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Capitulo IV Sexualidade e saúde sexual na voz da pessoa idosa

2. Influências na gestão e vivências da sexualidade pela pessoa idosa

2.9. Ser mulher e ser homem na gestão e vivência da sexualidade

2.9.2. Variância de poderes e direitos na sexualidade

A partir do 25 de abril, tem-se vivido uma progressiva divisão de poderes e direito entre homens e mulheres, com a constituição portuguesa em 1976 a reconhecer a equidade de poderes e direitos, à mulher passa a ser admitida a vivência da sexualidade fora da conjugalidade e o prazer sexual, e onde a exposição pública da sexualidade desencadeia mecanismos socias de proteção sobre a descriminação e violência sexual e fomenta as lutas pela igualdade de direitos (Aboim, 2013).

De entre as idosas entrevistadas, duas identificam, algumas situações de desigualdade de direitos e poderes entre homens e mulheres, contudo não se associam a esse juízo, M3 sublinha o quanto se distancia de uma situação de desigualdade.

(…) eu penso que o homem ainda está muito virado que ele é que é o macho (…) latino, (…) tem que estar sempre no auge, (…) penso que hoje já não se pode pensar dessa maneira, não é? (…) pelo menos em casa não se pensa (M3, 65 anos)

Talvez tradução de uma transição de valores do estado novo, em que a masculinidade parecia surgir como um dos supremos, é que as mulheres entrevistadas, parecem remeter, parcialmente, a vigência da passividade feminina para o passado, defendendo uma gestão entre casal da relação sexual.

(…) para muitos homens (…) a mulher é para o servir. Como antigamente falava-se muito nisso “aí a mulher tem que servir o homem” (M5, 77 anos)

Todavia ainda é percetível perceber, à semelhança do que nos diz DeLamater e Hyde (2004), principalmente nas relações de longa duração, que o género impute diferenças na experiência da sexualidade, enquanto as mulheres ainda são os sujeitos passivos, os recetáculos da relação sexual, que acontece de acordo com a iniciativa do homem.

Porém, esta mesma associação de “servir” utilizada para a mulher, é de uso recorrente para H1 ao longo da entrevista.

eu com essa idade sessenta anos servia-me da mulher todos os dias (H1, 80 anos)

Ao homem é atribuída maior virilidade, talvez decorrente do contexto social português, em que o entrevistado terá crescido e casado, onde como abordado na problemática segundo Silva (2001), a mulher era “o elemento passivo (…) e em que o seu papel se restringe à esfera privada

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aventura sexual extravagante e atrevida, à mulher são-lhe refreados os seus apetites desejos sexuais por parte da família e, em particular, dos pais” (p. 10); instruída a assumir o papel de

passividade, a mulher teria de estar disponível para agir consoante os desejos e vontades do conjugue, para o “servir” como diz H1, reprimindo o seu próprio desejo ou ausência deste, como o diz, M3 ser ainda comum nos meio rurais.

[no meio rural] A mulher é apenas um objeto mais nada, um objeto onde o homem satisfaz os seus prazeres. Continuo a ver as mulheres queixarem-se: “(…) a gente tem que estar sempre disponível” (…) quer dizer não há prazer, quer dizer, não há, quando há prazer não se diz tem que estar sempre disponível. (M3, 65 anos)

O papel passivo das mulheres, poderá estar mais vinculado para as que se inserem no meio rural, porém no meio urbano, de onde proveem as pessoas idosas entrevistadas, as idosas parecem reconhecer que a mulher se torna num sujeito ativo, algumas delas reconhecem-se num papel ativo, mas nenhuma assume ser passiva. Para os homens, H1, pelo envelhecimento, parece atribuir, à parceira, alguma decisão na frequência atividade sexual do casal.

