A médica de família [disse] “pode não ser nada mas de qualquer maneira vamos fazer exame à próstata”. (…) Então ela mandou-me fazer o a o exame à próstata acontece que eu fui fazer ao I, o médico um senhor de idade (…) não havia problemas com a próstata diz ele, mas podia ser era um alarme (H1, 80 anos)

(…) graças a deus estou aqui saudável, com análises (…) ao VIH ainda o ano passado, foi há dois anos, a médica “não era melhor, sempre era mais saudável” (…) “eu não tenho problemas até porque eu sou casado (…) “também se tivesse alguma coisa tinha de ter cuidado” (H1, 80 anos)

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Nesta última ação, de rastreio do VIH percebemos, que a médica de família reconhece o H1 enquanto sexual – não parecendo assumir uma atitude idadista sobre a sexualidade da pessoa idosa, aliás, sendo o único entrevistado/a a referir ter realizado, por indicação médica, a realização deste exame – e parece utilizar o momento de rastreio, como chave, para sensibilizar o H1 para o uso de preservativo se tiver relações extraconjugais, apesar de com base no discurso de H1, em que tem um conceito errado sobre a sintomatologia do VIH e SIDA, talvez o rastreio sugerido pela médica, pudesse ser aproveitado como momento para clarificar algumas questões da doença, nomeadamente a sintomatologia, mesmo que este não refira, de momento relações extraconjugais; a incapacidade de profissionais de saúde e idosos/as discutirem, em conjunto, questões da saúde sexual contribui para o aumento dos casos de VIH (DeLamater & Koepsel 2015).

3.2.3. Síntese

As mulheres idosas são as que descrevem com maior frequência, o contacto com os profissionais de saúde, especialmente o/a ginecologista, no âmbito da sua saúde sexual. Na maioria, os/as idosos/as, não reconhecem para si a necessidade, da abordagem da sua saúde sexual, com profissionais, talvez porque não identificam as potencialidades dos serviços de saúde como, alerta Espanha (2013), e/ou interiorizam o conceito de assexualidade exposto por Gott e Hinchliff (2003), e/ou, porque à luz de valores da época do estado novo (o contexto social em que cresceram) – a mulher autorreprime a sua sexualidade e o homem é viril e dominador (Aboim, 2013) -, questionar profissionais sobre a sua sexualidade coloca em risco a sua masculinidade e feminilidade, respetivamente, enquanto as idosas teriam de dotar-se de desejo sexual e expor a outros (profissionais) a sua prática sexual, os idosos contrariariam a sua virilidade inata, ao admitirem problemas sexuais ao profissional. É ainda possível vislumbrar este reflexo de valores, com as mulheres a tomarem a iniciativa de questionar profissionais, sobre a alçada da saúde sexual do marido, o que poderá representar o domínio deste e a legitimidade que confere à experiência da sexualidade pela mulher e à sua pretensão de a melhorar.

A partir das descrições das pessoas idosas sobre as experiências de abordagem da saúde sexual, com os profissionais de saúde, percebemos que umas são dotadas de alguma qualidade, com oportunidades de rastreio do VIH e cancro da próstata, outras não, pois profissional transporta a crença de assexualidade da pessoa idosa para a prática clinica, coloca em risco direitos sexuais, de entre os quais o acesso a serviços de SSR, que como em Portugal, só são acessíveis

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no SNS, por referenciação, o que torna vital uma boa articulação entre centro de saúde e hospital e qual depende da formação dos/as médicos/as de família sobre sexualidade.

3.3. Qualidade das abordagens à saúde sexual: efeitos da sua condução e das características dos/as profissionais de saúde

Por forma a garantir a saúde e segurança dos/as utentes, de qualquer faixa etária, profissionais de saúde que abordem a SSR, devem ter a formação adequada e ser supervisionados e apoiados, por forma a que lhes sejam proporcionadas oportunidades para adquirirem competências adequadas à abordagem da SSR (WHO, 2011).

Assim, pretende-se explorar as perceções de adequabilidade, das pessoas idosas, sobre as características de profissionais de saúde e da forma como conduzem a abordagem à saúde sexual.