(…) eu acredito que aconteça em muitos casais é a esposa com uma determinada idade já não ligar, (…) vira as costas ao marido e não liga isso é capaz de acontecer. Há um desinteresse maior da parte da mulher, a partir de determinada idade (…) há preliminares, ou a mulher se tem vontade chega à cama deve beijar o marido, deve virar-se para ele deve abraça-lo, isso são incentivos e quando isso começa a não existir o marido também começa a amolecer, não é? (H1, 80 anos)

Porém, esta partilha de poder sobre a relação sexual não parece ter o intuito de uma gestão igualitária na sexualidade, mas antes à necessidade de, face a uma sexualidade envelhecida, em que o seu desejo e excitação sexual está mais dependente da demonstração de desejo sexual pela mulher – como demonstram Sandberg (2011), para quem os homens idosos vivenciam uma sexualidade amadurecida onde valorizam o desejo sexual da parceira e DeLamater e Hyde (2004) segundo os quais, ao longo do tempo, os homens centram a sua sexualidade na parceira - e para que a relação sexual aconteça a mulher demonstre desejo sexual, o que aparentemente a empodera, culpabiliza-a logo de imediato, se o conjugue demonstra problemas sexuais, por exemplo não consegue ter ereção, pois não demonstrou desejo sexual, não o “incentivou”. Esta mesma construção da sexualidade, voltada para a companheira, pode assumir outros traços.

Uma mulher não é escrava de ninguém, é (…) um ser humano como eu, não é? Temos que ver se ela aprecia a relação se não (…) é preciso estar muito mais tempo à beira dela (…) explicar-lhe determinadas coisas, não é? (H2, 78 anos)

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(…) é preciso (…) ver se a companheira é capaz de acompanhar o cavalheiro que está ao lado dela. Porque muitas das vezes é preciso de demorar mais tempo a acariciar essa mulher para depois ter sexo como deve ser com ela (H2, 78 anos)

Para H2, não existe uma culpabilização da mulher por problemas sexuais, contudo não deixa de ser percetível a passividade das mulheres, em contraste com a experiência sexual, inata, dos homens, onde el, e os seus pares, como mais experientes ensinam e instruem, o sujeito passivo, a mulher, o que não deixa de ser uma visão congruente com a associação, segundo Aboim (2013) “liderança” e “virilidade” ao ser masculino.

Sobre o poder masculino, M4, tenta gerir o impacto do mesmo, redirecionando para si e para os pares.

(…) a idade não perdoa (…) nós mulheres temos uma virtude, podemos fazer mil e uma coisa de fingimento e eles não (…) percebe-se logo o ponto fraco deles, isto dói muito (M4, 64 anos)

A invisibilidade da sintomatologia das disfunções sexuais femininas, não permite identificá-las visualmente, como o é no caso de algumas masculinas, o que para M4, confere-lhe poder a si e aos pares, mas de quê, não será apenas uma das características das disfunções sexuais que permite a persistência de uma gestão da sexualidade unidirecional em que os homens decidir quando se relacionar sexualmente com a parceira.

2.9.3. Síntese

As pessoas idosas entrevistadas, apresentam conceitos de sexualidade, em parte congruentes com a época, estado novo, em que cresceram e possivelmente conheceram os/as atuais ou anteriores companheiros/as. Assim, percebemos que a conceção da sexualidade das mulheres, pelos/as entrevistados/as, centra-se na vivência afetiva, estando numa perspetiva secundária a atividade sexual, e dos homens tem foco na atividade sexual; orientados por “normas e valores

estereotipados acerca do comportamento masculino e feminino: o homem elemento ativo e assertivo, do ponto de vista social, profissional e sexual; a mulher como o elemento passivo”

(Silva, 2001, p. 10), a mulher surge nos diálogos das pessoas idosas como a “serviçal” do homem, na relação conjugal, imagem que as idosas não reconhecem para si, a que tem a culpa dos problemas sexuais do homem, que ao envelhecer torna-se mais dependente do desejo sexual feminino, e consequente menos masculino pela diminuição da atividade sexual, e é a que tem que ser instruída para um ato sexual prazeroso.

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Os papeis de género, descritos pelos/as entrevistados/as, não se afastam muito dos discursos de publicações ainda vigentes, onde a mulher é responsável pela gestão das emoções, a satisfação das necessidades do parceiro (Dias, Machado, & Gonçalves, 2012).

Assim, percebemos que mais do que as diferenças biológicas, que nem sequer mencionaram, os/as idosos/as, perspetivam o ser homem e ser mulher, segundo conceções, onde são enumerados comportamentos e condutas socialmente determinados, inclusivamente pela época em que cresceram (estado novo), com as quais os próprios se identificam a si ou aos seus pares, segundo Ribeiro (2012) as construções de ser homem e de ser mulher, não se reduzem à biologia, mas antes são resultado dos contactos estabelecidos com o contexto cultural: “onde

se aprendem e executam guiões de género apropriados ao contexto, social e histórico, no qual se inserem.” (p. 249).